Ao estrear na temporada de inverno de 2022, era um tanto difícil imaginar a repercussão que Sono Bisque Doll wa Koi wo Suru teria dentro da otakusfera, pois durante a sua exibição se tornou não apenas um dos animes mais populares da temporada (e talvez do ano), mas também um dos mais divisivos. Se por um lado a Marin se tornou uma personagem bastante querida por parte do público, por outro houve vários questionamentos a respeito do ecchi presente na obra e a forma como ele era utilizado, fazendo que com nos olhos de algumas pessoas o anime não passasse de um mero produto vazio para “agradar pervertidos”. Apesar de tudo isso, decidi dar uma chance de assisti-lo de mente aberta e com a melhor das intenções (ainda mais por achar a premissa bem interessante), mas ao terminá-lo, infelizmente devo dizer que a minha experiência com a obra ficou bem aquém do que eu esperava.
A primeira falha para mim é a motivação sobre o porquê da Marin querer fazer o cosplay da Shizuku no episódio 2, que me parece bem estranho. E claro que eu não teria problema se a razão dela fosse algo que soasse mais sincero ou honesto, como acontece nos cosplays posteriores que ela decide fazer, com as explicações se restringindo ao personagem ser estiloso como no caso da mahou shoujo, ou por ela achar a personagem fofa, como no caso da súcubo, que mesmo sendo justificativas simples, ainda são convincentes no fim do dia, já que as razões de alguém querer fazer um cosplay de um personagem realmente podem ser as mais diversas ou simples.
Porém, no segundo episódio, a obra não apenas quer insinuar que a Shizuku possui um significado muito maior para a Marin que vai além da mera questão estética, considerando que ela é de uma de suas obras favoritas e tudo mais, mas como se a resposta da Marin para o Gojou quando ele pergunta a razão dela ser tão apaixonada por uma personagem de eroge tivesse sido criada com o único intuito de tentar criar um paralelo com o fato do Gojou gostar de bonecas, o que não faz o menor sentido. Afinal, mesmo eu concordando que todo mundo tem o direito de gostar do que quiser, e que julgar uma pessoa pelos seus gostos não é uma atitude saudável, é muito bizarro achar que as pessoas apreciam bonecas e materiais desse tipo pelos mesmos motivos das pessoas que apreciam conteúdos eróticos ou pornográficos e apenas ignorar qualquer nuance em relação a isso, que soa muito esquisito. Além de aparentar que ela quer fugir do assunto, como se não tivesse um motivo muito plausível para ela amar tanto a Shizuku em si, mesmo a obra vendendo que existe algo muito mais simbólico ou pessoal por trás.
E falando em eroge, hora de falar sobre o ecchi. E vejam… eu particularmente não tenho aversão a ideia de inserir esse tipo de cena, desde que o anime saiba utilizá-las de forma correta, considerando que obras de comédia como Shimoneta e Prion School, por exemplo, possuem diversas cenas de nudez e ainda conseguem ser bastante divertidas, além de diversas outras que utilizam alguma piada de teor sexual e conseguem fazer soar funcional, como o OVA de Kaguya-sama Love is War. Por mais dispensáveis que as cenas sensuais de Sono Bisque sejam, eu acreditava que elas poderiam ser mais aceitáveis se a autora tivesse tido a preocupação de criar alguma função a elas além do mero fanservice gratuito, como a cena da medição, que poderia representar um momento de confiança e intimidade entre a Marin e o Gojou e servir como um ponto de desenvolvimento para o relacionamento deles como um casal caso houvesse uma melhor construção e uma inclusão em outro contexto.
Mas ao invés disso, o que recebemos é uma sequência de reações tão histéricas e forçadas por parte do Gojou que se torna algo bastante constrangedor de se ver ao ponto de eu revirar os meus olhos pela tamanha vergonha alheia que senti durante a cena. Assim como a cena do banho da Inui, que não apenas soa de mal gosto por ela ser uma menor de idade, mas terrivelmente clichê e datada, já que essa piada foi reutilizada tantas vezes por tantos animes que se torna bem previsível e sem graça; ou ainda a cena do Gojou ajustando a roupa da Marin na segunda metade do episódio 5, em que todas as piadas de duplo sentido não complementam absolutamente em nada o tom mais eufórico e leve da primeira parte, ficando totalmente deslocadas e fora do tom que a obra estava passando a momentos atrás, o que talvez tenha sido uma tentativa de criar alguma quebra de expectativa, mas que não funciona tão bem como deveria.
Mesmo que a ideia por trás da cena da súcubo no episódio 11 de demonstrar a Marin e o Gojou descobrindo a atração sexual que sentem um pelo outro seja algo interessante, a execução fica muito a desejar, como se a obra quisesse insinuar que a única forma da Marin sentir tesão no Gojou seria através desse desdobramento bastante específico e exagerado, fazendo a situação não apenas ser um tanto inverossímil, mas também revelando uma certa contradição em relação a essas cenas ecchis que me deixa intrigado, pois, ao mesmo tempo que o anime quer fazer você acreditar que ele é desconstruído e ousado por não ter medo de inserir cenas sensuais e supostamente debater sobre sexo (afinal eles são jovens com os hormônios a flor da pele), toda a base e o núcleo do mesmo em relação à escrita e ao desenvolvimento ainda parece estar preso nessa visão bastante inocente, infantil e quase puritana do amor, ao ponto dele não explorar essa questão da sexualidade de uma forma mais direta ou realmente crível.
