Komi-san wa, Komyushou desu e a constante luta para socializar

Sendo a adaptação de um mangá lançado em 2016, Komi-san wa, Comyushou desu acabou estreando na temporada de outono de 2021 em meio a bastante expectativa, ainda mais pela obra ter conseguido se tornar bem popular na internet, ao ponto de diversas pessoas terem desejado ver o mangá animado, mesmo com um intervalo de tempo bem considerável para que o anime finalmente encontrasse a luz do dia. Apesar de conhecer a obra de nome, nunca me dispus a ler a obra ou saber qual era a razão dela ter se tornado tão popular, a única informação concreta que eu sabia a respeito é de que era uma comédia romântica.

Ao terminar de assistir ao anime, tenho que admitir que Komi-san se provou como uma obra positivamente surpreendente — mesmo a premissa aparentando ser básica, com o típico garoto comum que se depara com uma garota incrivelmente bela e um relacionamento floresce a partir disso, a série consegue ter a habilidade de se transformar isso em algo bem mais intrigante do que outras obras de seu gênero.

O primeiro destaque é justamente a protagonista, a Komi-san, que possui uma caracterização que me pegou de surpresa; por mais que pelo título da obra eu já imaginasse que a personagem teria uma postura mais tímida e retraída, é como se o autor tivesse pegado esses aspectos para os elevar à décima potência, fazendo ela ser tão inacreditavelmente inexpressiva, o que faz ela ter uma identidade própria em comparação a qualquer outra que segue esse arquétipo. Mesmo que a composição da personagem beire a caricatura, e várias piadas sejam criadas a partir disso, não há nada que a impeça de ser bastante humanizada. Há várias decisões narrativas que acabam acrescentando camadas a ela, tornando-a uma personagem muito mais bem construída do que se esperaria.

Como no primeiro episódio, indubitavelmente uma das melhores estreias que eu vi em qualquer anime em 2021, que não só mostra o absurdo contraste da forma como as pessoas da escola enxergam e imaginam a Komi e quem ela realmente é, mas também o seu grande desabafo em relação ao seu distúrbio de comunicação e do quanto isto a privou por completo de ter uma vida social — somado a grande leva de incertezas e preocupações que continua a manter ela na mesma situação. Há uma série de passagens bem intensas e relacionáveis, reforçado ainda mais pelos gestos e movimentos corporais que ela expressa enquanto escreve na lousa, demostrando o quanto tudo isto a afeta através de uma retratação sutil e sensível. Isso faz com que a cena se torne incrivelmente tocante e até mesmo dolorosa, especialmente para pessoas que passaram ou ainda passam por esse tipo de dificuldade. Isso faz com que o espectador tenha empatia devido a essa situação que ela se encontra, a obra demonstra como situações simples ou até mesmo banais (para a maioria das pessoas) representam algo muito mais significativo para a Komi-san. O anime faz com que o espectador comemore cada mínimo avanço que ela conquista enquanto enfrenta esse problema, demonstrando que o fato de algumas pessoas não conseguirem expressar seus sentimentos, não significa que elas não possuem sentimentos guardados dentro de si, tal como a recorrente frase citada pela narradora em todo o início de episódio. 

Outros personagens também acabam agregando a trama, como o Tadano, que por mais que não seja muito diferente de diversos outros protagonistas de comédias românticas — bondoso e cheio de boas intenções, mas um tanto inseguro, passivo e comum —, o que faz ele se destacar é a forma e contexto em que ele está inserido, já que considerando que o grande tema central de Komi-san gira em torno de pessoas com problemas de socialização, o Tadano também consegue complementar essa temática pela questão de que mesmo que ele consiga se expressar melhor do que a Komi, ainda é tratado como um completo perdedor ou desprezado por vários colegas de sua escola; isso traz novamente as temáticas de isolamento social ou a falta de entendimento e comunicação entre as pessoas que o deixam nessa situação, sendo um exemplo de como um clichê pode se tornar algo positivo desde que você saiba utilizá-lo da forma devida. Há ainda a Najimi, o completo oposto deles dois: incrivelmente extrovertida, brincalhona, enérgica e totalmente despida de qualquer timidez que serve como a personagem que leva tanto a Komi quanto o Tadano para fora das suas zonas de conforto, fazendo com que eles se interajam com outras pessoas e se tornem mais sociáveis e menos tímidos. E não a toa que eles três são o grande ponto alto de toda a série, possuindo bastante química entre si e fazendo com que os momentos de interações entre eles sejam bastante agradáveis, cativantes e divertidos durante toda a sua exibição.

