Entendendo Animação e Consistência em Animes

É muito comum encontrar quem diga que uma animação bem-feita é aquela que se mantém consistente a todo momento, com a criação de sakugas impressionantes enquanto o design dos personagens, ou mesmo do próprio ambiente, se mantém intacto, sólido e firme com todos os detalhes bem nítidos. Será mesmo?
 
Definições
Antes de aprofundar no assunto, vamos entender alguns conceitos. Animação nada mais é do que o conjunto de frames por segundos desenhados durante uma certa sequência. De maneira mais didática, é a literal movimentação de algum objeto em cena, seja para uma ação, gesticulação (a chamada atuação) ou realmente qualquer outra coisa neste contexto. Consistência é a “firmeza” pela qual o objeto animado se mantém da mesma forma de quando fora de movimento, sem perder sua substância ou sem se desconfigurar da caracterização inicial. Quando falamos de consistência em animação, normalmente estamos nos referindo sobre o design dos personagens animados, ou seja, o desenho de seus corpos, detalhes físicos e trajais, que às vezes sofrem no processo dos frames animados ao ficarem mal desenhados, destoando daquilo que normalmente representam em uma cena mais estática. 
 
Como dito por definição, é uma simples questão de semântica objetiva: a animação fluída nada mais é do que uma grande quantidade de desenhos por segundo para a movimentação de algum objetivo. Nada tem a ver com a questão que tange se o desenho está ou não bem desenhado, na nossa percepção, em cada momento durante esse processo de movimento. Lembre-se de que o design dos personagens não tem nada a ver com uma animação boa ou ruim. Designs mais simples, na prática, permitem uma animação mais fluída por serem mais fáceis e rápidos de serem desenhados, mesmo que esse não seja o caso em muitas vezes. Pokémon Sun & Moon é um excelente exemplo de anime que mudou sua forma para desenhos muitos mais simples e amigáveis, impulsionando sua animação a partir do momento em que o designs não eram mais angulares.

Mas não se engane. Se neste primeiro momento estamos analisando como traços simples ou mais estilizados e distorcidos são em teoria mais fáceis de se desenhar, não é exatamente a mesma regra que acontece no contexto geral de um projeto de animação. Isto é, não significa que traços estilizados e distorcidos são um trabalho mais fácil de ser realizado. Muito pelo contrário, na verdade. É muito mais fácil fazer um desenho com referências (reais) do que sem referências. É mais fácil criar algo a partir da realidade, com bases teóricas e tradicionalmente sólidas, do que criar algo imaginativo que é estilizado, distorcido e que tem sua própria estrutura. Sintetizar novas articulações e dar vida ao imaginário tende a ser muito mais complicado do que simplesmente dar movimentos para aquilo que se tem referência real.

Ao falar da animação em animes, costuma-se associar sempre que uma animação bem-feita, fluída, é aquela consistente nos personagens, que se mantêm firme o tempo todo, com uma espécie de regra implícita que diz que nenhum tipo de movimentação atípica, como a simplicidade dos desenhos, ou uma maneira mais cartunesca ou maleável para a estética humana (ou do objeto qual seja), possa ocorrer. Porém, isso não é necessariamente verdade

 
Quando a série em anime de Fate Apocrypha estava em lançamento, fiz um texto com temática muito semelhante a essa para evidenciar como uma animação fluida e ao mesmo tempo inconsistente não necessariamente significa uma produção ruim, falta de tempo ou um cronograma apertado, por exemplo, mas sim a influência artística do estilo de um diretor ou de outras pessoas envolvidas – como foi o caso do episódio 22. Durante o artigo, argumentei que existem diretores de estilos artísticos que fogem do mainstream e que são muito característicos ao prezarem por ferramentas e técnicas de animações diversas, que não se prendam simplesmente ao que é consistente e sólido o tempo todo. A essa altura, todos devem conhecer diretores como Masaaki Yuasa, este já popularmente conhecido por possuir um “estilo próprio que faz uso da inconsistência”, isto é, dos personagens mais maleáveis e com designs mais simplistas, que por ventura facilitam o processo de desenhar os frames animados (em movimento), permitindo ainda usar e abusar da animação e da criatividade artística para cenas de ação e movimentações em geral. Esse estilo adotado tem diversas influências exteriores que não se prendem às animações japonesas; Yuasa e seu estúdio Science Saru utilizam animação feita em flash, que tem como característica as imagens mais borradas e animalescas. Não é exatamente inconsistência, mas esse assunto pode ficar para outro momento. Seria correto dizer que um anime do Yuasa é mal animado ou que suas produções sofrem com budget? Definitivamente, este não é o caso. Os trabalhos de animação que o diretor dirige são objetivamente fluidos e tecnicamente impecáveis quando relacionados ao significado do que é uma animação bem-feita (fluida). 
 
