Yama no Susume Next Summit #07: O que animadores apaixonados podem criar

Do que se trata YamaSusu? Na sinopse, é uma história sobre crianças apaixonadas pelo montanhismo. Mas a verdade sobre que tipo de projeto é YamaSusu é parece mais uma filosofia de contar histórias do que qualquer outra coisa, com uma ênfase particular na existência cotidiana e em experiências humanas menores que podem ser aplicadas a quase qualquer cenário. O ato de “comprar uma bota” é menos sobre o ato de “comprar uma bota” e mais sobre as formas de ilustrar esse momento. Isso provavelmente pode parecer um pouco vago demais (de fato é) para ser autoexplicativo, então vamos nos aprofundar um pouco mais nessa filosofia enquanto exploramos um dos meus episódios favorito de 2022: Yama no Susume: Next Summit episódio 07!

Fiquei um pouco espantado quando descobri que esse episódio foi feito anos atrás, porém fazia realmente sentido em sua falta de sentido. Para ser mais específico, foi feito há mais de 2 anos, os dois diretores (China e Keiichiro Saito) brincaram sobre isso no twitter e um dos animadores envolvidos falou sobre como era bizarro ter trabalhado nesse episódio em 2020 e novamente apenas alguns meses atrás em 2022, pois a abertura (como é bastante normal) foi animada logo antes da transmissão.

Mas… como? Por quê? Isso é a parte do que eu quis dizer em ter sentido apesar de não ter. Yama no Susume é uma série um pouco estranha, no sentido de que a indústria não foi construída esse tipo de projeto, porém o anime sempre foi muito minucioso (todos os locais nas montanhas são observados pessoalmente pela equipe), curiosamente ambicioso para o tipo de anime que é, e muito disposto a permitir que criadores individuais lidem com grandes quantidades de trabalho. E isso, se você quer fazer as coisas bem, leva muito, muito, muito tempo. Além disso, como a série tem uma base de fãs pequena, mas muito dedicada, eles perceberam que podiam se safar com essa abordagem.

A parte-B do episódio pode estar em um patamar próprio — chegaremos nela —, mas tudo nesse episódio, do começo ao fim, opera com uma qualidade própria em comparação com outros animes. Em cada cena da parte/episódio-A, Keiichiro Saito encontra beleza e emoção na disposição do cenário, na distância entre os personagens e principalmente na forma como a luz incide sobre o mundo ao seu redor.

Saito usa luz e sombra para um efeito maravilhoso e apresenta uma história impulsionada, em grande parte, pela narrativa visual em vez de narrativa aberta — sendo essa, em outras palavras, a filosofia de YamaSusu que mencionei na introdução. As bordas suaves e o sombreamento fluido fazem a parte-A parecer quase um mundo em que você pode entrar, enquanto as cores ricas e o notável senso de escala criam uma experiência muito convincente e aconchegante. Mesmo seus esforços para criar multidões críveis e laboriosas atendem a algum propósito, ao também contribuir na criação de um senso vívido de lugar.

O mini-episódio de Saito poderia certamente ser um dos maiores destaques em qualquer outro contexto, mas acontece que China está além da compreensão ou da ambição usual. Sua parte-B é uma exemplificação na prática da “filosofia” que eu mencionei na minha introdução; oferecendo um maior foco em momentos incidentais, atuação sutil de personagens e atmosfera. Projetos como Yama no Susume são capazes de deixar seus personagens humanos em segundo plano e criar “personagens” vívidos a partir do ambiente físico de uma história. Com um ritmo mais lento e um foco maior na atmosfera, YamaSusu dirigido por alguém como China se torna em grande parte dedicado a ilustrar a infinita variabilidade do mundo natural. Podemos ver neste episódio que, quanto mais você diminui o ritmo de exploração de um ambiente, mais seus ritmos naturais emergem, capturados com toda a beleza e criatividade que esse meio distinto pode reunir.

Muitos desses mesmos princípios foram usados em K-ON, por exemplo, para oferecer devaneios nostálgicos e reviver as alegrias da juventude. Ou em Liz and the Blue Bird ao capturar a experiência vivida de uma única personagem insegura. Tendo tido suas mãos em ambas as produções, pode se dizer que a diretora Naoko Yamada deu uma nova vida a esse estilo — então faz sentido que China, o responsável absoluto da parte-B (“absoluto” uma vez que seu trabalho foi desde o roteiro até todo o resto), seja assumidamente um admirador de Yamada.