A produção do anime também é um destaque. Mesmo não sendo tão ambiciosa como a de Kaguya-sama: Love is War, que continha varias sequências de animação fluída, a maneira como a direção monta e compõe as cenas são bastante criativas. Desde da forma como mescla cenas de flashbacks em pontos específicos dos próprios cenários, os designs que soam simples, mas bastante divertidos e agradáveis, diversos quadros estilizados em momentos mais cômicos; até mesmo a forma como parecem recriar o estilo de mangá mesmo sendo uma adaptação audiovisual, com a presença constante de quadros ou balões de fala, que não apenas cria uma identidade visual muito bacana, mas acaba mesclando muito bem com a proposta da obra, já que é através deles que se tem acesso aos verdadeiros sentimentos e reações da Komi, provando-se um trabalho bem minucioso e muito acertado por parte da equipe de produção, tanto nos momentos cômicos, quanto nos momentos mais sentimentais.

Mas é claro que nem tudo é perfeito e existem certos pontos baixos no anime, especialmente no que se refere aos personagens secundários. Alguns como a Kaede, a Makeru ou a Nakanaka, são um tanto esquecíveis ou não tão bem aproveitadas como se poderia, mesmo possuindo algumas piadas legais as envolvendo aqui e ali. Em outros casos, alguns personagens são bem irritantes, como a Agari, pois ainda que eu ache muito interessante a ideia de trabalhar uma personagem com problemas de ansiedade, a maneira como isso é executado não é boa, considerando que esse tom caricato dela não funciona bem e só parece forçado e incômodo. Isso é piorado ainda mais com a piada recorrente dela se considerar a “cachorrinha” da Komi, pois além de ser sem graça, é um tanto estranho, já que eu não sei de que maneira o fato de alguém ter ansiedade se correlaciona com ela ser pervertida dessa forma. Talvez possa ter sido uma forma de referenciar a baixo auto estima e a possível postura de auto depreciação que essas pessoas têm devido ao transtorno? Ou apenas uma piada sexual aleatória? Seja qual for a razão, não soa bom de nenhuma forma. 

Porém, sem dúvidas, o pior defeito de Komi-san reside na Ren, não apenas a pior personagem, mas também quem protagoniza o episódio 4, o pior de toda a série. Ela não é só uma personagem falsa e ardilosa, mas também psicótica e obsessiva com essa atitude abusiva de querer não só afastar as pessoas da Komi, a fim de tomá-la apenas para si, mas até ameaçando as pessoas próximas para conseguir isso. Quando se considera que a mensagem que a obra quer passar é a de que “todo mundo pode ser aceito da forma como é”, essas cenas se tornam incrivelmente desconfortáveis.

O autor do mangá teve a imprudência de achar que alguém com essa postura possessiva, que coloca em risco a integridade física e mental de terceiros, está no mesmo patamar de pessoas com fobia social e ansiedade, tendo uma postura bastante condescendente no final do episódio quatro, com a Komi aceitando a amizade da Ren, mesmo com ela deixando claro que o seu pedido de desculpas era algo completamente falso e não se arrependendo da sua postura totalmente tóxica e prejudicial, e sem demonstrar nenhuma tentativa de mudar ou repensar essa postura no futuro. Isso faz com que esse episódio seja um grande desserviço bem difícil de ser ignorado. Por mais que eu acredite que a intenção do autor não tenha sido a de passar pano para relacionamento abusivo, mas apenas tentar fazer “algo engraçado”, não muda o fato de que existem obras como Sayonara Zetsubou Sensei e Baka To Test que fazem piadas com esse tipo de personagem de uma forma bem mais responsável do que aconteceu aqui, mostrando que faltou um certo tato para ele perceber o quão infeliz foi esse desfecho. Mesmo a personagem não cometendo nenhuma atitude tão bizarra nos episódios posteriores, ela ainda continua como uma personagem bastante chata, incômoda e sem nenhum pingo de carisma, cuja única qualidade foi não ter tido muito tempo de tela.

Felizmente, essas falhas não são o suficiente para anular todo o mérito do conjunto, já que no fim do dia o anime de Komi-san se prova facilmente como uma das comédias românticas mais autênticas que eu vi em um longo tempo ao lado de Kaguya-sama. Principalmente se considerar que mesmo o anime não renunciando a certas convenções e clichês do gênero, ao invés de tentar narrar uma história de romance, a série parece estar muito mais focada em mostrar a constante luta de uma personagem em ser mais sociável e experimentando novas experiências que foram privadas dela devido a isso. A última cena do anime fala que a obra é dedicada a todas as pessoas que sofrem de insegurança ou sentem dificuldade em se comunicar ou se socializar com os demais e, em grande parte, o autor consegue executar isso com maestria, transmitindo essa mensagem de uma forma bastante honesta, sincera e até mesmo emocionante em certos momentos, mas sem deixar o humor de lado. É bem difícil terminar o anime sem um sentimento bem caloroso e a esperança de que assim como a Komi, o espectador também pode conseguir criar um laço ou conexão real com alguém. E essa mensagem final deixa claro o porquê da obra ter se tornado tão querida e tão popular durante o seu lançamento.


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