Isso não impede, no entanto, que o leitor simplesmente não goste desta forma de animação, do estilo utilizado. Preferir animações que prezam mais pela consistência dos personagens (seus designs) e de toda sua ambientação durante cenas de batalhas é o mais comum para o público em geral. O que é preciso, na verdade, é entender que existem séries que são manifestações artísticas de indivíduos que trabalham da sua própria maneira com uma maior identidade e criatividade visual. 

Você pode contrastar esse ponto com o fato de que algumas series, animes, oferecem uma historia bem rasa e sem muitos atributos a oferecer, mas os animadores ganham designs muito maleáveis e fáceis para que tenham total liberdade; o resultado disso é que ganhamos no quesito diversão de animação (é uma serie par esses fins, de animação, julgar ela por uma historia mais pobre é realmente estranho). Os animadores fazem cada episodio nessas obras à sua maneira, sem se preocupar em aderir a algo já estabelecido. Isso ocorre com Shin-chan, por exemplo, mais especificamente com seus filmes. Não por menos é o berço de animadores como Yuasa e Masami Otsuka (extremamente influente no trabalho de yuasa). Shin-chan, assim como outras series deste gênero de “um anime para animadores brincarem e se desenvolverem“, é um bom lugar para animadores crescerem e, principalmente, para nos podermos acompanhar suas evoluções e influencias. A regra é fazer a coisa divertida. Ser inconsistente é obrigação. 

Nesse tipo de projeto, o encarregado de criar o conceito que será utilizado muito provavelmente sera um animador, pois se trata de um veículo justamente para animação. Em seu Sketchbook de 2018, Yuasa, fala sobre como era realmente difícil desenhar algumas poses quando ele chegava em determinado movimento. Ele tinha que ver e tirar muitas fotos, além de esboçar bastante para tentar formar uma animação que seja mais anatomicamente coerente o possível

Esboços de Masaaki Yuasa

Deve-se aceitar essa diferença antes de sair dizendo que “os animes do diretor X são mal animados/feios porque não gosto do estilo”. Este é o ponto de toda essa reflexão até o momento: é plenamente possível que um anime seja bem animado mesmo não sendo consistente, uma vez que tal característica é dada de propósito bem mais subjetivo e artístico, uma identidade visual que o diretor – quase sempre o responsável pela decisão do estilo de animação – resolve tomar para sua produção. Ou, às vezes, é simplesmente porque com desenhos mais simplistas é mais fácil desenhar movimentos fluídos.

 
Para efeito de curiosidade, e talvez como exemplo mais prático sobre o assunto, quando a equipe do HGS Anime estava discutindo o HGS Awards 2018, na categoria de Melhores Produções de Animações, aconteceu um certo debate acerca de qual anime deveria levar a 1ª colocação. Uma séria dúvida entre escolher Devilman: Crybaby ou Hinamatsuri. O primeiro possuí uma animação extraordinária com o estilo cartunesco, feita com ferramentas digitais em flash da equipe de Yuasa. O segundo é incrivelmente bem animado e ao mesmo tempo consistente, ao se tratar de uma comédia com grandes cenas de ação exacerbadamente fluidas. Qualquer que fosse a decisão, seria satisfatória. Consideramos que uma série era grandiosa devido ao estilo particular de animação e direção, que enchia o anime de identidade visual que ainda corroborava com a mensagem passada, enquanto a outra era o pleno equilíbrio de uma incrível animação cheia de sakugas consistentes em um anime de TV que envolvia ótimas cenas de ação, mesmo se tratando de uma comédia/drama. No fim das contas, Hinamatsuri foi escolhido porque enxergamos que tratava-se desse notório equilíbrio entre a consistência e a fluidez, alocando Devilman para a segunda posição, ainda satisfatória, uma vez que a série já seria alvo de grandes prêmios naquela mesma ocasião. Embora essa decisão seja obviamente muito discutível, ilustra como diferentes modelos e nuances da animação têm relevância e podem ser impecáveis. 
Neste ponto, assumo que o leitor já deve ter se perguntado: Animes bem animados, que também são inconsistentes, são sempre feitos de propósito? Como raios vou saber se uma animação fluida é inconsistente de propósito, ou se é assim por problemas de produção e/ou baixo orçamento? 
 
