Liz to Aoi Tori (2018) | Review

| FILME | Estúdio: Kyoto Animation | Fonte: Original | Diretora: Naoko Yamada | Criadora Original: Ayano Takeda 

É um pouco difícil descrever coisas que são indescritivelmente boas — e Liz and the Blue Bird é este tipo de coisa. Tudo o que este programa produz flui como um fluxo poético de consciência não filtrada.

Naoko Yamada tem sido uma força em ascensão nos animes por quase uma década desde sua estreia como diretora em K-On! (2009-2010) séries para TV e seus tie-ins em OVA e filmes. Seu estilo visual experimental e nuances narrativas centrando em garotas elevaram seus trabalhos ao longo dos anos para se apresentarem como uma das animações mais ecléticas e emocionalmente ressonantes lançadas atualmente. Este fato é abertamente predominante em seu mais recente trabalho, Liz and the Blue Bird, anunciado como uma continuação de Hibike! Euphonium (do qual Yamada fez alguns episódios). Ocorrendo no mesmo universo com muitos personagens recorrentes, ele também funciona como uma história independente que não necessita de experiências anteriores com a franquia para dar sentido aos eventos da história.

Takeda, a criadora, e a escritora Reiko Yoshida estruturam esta história em torno da flautista popular Nozomi Kasaki e da oboísta reservada Mizore Yoroizuka, duas alunas do terceiro ano que têm sido melhores amigas desde o ensino médio. Selecionadas para tocar uma peça baseada em um conto de fadas alemão chamado “Liz and the Blue Bird”. À medida que seguimos as duas garotas em sua jornada de autodescoberta, Yamada intercala a narrativa de Mizore/Naoko com a história por trás da faixa titular. Animado em um estilo mais despojado e lírico, é como ter um filme Ghibli do final da era no meio de uma junta da KyoAni. A história da jovem Liz e sua amiga, espelha a jornada pela qual as duas lideranças estão passando. No conto de fadas, Liz percebe que o Pássaro Azul nunca será verdadeiramente feliz confinado ao mundo humano, e permite que ele voe livre. O drama no coração do filme é se Mizore será capaz de fazer o mesmo.

A história começa com uma declaração de propósito que parece incorporar a carreira de Yamada em miniatura, enquanto seguimos Mizore a caminho da escola. Parando do lado de fora do portão, Mizore hesita, e o filme faz uma pausa com ela.

Este é um mundo baseado no azul coberto pela luz pálida do início da manhã. Assim como o título inclui a cor azul, essa “cor” será o plano de fundo deste filme. É apresentada a visão de mundo. Um sentimento claro e real. Uma pessoa que é delicadamente delimitada por linhas finas. Parada do lado da escada e esperando por alguém. Um tilintar silencioso de teclas de piano e traços de percussão desaparecem no fundo, como uma banda afinando antes de tocar. Mizore senta nos degraus, esperando por algo que não podemos ver. A noção que ela está esperando por alguém é sugerido pela existência de uma garota que passou primeiro. Ela está tão travada de nevosismo que é provável que seja difícil até para ela estender as pernas. Então, quando a melodia do piano entra em sincronia com os passos emergentes, Mizore se vira e vê Nozomi se aproximando. Combinando com a confusão de Mizore, seguimos Mizore e Nozomi através de uma sequência de dez minutos quase sem palavras, enquanto seus sentimentos florescem através de sua caminhada silenciosa até a sala de músicas. É poder em ressonância ativa.

Mizore segue Nozomi andando passo a passo e a observando. As duas estão caminhando para a sala de música durante a manhã. O cabelo de Nozomi, que está preso em forma de rabo de cavalo, balança de um lado para o outro. Memórias dos dias de escola secundária se sobrepõem. Ela parece imitar os atos dela, como trocar os sapatos no elevador e beber água em um bebedouro, mas no fim ela não pode imitar a luz que reflete e o balançar dos movimentos ao virar uma esquina. A relação vertical (de altura) entre as duas é claramente destacada nas escadas. Nozomi, que ocupa sempre uma posição acima e, ocasionalmente, tem uma visão do que está abaixo. Mizore espera e observa a distância. Todas as múltiplas forças de Liz and the Blue Bird são claras nessa sequência de abertura, passando as emoções de Mizore abertamente, embora ela mal fale uma palavra.

Parte disso se resume à animação extremamente cuidadosa do filme e aos designs de personagens expressivos e suaves. Os traços grossos e os estilos exagerados de cabelo de Euphonium foram embora; tivemos mudanças no tamanho dos personagens, traços, espessura dos contornos e equilíbrio das vidas das personagens. Em vez disso, o filme é expresso por linhas delicadas ecoando sua colaboração anterior com o designer Futoshi Nishiya em Koe no Katachi, e o design de personagem que impressiona não por seus perfis chamativos, mas pela sutileza da forma. Mizore pode ser uma pessoa quieta e tímida, mas nossa jornada em sua cabeça captura perfeitamente da sua criatividade e paixão, a vitalidade de seu mundo pessoal. As escolhas resultam em um trabalho único, tendo sua própria identidade de cores, que diferencia assim da obra original. Em outras palavras, Yamada expressou sua personalidade em cores, também observado nas suas 3 obras teatrais anteriores: “K-On! Movie”, “Tamako Love Story” e “Koe no Katachi“.

