Kaguya-sama wa Kokurasetai foi uma obra que sempre tinha chamado a atenção já faz um certo tempo, visto que tanto dentro dos meus círculos de amigos, quanto na própria otakusfera em um geral, ela parecia ter uma reputação bastante sólida.
Conseguindo bastante prestígio e sendo reconhecida como uma das melhores comédias românticas em publicação atualmente. Mas mesmo com isso, eu não apenas não tentei ler o mangá, mas como também não pesquisei mais a fundo a razão de todo esse clamor e apelo da obra. Logo, quando anunciaram uma adaptação em anime (que acabou sendo lançada no ano passado e com uma recém segunda temporada exibida nesse ano de 2020), fui assistir praticamente as cegas, sem saber ao certo o que esperar. E quando terminei de assistir a primeira temporada, eu não apenas entendi o motivo dela ter sido tão aclamada, mas como ela conseguiu superar qualquer expectativa que eu poderia ter a respeito dela. E reforçando isso ainda mais na sua segunda temporada, visto que ele possui elementos bem inesperados que fazem com que ela seja bem mais do que uma mera comédia romântica tradicional.
Por mais que a primeira vista, a proposta não seja nova, visto que a premissa de duas pessoas que se amam, mas que possuem diversas dificuldades e problemas para se declarar e assumir o seu amor já tenha sido abordada diversas vezes, a forma que Kaguya trabalha e transpõe isso é um tanto distinta e bem criativa. É simplesmente muito bom a forma como eles transformaram acontecimentos banais e diversos clichês presentes no gênero e resolveram transformar isso em mind games extremamente dramatizados. Mesmo sendo um dos padrões principais de piadas, nunca soa chato ou enjoativo por ele não apenas ter um grande leque de aspectos ou situações para se trabalhar, mas por eles serem surpreendentemente elaborados e bastante espertos, por mais peculiar que eles sejam.
Houveram certos comentários a respeito do narrador, questionando a sua utilidade na obra. Mas honestamente, ele não me incomodou, visto que uma das grandes intenções de Kaguya é justamente dramatizar esses acontecimentos bem bobos e casuais ao máximo, e fazer os mind games se tornarem anda mais exagerados e cômicos. Ao ponto dele se tornar praticamente não só uma sátira ao gênero da comédia romântica, mas até mesmo uma paródia aos battle shounens, visto que eles também se utilizavam dessa técnica para ampliar a dramatização, como Dragon Ball, por exemplo – não apenas no narrador, mas em outros aspectos como os efeitos de movimento, uso de onomatopeias e outros recursos. E isso não se restringe apenas aos mind games, já que durante toda a obra o autor se esforça para ampliar ainda mais as possibilidades e testar diversos outros estilos diferentes de piadas. Desde bordões, passando por piadas metalinguísticas, ou aproveitando as interações dentre os personagens, ou até mesmo piadas mais sujas, como acontece em um determinado episódio da segunda temporada. Mas tudo isso não apenas é introduzido na narrativa com muita precisão e fluidez, mas como em certos momentos, eles mesclam esses estilos, conseguindo deixar a trama ainda mais versátil e diversificada.
Mas a obra faz questão de mostrar o quanto que a sua educação e a filosofia da sua família acabaram a afetando não só na sua forma de agir, mas também mostrando o quão vazia e solitária a rotina dela é, e o quão prejudicial isso se torna para ela. Isso a torna uma personagem bem mais complexa do que se aparenta a princípio. A Chika também consegue ser uma bela personagem, servindo de contraponto para o Shirogane e a Kaguya, conseguindo servir como uma boa quebra de expectativa na trama. Tanto pela sua personalidade ingênua, quanto atrapalhando os mind games de forma involuntária com suas atitudes diretas e imprevisíveis, que consegue variar e subverter ainda mais o leque de piadas. Assim como a introdução da Iino na segunda temporada, com a sua personalidade muito mais rígida, e um tanto inflexível. Ou então a Hayasaka, que consegue criar um contraste muito peculiar interagindo com a Kaguya, o que resulta em cenas simplesmente hilárias. E o Ishigami, que não só consegue ser um dos personagens mais carismáticos da obra, mas como ele também consegue ter um dos desenvolvimentos mais notáveis e memoráveis até aqui.
Ainda há muitras outras cenas mais emotivas ou tocantes, como nos episódios em que mostram toda a tristeza e a frustração da Kaguya causada pela sua solidão. E até mesmo momentos como o episódio que explora o passado do Ishigami, que possui um tom denso, pesado e sombrio. Não só pelo conflito que é mostrado, algo tão revoltante, que chega a ser nojento e repulsivo, mas também pela própria direção do Omata que amplifica tudo isso e retrata o inferno mental do Ishigami de uma forma tão angustiante, sufocante, e claustrofóbica, tornando o episódio até um pouco desconfortável de assistir de tão tenso que ele é. Isso é algo que honestamente nunca pensaria em ver em uma obra de comédia romântica, especialmente com esse nível de execução. Há muitos outros momentos em que o Omata recorre a cenas ou takes com um aspecto bem mais sóbrio e introspectivo, fora toda a questão de design e animação, que faz jus a tudo isso, e permite que as cenas se tornem ainda mais belas. Realmente, um trabalho bem acima da média.