Sinceramente, a resposta não é tão simples e fácil de alcançar. Para aqueles que assistem anime apenas para o prazer dos 22 minutos, sem nenhum tipo de interesse na produção para além do episódio visto como entretenimento, basta apenas saber quem são os diretores mais famosos que possuem estilos incomuns e que fazem as coisas do jeito fora dos padrões. Isso normalmente cai na boca do público de maneira geral, como já é o caso do Masaaki Yuasa, ainda que a maioria fique sem entender o real motivo de tais criadores fazerem algo tão diferente para alguns gostarem e os considerarem tanto. Porém, para os entusiastas que possuem uma curiosidade mínima para ir atrás de detalhes de produções de séries completas, ou mesmo de episódios específicos, sinais para a resposta da inquietante pergunta começam a surgir.   
 
Como dito, na maioria dos casos, o estilo adotado para uma série vem da forma como o diretor geral, ou de um episódio específico, decide trabalhar, mas isso também nem sempre é assim. Existem casos em que fatores externos, e muitas vezes bem específicos, ditam como serão as coisas. O já citado episódio 22 de Fate Apocypha teve cenas absurdas de animação fluida que misturaram diversos estilos de animação em um único episódio. Decisão do diretor da série, que possui um estilo incomum? Errado. O diretor chefe de animação do episódio, Hakuyu Go, chamou animadores webgeen de diversas partes do mundo para trabalharem no episódio. Explicar o que são os animadores webgeen levaria mais alguns parágrafos, mas no momento basta entender que são jovens animadores que aprenderam a animar com ferramentas totalmente digitais através da internet, sem necessariamente possuírem algum tipo de estudo clássico sobre técnicas de escolas de animação, mas pela plena referência de outros animadores do quais se inspiraram em referencias da internet. Esse episódio de Fate Apocrypha serviu como um “teste experimental” que envolveu vários webgeen que mostraram seu potencial (inclusive em outros episódios, mas com ênfase nesse). O resultado pode não ter agradado aos fãs de Fate, que não esperavam exatamente um festival de sakugas de literalmente diferentes estilos combinados, mas certamente foi um empolgante episódio para todos aqueles que apreciam a arte da animação.
Para contrastar com o que foi dito até agora, é sempre bom lembrar como há vários problemas de produção em séries atuais que fazem a animação decair de uma hora para outra ou tornar-se inconsistente. O próximo exemplo é de um desses casos, para mostrar como também é possível – e relativamente comum – que a inconsistência ocorra justamente por problemas internos e não pela decisão artística de alguém. 
 
Abstendo-me de falar do desastroso One Punch Man 2 como exemplo, Grancrest Senki foi uma série que sofreu com atrasos no processo de produção a partir da segunda metade do seu lançamento, agravando o processo de animação que não pôde ter o devido acabamento em várias das batalhas ao longo do anime. Ainda que bem animado e com boas sakugas em várias sequências, diversos cortes de ação sofreram perceptíveis problemas em decorrência dos atrasos, ocasionando inconsistências no design de personagens, como de fato não ocorriam em outros momentos não atingidos pelos problemas de produção – desconsiderando as cenas em que muitos dos mesmos weebgen de Fate Apocrypha #22 apareceram para colaborar. 