E não é apenas o design visual que faz este segmento de abertura cantar, no entanto. Os sentimentos de Mizore também são capturados no design de som de Liz. As memórias de Mizore de caminhar nessa mesma rota como uma adolescente são sustentadas por cordas sombrias e, quando chegam à sala de prática, o piano se dissolve em um ritmo de percussão, como se Mizore estivesse ativamente trabalhando para reprimir seus sentimentos. O show não precisa nos dizer que Mizore ama Nozomi; por que mais a melodia de sua vida seria sincronizada com os passos de Nozomi? Yamada consegue mais expressão e paixão em 10 minutos do que muitos shows jamais conseguiriam alcançar em todo o seu tempo de execução.

Talvez na forma como descrevi possa parecer que essa sequência de abertura é como um tour de force único de narrativa ambiental, mas Liz mantém esse nível de sutileza e entrega emotiva em todas as suas reviravoltas. Uma animação bonita e fluida é praticamente um dado do estúdio KyoAni, mas Yamada em particular é um mestre no estudo da observação humana — é um mestre dramaturgo — e em Liz ela pode ter alcançado um novo pico. Através de delicadas cenas de corpos parciais e cenas emolduradas para deixar espaço suficiente para ambas as personagens e seus pensamentos, Yamada transmite a experiência vivida de ansiedade, amor, desesperado e tristeza através de termos muito mais universais do que palavras. Há cenas neste filme que pareciam tão paralisadas como um filme de terror, o domínio de tom de Yamada conjurando momentos de ansiedade e auto-aversão quase agudos demais para suportar. Da leve tensão nos ombros de Mizore quando Nozomi se aproxima de mais, do jeito que ela brinca com o cabelo quando nervosa, olhando melancolicamente para as mãos e panturrilhas, seus olhares, revelam todas as cores vibrantes de seu amor.

Yamada chama a atenção do público para os “detalhes” das atividades do dia a dia, das quais você normalmente não estaria ciente e, ao mesmo tempo, faz com que os seus “significados” sejam lidos a partir deles. Expressões mais detalhadas da vida cotidiana são desenhadas e mostradas de maneiras únicas no filme. Como a cena das sobrancelhas no começo e a cena da caminhada, o contorno uniforme, o movimento do cabelo, a aproximação do perfil indicando a curva dos contornos. São incontáveis os detalhes. Yamada entrega a “animação do inconsciente”.

Há uma moldura de “lento, configurações limitadas e notável falta de “drama aberto” dentro da narrativa” onde as pessoas parecem colocar Liz – visões muitas vezes acompanhadas de uma comparação com o ataque emocional do longa anterior de Yamada, Koe no Katachi (2016). Em primeiro lugar, embora seja verdade que Liz é muito menos perturbado e limítrofe-fatalista com seus momentos mais dramáticos, eu diria que isso aqui pode ser muito mais pessoal, pungente e relacionável devido as sutilezas aumentadas, e relacionamento próximo à história e que seus personagens têm com sua música. O ritmo não é lento — é deliberado, é contemplativo, está agarrado aos últimos momentos fugazes da infância que nos definem para a maioria de nossas vidas iniciais, enquanto serve simultaneamente como altamente emblemático as incapacidades de seus personagens principais de expressar corretamente seus sentimentos. Posso dizer com segurança que Liz é uma das mais belas obras de arte que experimentei em anos.

O filme se move como uma peça musical, possuindo um ritmo inerente (a sua história) e tempo expressado através da edição, peculiaridades de personagens e algumas das emoções mais delicadas que já vi animadas na tela nas últimas décadas. O cenário é principalmente na escola secundária dos personagens. Ele [cenário] é efetivamente utilizado para transmitir diferentes estados emocionais e relacionamentos entre o elenco. Seja confinado e enjaulado, ou aberto e colorido, o cenário sempre fornece o contexto correto para cada cena, que raramente utiliza uma tomada/plano mais de uma vez, mudando e melhorando a composição e o fluxo da narrativa a cada passo adiante. Esses elementos são acentuados pelo uso, como já descrevi, inacreditável do filme de som diegético e partituras clássicas para criar uma sinfonia da vida cotidiana e extravagância adolescente que simplesmente não existe no mesmo grau em qualquer outra obra que eu tenha conhecimento. É o melhor design de som de qualquer propriedade que eu já tenha visto.

Embora possa não conter tantos momentos terremotos pelos quais Koe no Katachi é tão renomada, Liz and the Blue Bird consegue tornar sua história muito menor ainda mais potente e poderosa.

