Uma Musume Road To The Top e o prelúdio para o sucesso

Hora de falar dos mais recentes OVAS da franquia Uma Musume lançados em 2023. Honestamente, eu nem esperava que faria uma review sobre eles, pois considerando a fama que geralmente possuem, achava que estes episódios seriam apenas um extra ou fanservice para servir de aperitivo para o prato principal, que seria a terceira temporada que estreou em 2023 deste mesmo ano. Principalmente por serem publicados no canal do YouTube da franquia. No fim, os OVAS se provaram bem mais do que meros extras descartáveis, aparentando ser um prelúdio de mais um importante passo artístico na franquia.

O primeiro ponto a ressaltar é a abordagem da série de fazer com que as 3 protagonistas centrais do OVA estejam interligadas por uma mesma temática. Cada uma mostra uma diferente perspectiva sobre este mesmo tema, que no caso, é a grande pressão imposta a elas devido à necessidade que sentem de cumprir as expectativas criadas ao seu redor por outras pessoas ou fatores.

A Narita se torna a personagem mais bem desenvolvida e a que melhor consegue sintetizar este drama de forma mais concisa dentro deste arco. Por mais que a sua personalidade a primeira vista não fuja muito do típico arquétipo de garota determinada e motivada, tão habitual neste tipo de obra, existem elementos e detalhes na composição que faz ela gradualmente se destacar e se tornar muito mais interessante. Especialmente pelo anime mostrar que mesmo ela sendo uma personagem verdadeiramente esforçada, seu comportamento otimista e alegre também se deve por esta constante necessidade de cumprir as expectativas de seu treinador e seus fãs. Ela se esforça para criar esta imagem de pessoa inabalável em prol deles, mesmo possuindo momentos de insegurança e nervosismo durante a série, que humaniza bastante a personagem. 

A Opera-O é uma personagem que, mesmo sendo a menos desenvolvida das 3, compensa por ter a personalidade mais excêntrica e extrovertida do trio. O anime em partes insinua que muito da motivação para ela correr e vencer vem de uma necessidade de validação por parte do público em reconhecê-la como uma campeã. Isso infelizmente não foi tão bem aprofundado devido ao tempo curto dos OVAs, mas ainda faz dela um personagem no mínimo intrigante. De qualquer forma, o grande destaque vai para a Ayabe, personagem cuja construção é indubitavelmente o momento mais pesado, sombrio e depressivo que Uma Musume já entregou em toda a franquia até o momento. 

É revelado que a razão dela correr e ser uma campeã se resume a querer tentar compensar o fato de ter sobrevivido no lugar da sua falecida irmã gêmea. Sua motivação não vem pelo amor ao esporte ou à admiração a alguém como ocorreu em temporadas anteriores, mas sim, de um trauma. Toda essa situação se agrava ainda mais quando, mesmo vencendo as corridas, ela não recebe nenhuma compensação ou alívio para o seu estado mental. Na verdade, piora a sua condição ainda mais, ao ponto dela usar o esporte nada mais como uma forma de forçar o seu corpo até o limite como um método de autoflagelação, alimentado por uma postura totalmente autodestrutiva por parte da personagem. 

Ver Uma Musume comentando sobre um assunto tão delicado e espinhoso como este é algo que eu nunca sequer imaginaria que acontecesse. Ainda mais pela série conseguir se sair muito bem em desenvolver e retratar essa trágica condição da Ayabe de uma forma bem eficaz e acertada. Este declínio da personagem é mostrado por meio de detalhes e frases bem sutis e contidos, longe do tom caricato ou melodramático que outras obras assumem. Tanto que a única falha foi a resolução do seu arco ter sido bem apressada, novamente pelo tempo ter sido provavelmente bem curto, mas, mesmo assim, não deixa de ser algo bem surpreendente e ousado para a franquia. 

E como resultado, todo estes conflitos também acabam tendo um impacto direto no tom e no clima da série. Este arco é sem dúvidas o mais sóbrio de toda a franquia. Seja pela quantidade de piadas ou alívios cômicos ter sido bastante restrita, quanto por todas as construções das personagens entregarem um clima muito mais tenso, melancólico e introspectivo para as corridas. Se nas temporadas anteriores o foco era fazer você torcer e vibrar para uma personagem em específico e sua vitória, aqui o ponto é convencer que nenhuma das 3 merece perder. Como resultado, não é nem sequer possível comemorar por muito tempo, pois independente de quem será a vencedora, o impacto da derrota atingirá a autoestima e o psicológico das outras duas de uma forma bem intensa. Principalmente no caso da Narita, que além de ser a que mais sofre com as derrotas, tem sua condição agravada com as vitórias da Ayabe, intensificando ainda mais o impacto dos clímaces emocionais do arco. 

E quanto a produção, ela continua tão boa quanto nunca. Não apenas pelas corridas continuarem tão intensas e explosivas como de costume, contando com sequências de animação de tirar o fôlego, jogos de câmera dinâmicos e afiados e notáveis trilhas sonoras, mas novamente pela direção no geral conseguir a proeza de continuar fazendo esta transição para um tom mais reflexivo de uma forma bem inspirada. O anime conta com uma abordagem mais contida com atenções a expressões corporais e faciais e composições de cenas belíssimas e poderosas que conseguem transmitir muito bem o sentimento e estado das personagens de forma bem inspirada e deixando o espectador totalmente imerso nesta atmosfera mais melancólica e sóbria do arco. 

No fim, estes OVAS foram basicamente tudo o que eu queria da franquia no momento. Mesmo amando a segunda temporada do anime, admito que fiquei com medo que a produção do anime apenas tentasse repetir a mesma fórmula lá usada, reciclando os conflitos das lesões e podendo deixar a série estagnada. Felizmente, mostraram que não apenas continuam com a liberdade criativa para fazerem o que bem entenderem, como também não se acomodaram em entregar apenas o mais do mesmo, mantendo a franquia surpreendente e refrescante. Eu nem sei mais o que esperar da terceira temporada, já que este arco é como se fosse um passo ainda mais fundo no tom emocional e dramático criado na segunda. Isso sem contar que mesmo sendo um material extra, a qualidade ainda continua algo para se ressaltar, pois a produção continua ótima. As personagens continuam cativantes. A escrita continua sólida. E a coesão temática que também é algo digno de nota. As maiores falhas dos OVAS se resumem basicamente a falta de tempo de explorar estes assuntos e temas de forma mais elaborada ou de refinar certos aspectos, como a redenção da Ayabe. No entanto, mesmo com isso, não deixou de ser um arco arriscado e fascinante para a franquia e que me deixou ainda mais animado e ansioso para a terceira temporada.