Isso é o contrário do recente anime de Dororo, que a partir do seu episódio 15 – dirigido pelo ilustre Osamu Kobayashi -, começou a modificar seu estilo de animação e direção para a utilização de cenários totalmente desenhados à mão e storyboards bem diferentes do que estavam sendo trabalhados até então. Não faltaram pessoas reclamando sobre “ter acabado a verba do anime” ou da “animação ter ficado ruim”, mesmo que os episódios (principalmente os finais) mostrassem ótimas batalhas animadas para contrariar qualquer argumento de quem não estava por dentro de sua produção. O público geral sempre tenderá a julgar o que parece mais fácil e dentro do “senso comum” ao qual foi direcionado, mas isso nunca definirá o que é ou não uma boa animação ou um estilo de arte. 

Para descobrir que esse anime estava de fato com problema de produção, mais do que apenas desconfiar e perceber a decaída ao longo dos episódios, o leitor precisaria estar antenado em fontes que falam sobre a indústria e sobre os processos de produção: sites focados no tema, como o SakugaBooru, perfis dos seus próprios integrantes, dos animadores que comentam sobre a criação de vários episódios específicos no Twitter e outros inúmeros entusiastas da animação japonesa que pesquisam e sempre estão revelando informações sobre a produção de séries diversas. Basta, então, ficar ligado nos informes e conectar os pontos para saber que certo episódio teve um problema de produção devido a um atraso – e que outro certo episódio, por outro lado, foi magistralmente bem planejado e antecipado, formando uma pérola da animação com o envolvimento de vários talentos, como ocorreu com Boruto episódio 65 ou em vários dos mais recentes episódios de Black Cover.
Com o tempo, consumindo várias séries simultaneamente, além de conteúdos extras advindos de pesquisas e informações dos exemplos citados, passa a ser possível identificar mais facilmente animes que estão com problemas, que estão mal polidos, ou aqueles que na verdade possuem uma mão autoral.

***

Se você gostar do que escrevemos, como este texto, e gostaria que continuássemos escrevendo, por favor, considere colocar um ou dois reais no nosso padrim.
 

É muito comum encontrar quem diga que uma animação bem-feita é aquela que se mantém consistente a todo momento, com a criação de sakugas impressionantes enquanto o design dos personagens, ou mesmo do próprio ambiente, se mantém intacto, sólido e firme com todos os detalhes bem nítidos. Será mesmo?
 
Definições
Antes de aprofundar no assunto, vamos entender alguns conceitos. Animação nada mais é do que o conjunto de frames por segundos desenhados durante uma certa sequência. De maneira mais didática, é a literal movimentação de algum objeto em cena, seja para uma ação, gesticulação (a chamada atuação) ou realmente qualquer outra coisa neste contexto. Consistência é a “firmeza” pela qual o objeto animado se mantém da mesma forma de quando fora de movimento, sem perder sua substância ou sem se desconfigurar da caracterização inicial. Quando falamos de consistência em animação, normalmente estamos nos referindo sobre o design dos personagens animados, ou seja, o desenho de seus corpos, detalhes físicos e trajais, que às vezes sofrem no processo dos frames animados ao ficarem mal desenhados, destoando daquilo que normalmente representam em uma cena mais estática. 
 
Como dito por definição, é uma simples questão de semântica objetiva: a animação fluída nada mais é do que uma grande quantidade de desenhos por segundo para a movimentação de algum objetivo. Nada tem a ver com a questão que tange se o desenho está ou não bem desenhado, na nossa percepção, em cada momento durante esse processo de movimento. Lembre-se de que o design dos personagens não tem nada a ver com uma animação boa ou ruim. Designs mais simples, na prática, permitem uma animação mais fluída por serem mais fáceis e rápidos de serem desenhados, mesmo que esse não seja o caso em muitas vezes. Pokémon Sun & Moon é um excelente exemplo de anime que mudou sua forma para desenhos muitos mais simples e amigáveis, impulsionando sua animação a partir do momento em que o designs não eram mais angulares.