A narrativa minimalista de Liz nasceu para Yamada – ela oferece tanto espaço quanto possível para a delicada exploração de momentos-chave da diretora. No meio do seu último ano, Mizore e Nozomi estão ambas praticando para uma performance futura, baseado na história infantil Liz and the Blue Bird. Os paralelos entre a música, o livro de histórias e a realidade são tão óbvios que até Nozomi os menciona. Ela ri das semelhanças como coincidência, enquanto Mizore lê o livro muito mais literalmente até começar a afetar sua instrumentação. E se ela tiver que deixar Nozomi ir como a Liz fez com o pássaro? Ela poderia fazer uma coisa dessas? Ela poderia deixar a única pessoa em todo o mundo que ela seguiria até as profundezas do inferno ir e assim ser deixada em uma ilha sozinha novamente? Tão cega para uma vida sempre nos calcanhares de sua amiga, Mizore é incapaz de ter um futuro sem ela. Sem Nozomi, ela não é nada – e em seu desespero para se agarrar a Nozomi, ela é incapaz de se envolver com seu futuro ou se comunicar de verdade com sua amiga.

Mizore é a heroína perfeita para um filme de Yamada, tão preocupado com o passado, tão incapaz de transmitir seus sentimentos de qualquer maneira, mas fisicamente. A vida de Mizore é definida pelos movimentos de Nozomi, um fato que está no coração do drama de Liz e também define seu alcance estético. Flautas e pianos voam em triunfo momentâneo quando Nozomi entra em sua visão; quando ela sai, os violinos sinalizam a dúvida e a fadiga, os dedos apertando-se em pesar enterrado.

Spoilers a frente
Mizore nunca poderia imaginar realmente libertar o pássaro azul. E quanto a Nozomi? Assim como Mizore é desafiada a melhorar pelo seu professor, Sr. Taki, também a sua flautista é. E enquanto nos perguntamos se a sua mudança de atitude tem relação a Mizore e seu comportamento sufocante, não demorará muito para percebermos que Nozomi pode estar ainda mais assustada com o futuro. Onde nos encontramos alinhados com nossa protagonista desde cedo, pensando que Liz e o pássaro são metáforas muito específicas para uma aluna ou outra — graças a uma animação em aquarela do livro para contrastar com o lindo estilo escolar do anime — a questão é se pode ou não ser ambas simultaneamente. 

E se ambas estiverem psicologicamente presas, cada uma com inveja do que torna a outra única? O campus da escola se transforma em uma jaula com pássaros voando livremente fora das janelas, enquanto Mizore e Nozomi definham no ambiente claustrofóbico de sua própria incerteza. Forçadas a dizer adeus na canção, elas inconscientemente começam a reconhecer o fato de que podem ter que fazer isso na vida real também. Quando o pássaro é libertado, ele dança com tanta beleza que eu não podia escolher ficar maravilhado com a bela animação da KyoAni, ou fechar meus olhos completamente e deixar a música tomar conta. Liz não é um trabalho de puro desejo nostálgico; é simultaneamente um hino aos nossos “eus” passados ​​e uma celebração de tudo o que podemos nos tornar.

E por fim nomeando uma das minhas cenas preferidas – Nozomi descarta os temores de abandono de Mizore com um espontâneo “mas isso foi há muito tempo”, que Mizore respondeu com “não para mim. Para mim, ainda é agora”. Nozomi não entende completamente o impacto de suas ações, mas, como estamos na cabeça de Mizore, suas ações no filme muitas vezes são incrivelmente insensíveis e cruéis. Ela não é necessariamente obrigada a validar os sentimentos de Mizore, mas ela certamente parece disposta a brincar com eles, como quando ela debate sobre ir para a escola de música naquela cena com Mizore tocando piano. Mizore reviver constantemente a sensação de separação e abandono que uma vez sentiu dia após dia, vivendo com o medo perpétuo de que Nozomi se canse dela e a jogue fora de novo. Ela está sempre vivendo à sombra daquela memória dolorosa, um período de sofrimento tão intolerável que todas as suas ações devem ser julgadas contra “isso vai fazer com que Nozomi me deixe de novo?” A sequência serve, assim, como uma articulação brutal da impotência que a insegurança social pode nos fazer sentir, bem como de como as lembranças dolorosas podem, em grande parte, definir nossa cosmovisão geral.

Nozomi articulando esse pensamento é essencialmente seu momento mais insensível em todo o filme, embora, é claro, ela esteja agindo de uma posição de profunda insegurança por direito próprio, e essencialmente atacando porque ela não pode processar seus próprios sentimentos de uma maneira saudável. Mas ao expressar esse pensamento insensível, ela dá a Mizore uma chance de dizer como realmente se sente, resultando em um dos discursos mais catárticos que já pude ver.

Uma história tão simples em sua descrição consegue ser um dos dramas mais multifacetados das ultimas décadas, e continuar a solidificar Yamada como uma das maiores e mais exploradoras diretoras do anime contemporânea. Yamada é um gênio homérico! E Liz está entre os melhores filmes de anime de todos os tempos; é um desmoronamento emocional. É uma obra de arte genuína.

Nota Final: 10 (Obra-prima/Liz and the blue bird)


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