Sim, China é um grande fã de Yamada e seus trabalhos, e ele é muito público sobre isso. Ele até trabalhou ao lado dela mais recentemente em Heike Monogatari, o que, como você pode imaginar, foi como um sonho que se tornou realidade para ele. E China certamente mostra essa admiração em seu trabalho como diretor. A parte-B do episódio já começa com uma série de tomadas de mãos e pernas, usando-as da maneira que Yamada tende a fazer: revelando a personalidade e o estado mental de alguém sem filtro pela compostura que aplicamos às nossas expressões faciais. As mãos se agitam e se movem em resposta as ansiedades, as bocas transmitem tanto deleite quanto insegurança.

Yamada se tornou um farol para muitos criadores devido a sua capacidade em expressar nossa humanidade em nossos menores gestos por meio de escolhas de animação e enquadramento, e parece mais do que apropriado que China então escolha escrever uma história baseada em mundos pessoais e nas maneiras como diferentes pessoas, com diferentes capacidades de comunicação, articulam seus sentimentos e se entendem.

A cena provavelmente mais “estilo Yamada” do episódio (e minha favorita) veio da conversa entre Aoi-chan e Kasumi, quando Aoi reflete sobre todo o seu crescimento até agora ao falar sobre como escalar se trata de fazer a coisa toda em seu próprio ritmo — sendo uma metáfora bastante apropriada para o próprio processo de crescimento e amadurecimento. É um momento visualmente bonito, trazendo à vida um pequeno e precioso momento de interação humana genuína por meio de uma narrativa visual. O deleite de Kasumi com as palavras de Aoi, ao perceber o quanto ela cresceu e ganhou confiança em si mesma, não é transmitida verbalmente, mas através de pequenos movimentos de boca.  Os olhos de Kasumi estão cobertos, afinal os olhos costumam ser muito fáceis — são uma janela clara para a alma e muitas vezes oferecem informações “demais” — e como podemos ver no início da sequência, acontece que Kasumi é uma personagem tímida e reservada, o tipo de personagem mais predisposto a informar seus sentimentos fisicamente. Enquanto Yuri e Mio são visualmente expressivas sobre como se sentem cansadas, a dificuldade de Kasumi é clara em sua postura e caminhar; mediante uma atuação de personagem notavelmente nuançada e relacionável. Em um sentido mais geral, sequências como essa também refletem como não apenas os diálogos, mas até mesmo rostos expressivos e olhos podem oferecer informações “demais”. 

E como fica claro, juntamente com o talento de China, YamaSusu Next Summit #07 é muito auxiliado pelos animadores-chave consistentemente surpreendentes que sempre cercam essa série. Entre os maiores nomes temos simplesmente a estrela do estúdio Trigger Kai Ikarashi (usando um pseudônimo) na parte-B; Norifumi Kugai e Takeshi Maenami na parte A; além de Masami Mori entre tantos outros. Com ambos diretores sendo amigos pessoais de todos esses artistas, é fácil ver como chegamos a um time como esse. YamaSusu sempre ocupou uma posição muito especial porque, ao contrário da maioria dos outros projetos em que jovens animadores excepcionais se reúnem, trata-se de atuação, e não de qualquer tipo de ação. Então, se animadores querem fazer esse tipo de trabalho [atuação de personagem], é um destino muito natural.

Como um idiota apaixonado por arte cartoony estupidamente fofa, engraçada e expressiva, obviamente o segmento de Ikarashi foi meu favorito de todo o episódio. A sequência parecia ter vindo diretamente de um programa como Shin-chan; contendo uma energia incidental de Shin-chan, no sentido de deformações semelhantes porque Shin-chan tem um estilo muito anos 90 e Ikarashi também — como pode ser visto na extrema angularidade e grande senso de movimento nesta sequência. Ikarashi encontra em YamaSusu Next Summit #07B uma ótima desculpa para saciar seu amor pela deformação da forma. Todos os 1 minuto e 16 segundos de sua sequência são dedicados simplesmente a celebrar o potencial expansivo da expressão humana.

Não faltam cenas neste episódio para eu destacar. A verdade é que a quantidade de personagens incidentais atuando neste anime é simplesmente surpreendente para os padrões modernos. Como resultado da equipe robusta e viés ambicioso que permite tudo isso, eu diria até que parece mais democrático na sua distribuição de movimento. O anime moderno frequentemente terá períodos significativos de relativa quietude pontuados por exibições furiosas de perspicácia na animação, mas YamaSusu sempre trata cada momento ocioso como digno de animação, e seus personagens se sentem muito mais vibrantes por isso.

Esta série embala muita personalidade em toda a sua atuação de personagem incidental, que combina com os belos fundos e efeitos digitais para um efeito que incorpora a propriedade única do anime de dar vida às visões de animadores apaixonados; seja um amor por Yamada ou por um estilo dos anos 90.


Agradecimento especial aos apoiadores:

Victor Yano

Danilo De Souza Ferreira

Apolo Dionísio

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