Mas não se engane. Se neste primeiro momento estamos analisando como traços simples ou mais estilizados e distorcidos são em teoria mais fáceis de se desenhar, não é exatamente a mesma regra que acontece no contexto geral de um projeto de animação. Isto é, não significa que traços estilizados e distorcidos são um trabalho mais fácil de ser realizado. Muito pelo contrário, na verdade. É muito mais fácil fazer um desenho com referências (reais) do que sem referências. É mais fácil criar algo a partir da realidade, com bases teóricas e tradicionalmente sólidas, do que criar algo imaginativo que é estilizado, distorcido e que tem sua própria estrutura. Sintetizar novas articulações e dar vida ao imaginário tende a ser muito mais complicado do que simplesmente dar movimentos para aquilo que se tem referência real.

 

Ao falar da animação em animes, costuma-se associar sempre que uma animação bem-feita, fluída, é aquela consistente nos personagens, que se mantêm firme o tempo todo, com uma espécie de regra implícita que diz que nenhum tipo de movimentação atípica, como a simplicidade dos desenhos, ou uma maneira mais cartunesca ou maleável para a estética humana (ou do objeto qual seja), possa ocorrer. Porém, isso não é necessariamente verdade

 
Quando a série em anime de Fate Apocrypha estava em lançamento, fiz um texto com temática muito semelhante a essa para evidenciar como uma animação fluida e ao mesmo tempo inconsistente não necessariamente significa uma produção ruim, falta de tempo ou um cronograma apertado, por exemplo, mas sim a influência artística do estilo de um diretor ou de outras pessoas envolvidas – como foi o caso do episódio 22. Durante o artigo, argumentei que existem diretores de estilos artísticos que fogem do mainstream e que são muito característicos ao prezarem por ferramentas e técnicas de animações diversas, que não se prendam simplesmente ao que é consistente e sólido o tempo todo. A essa altura, todos devem conhecer diretores como Masaaki Yuasa, este já popularmente conhecido por possuir um “estilo próprio que faz uso da inconsistência”, isto é, dos personagens mais maleáveis e com designs mais simplistas, que por ventura facilitam o processo de desenhar os frames animados (em movimento), permitindo ainda usar e abusar da animação e da criatividade artística para cenas de ação e movimentações em geral. Esse estilo adotado tem diversas influências exteriores que não se prendem às animações japonesas; Yuasa e seu estúdio Science Saru utilizam animação feita em flash, que tem como característica as imagens mais borradas e animalescas. Não é exatamente inconsistência, mas esse assunto pode ficar para outro momento. Seria correto dizer que um anime do Yuasa é mal animado ou que suas produções sofrem com budget? Definitivamente, este não é o caso. Os trabalhos de animação que o diretor dirige são objetivamente fluidos e tecnicamente impecáveis quando relacionados ao significado do que é uma animação bem-feita (fluida). 
 
Isso não impede, no entanto, que o leitor simplesmente não goste desta forma de animação, do estilo utilizado. Preferir animações que prezam mais pela consistência dos personagens (seus designs) e de toda sua ambientação durante cenas de batalhas é o mais comum para o público em geral. O que é preciso, na verdade, é entender que existem séries que são manifestações artísticas de indivíduos que trabalham da sua própria maneira com uma maior identidade e criatividade visual. 

 

Você pode contrastar esse ponto com o fato de que algumas series, animes, oferecem uma historia bem rasa e sem muitos atributos a oferecer, mas os animadores ganham designs muito maleáveis e fáceis para que tenham total liberdade; o resultado disso é que ganhamos no quesito diversão de animação (é uma serie par esses fins, de animação, julgar ela por uma historia mais pobre é realmente estranho). Os animadores fazem cada episodio nessas obras à sua maneira, sem se preocupar em aderir a algo já estabelecido. Isso ocorre com Shin-chan, por exemplo, mais especificamente com seus filmes. Não por menos é o berço de animadores como Yuasa e Masami Otsuka (extremamente influente no trabalho de yuasa). Shin-chan, assim como outras series deste gênero de “um anime para animadores brincarem e se desenvolverem“, é um bom lugar para animadores crescerem e, principalmente, para nos podermos acompanhar suas evoluções e influencias. A regra é fazer a coisa divertida. Ser inconsistente é obrigação. 