Dito isso, ainda acho a Marin uma boa personagem e indubitavelmente o maior ponto forte da série, ela se prova bem divertida, energética, radiante e carismática, tanto pelo quão expressiva ela é, rendendo momentos bem divertidos e agradáveis, quanto por essa paixão e entusiasmo em relação aos animes e ao cosplay soar sempre convincente e sincero, o que acaba fazendo com que o espectador crie um apego por ela com mais facilidade — não foi a toa que ela se tornou tão querida e popular, afinal.
Mas se por um lado a Marin consegue roubar a cena e se destacar positivamente, o mesmo não pode ser dito sobre o Gojou, visto que mesmo os protagonistas de comédias românticas já terem a fama de serem bastante comuns e genéricos, o Gojou ainda sofre para sequer chegar nessa média já baixa devido ao seu vácuo de carisma. Em cenas como no primeiro encontro dele com a Marin, no episódio 3, a química entre os personagens era tão baixa e a interação do Gojou era tão isenta de qualquer dinâmica ou características marcantes ou envolventes que dava a impressão da Marin estar conversando com um manequim ao invés de uma pessoa; no segundo encontro, no episódio 7, mesmo a Marin criando vários bons momentos, o Gojou não parece complementar ou agregar quase nada a cena, fazendo a presença dele ser bem apagada.
Já Inui é uma personagem decente, pois que mesmo ela seguindo esse estereótipo de tsundere padrão, ao menos a composição dela não possui o narcisismo, a arrogância ou a agressividade de personagens como a Eris de Mushoku Tensei, Inui é muito mais tolerável, fora a passagem que revela o motivo dela ter se tornado uma cosplayer ser facilmente um dos momentos mais genuínos e relacionáveis da obra. A Shinju segue o arquétipo de personagem extremamente tímida e insegura que não me agrada muito, e mesmo que a questão envolvendo o cosplay dela tenha sido algo bem legal, isso não impede ela de ser tão ou mais esquecível e apagada que o Gojou, com a maior prova sendo que o episódio em que eles são forçados a interagirem entre si durante a confecção da roupa, o que é equivalente a você misturar um copo d’água com outro copo d’água: se torna algo bem tedioso.
Os destaques do anime geralmente surgem nos momentos em que a autora decide se focar nos sentimentos e dilemas dos personagens transmitindo-os de uma forma tangível, como no episódio 4, que mesmo com alguns atalhos narrativos, é um dos mais consistentes de todo o anime; o episódio explora a insegurança do Gojou em relação a conseguir criar o cosplay dentro do prazo, com a reação da Marin na parte final do episódio sendo bem tocante, agregando ainda mais a composição da personagem.
A primeira metade do episódio 5 é provavelmente a minha parte favorita da série inteira, tanto por focar na alegria e euforia que a Marin sente com a sua primeira experiência como cosplayer, que é bem doce e amável, quanto Gojou percebendo as razões de se apaixonar por essas práticas ser bom. E a cena do festival no episódio final, que apresenta um dos raríssimos momentos em que os sentimentos do Gojou afloram de maneira convincente, com ele se dando conta do quanto a rotina dele mudou após conhecer a Marin e este sentimento de respeito e admiração sendo transmitido através de um momento de puro silêncio e contemplação por parte da direção que é sensível. Outro ponto positivo sem dúvida é a produção que é bastante consistente, com uma boa ênfase nas expressões faciais e de atuação dos personagens a partir da animação, há diversos momentos de muita fluidez, mas também um destaque nos cenários, que junto da fotografia cria ambientes bastante exuberantes. Mas até mesmo nessas cenas, a forma como elas surgem na trama parece um tanto dispersa, como se a autora não conseguisse amarrar e estruturá-las de uma forma para criar um escopo maior em relação à progressão ou desenvolvimento da trama ou deixar o ritmo mais fluído como Kaguya-sama ou Komi-San conseguiram fazer tão bem a sua própria maneira.
Por mais que eu admita que algumas reações a obra tenham sido um tanto desproporcionais, visto que eu não acredito que seja um anime destinado a ser um fracasso desde o início, ou que tenha sido criado unicamente para agradar pervertidos ou coisas do tipo, isso não muda o fato que Sono Bisque acaba devendo em vários âmbitos cruciais para fazer uma obra se tornar realmente envolvente ou marcante como estrutura, escrita, construção de personagens e desenvolvimento. O que é uma pena, pois se a autora tivesse tido mais ambição, esforço e principalmente foco naquilo que ela queria trabalhar dentro da obra, acredito que ele poderia ter sido ao menos uma obra bem divertida de se acompanhar para mim.
Ao invés disso, a autora pareceu cair na tentação de usar um amontoado de clichês do gênero para tentar alcançar o maior apelo comercial possível e atirar para todos os lados para tentar agradar o máximo de pessoas que conseguisse, sem se preocupar muito com a maneira que iria executar isso ou a forma como todos esses elementos iriam se complementar dentro da trama. Por mais que isso tenha dado certo, já que independente da minha opinião a obra se tornou bastante popular, com grandes chances de ganhar uma sequência, além do aumento nas vendas e uma inúmera quantidade de pessoas que tiveram com certeza uma experiência muito mais agradável do que a minha, o preço a ser pago foi ela ter renunciado a tudo aquilo que poderia fazer a obra se tornar mais autêntica e memorável a longo prazo; isso fez com que o resultado, apesar da incrível produção de animação do anime, fosse um tanto básico, esquecível e mais do mesmo narrativamente, infelizmente.
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