Nesse tipo de projeto, o encarregado de criar o conceito que será utilizado muito provavelmente sera um animador, pois se trata de um veículo justamente para animação. Em seu Sketchbook de 2018, Yuasa, fala sobre como era realmente difícil desenhar algumas poses quando ele chegava em determinado movimento. Ele tinha que ver e tirar muitas fotos, além de esboçar bastante para tentar formar uma animação que seja mais anatomicamente coerente o possível

Esboços de Masaaki Yuasa

Deve-se aceitar essa diferença antes de sair dizendo que “os animes do diretor X são mal animados/feios porque não gosto do estilo”. Este é o ponto de toda essa reflexão até o momento: é plenamente possível que um anime seja bem animado mesmo não sendo consistente, uma vez que tal característica é dada de propósito bem mais subjetivo e artístico, uma identidade visual que o diretor – quase sempre o responsável pela decisão do estilo de animação – resolve tomar para sua produção. Ou, às vezes, é simplesmente porque com desenhos mais simplistas é mais fácil desenhar movimentos fluídos.

 
Para efeito de curiosidade, e talvez como exemplo mais prático sobre o assunto, quando a equipe do HGS Anime estava discutindo o HGS Awards 2018, na categoria de Melhores Produções de Animações, aconteceu um certo debate acerca de qual anime deveria levar a 1ª colocação. Uma séria dúvida entre escolher Devilman: Crybaby ou Hinamatsuri. O primeiro possuí uma animação extraordinária com o estilo cartunesco, feita com ferramentas digitais em flash da equipe de Yuasa. O segundo é incrivelmente bem animado e ao mesmo tempo consistente, ao se tratar de uma comédia com grandes cenas de ação exacerbadamente fluidas. Qualquer que fosse a decisão, seria satisfatória. Consideramos que uma série era grandiosa devido ao estilo particular de animação e direção, que enchia o anime de identidade visual que ainda corroborava com a mensagem passada, enquanto a outra era o pleno equilíbrio de uma incrível animação cheia de sakugas consistentes em um anime de TV que envolvia ótimas cenas de ação, mesmo se tratando de uma comédia/drama. No fim das contas, Hinamatsuri foi escolhido porque enxergamos que tratava-se desse notório equilíbrio entre a consistência e a fluidez, alocando Devilman para a segunda posição, ainda satisfatória, uma vez que a série já seria alvo de grandes prêmios naquela mesma ocasião. Embora essa decisão seja obviamente muito discutível, ilustra como diferentes modelos e nuances da animação têm relevância e podem ser impecáveis. 
Neste ponto, assumo que o leitor já deve ter se perguntado: Animes bem animados, que também são inconsistentes, são sempre feitos de propósito? Como raios vou saber se uma animação fluida é inconsistente de propósito, ou se é assim por problemas de produção e/ou baixo orçamento? 
 
Sinceramente, a resposta não é tão simples e fácil de alcançar. Para aqueles que assistem anime apenas para o prazer dos 22 minutos, sem nenhum tipo de interesse na produção para além do episódio visto como entretenimento, basta apenas saber quem são os diretores mais famosos que possuem estilos incomuns e que fazem as coisas do jeito fora dos padrões. Isso normalmente cai na boca do público de maneira geral, como já é o caso do Masaaki Yuasa, ainda que a maioria fique sem entender o real motivo de tais criadores fazerem algo tão diferente para alguns gostarem e os considerarem tanto. Porém, para os entusiastas que possuem uma curiosidade mínima para ir atrás de detalhes de produções de séries completas, ou mesmo de episódios específicos, sinais para a resposta da inquietante pergunta começam a surgir.   
 
Como dito, na maioria dos casos, o estilo adotado para uma série vem da forma como o diretor geral, ou de um episódio específico, decide trabalhar, mas isso também nem sempre é assim. Existem casos em que fatores externos, e muitas vezes bem específicos, ditam como serão as coisas. O já citado episódio 22 de Fate Apocypha teve cenas absurdas de animação fluida que misturaram diversos estilos de animação em um único episódio. Decisão do diretor da série, que possui um estilo incomum? Errado. O diretor chefe de animação do episódio, Hakuyu Go, chamou animadores webgeen de diversas partes do mundo para trabalharem no episódio. Explicar o que são os animadores webgeen levaria mais alguns parágrafos, mas no momento basta entender que são jovens animadores que aprenderam a animar com ferramentas totalmente digitais através da internet, sem necessariamente possuírem algum tipo de estudo clássico sobre técnicas de escolas de animação, mas pela plena referência de outros animadores do quais se inspiraram em referencias da internet. Esse episódio de Fate Apocrypha serviu como um “teste experimental” que envolveu vários webgeen que mostraram seu potencial (inclusive em outros episódios, mas com ênfase nesse). O resultado pode não ter agradado aos fãs de Fate, que não esperavam exatamente um festival de sakugas de literalmente diferentes estilos combinados, mas certamente foi um empolgante episódio para todos aqueles que apreciam a arte da animação.
Para contrastar com o que foi dito até agora, é sempre bom lembrar como há vários problemas de produção em séries atuais que fazem a animação decair de uma hora para outra ou tornar-se inconsistente. O próximo exemplo é de um desses casos, para mostrar como também é possível – e relativamente comum – que a inconsistência ocorra justamente por problemas internos e não pela decisão artística de alguém. 
 
Abstendo-me de falar do desastroso One Punch Man 2 como exemplo, Grancrest Senki foi uma série que sofreu com atrasos no processo de produção a partir da segunda metade do seu lançamento, agravando o processo de animação que não pôde ter o devido acabamento em várias das batalhas ao longo do anime. Ainda que bem animado e com boas sakugas em várias sequências, diversos cortes de ação sofreram perceptíveis problemas em decorrência dos atrasos, ocasionando inconsistências no design de personagens, como de fato não ocorriam em outros momentos não atingidos pelos problemas de produção – desconsiderando as cenas em que muitos dos mesmos weebgen de Fate Apocrypha #22 apareceram para colaborar. 

 

Isso é o contrário do recente anime de Dororo, que a partir do seu episódio 15 – dirigido pelo ilustre Osamu Kobayashi -, começou a modificar seu estilo de animação e direção para a utilização de cenários totalmente desenhados à mão e storyboards bem diferentes do que estavam sendo trabalhados até então. Não faltaram pessoas reclamando sobre “ter acabado a verba do anime” ou da “animação ter ficado ruim”, mesmo que os episódios (principalmente os finais) mostrassem ótimas batalhas animadas para contrariar qualquer argumento de quem não estava por dentro de sua produção. O público geral sempre tenderá a julgar o que parece mais fácil e dentro do “senso comum” ao qual foi direcionado, mas isso nunca definirá o que é ou não uma boa animação ou um estilo de arte. 

Para descobrir que esse anime estava de fato com problema de produção, mais do que apenas desconfiar e perceber a decaída ao longo dos episódios, o leitor precisaria estar antenado em fontes que falam sobre a indústria e sobre os processos de produção: sites focados no tema, como o SakugaBooru, perfis dos seus próprios integrantes, dos animadores que comentam sobre a criação de vários episódios específicos no Twitter e outros inúmeros entusiastas da animação japonesa que pesquisam e sempre estão revelando informações sobre a produção de séries diversas. Basta, então, ficar ligado nos informes e conectar os pontos para saber que certo episódio teve um problema de produção devido a um atraso – e que outro certo episódio, por outro lado, foi magistralmente bem planejado e antecipado, formando uma pérola da animação com o envolvimento de vários talentos, como ocorreu com Boruto episódio 65 ou em vários dos mais recentes episódios de Black Cover.
Com o tempo, consumindo várias séries simultaneamente, além de conteúdos extras advindos de pesquisas e informações dos exemplos citados, passa a ser possível identificar mais facilmente animes que estão com problemas, que estão mal polidos, ou aqueles que na verdade possuem uma mão autoral.

 

***

 

Se você gostar do que escrevemos, como este texto, e gostaria que continuássemos escrevendo, por favor, considere colocar um ou dois reais no nosso padrim.