Boku no Kokoro no Yabai Yatsu e as malucas fantasias criadas pelo amor

Sendo mais uma adaptação de comédia romântica da temporada de primavera de 2023, tenho que admitir que Boku no Kokoro no Yabai Yatsu era uma obra que inicialmente eu não pretendia ver, visto que o seu episódio de estreia me surpreendeu da maneira errada, devido a introdução do protagonista ter sido bem esquisita e não muito agradável. Mas indo contra todas as expectativas (ou não), ele não só se tornou consideravelmente popular, mas também conseguiu uma boa recepção por parte do nicho em um geral, inclusive de certos amigos próximos a mim. Então… Talvez poderia ter a possibilidade de eu ter perdido algo ou a obra ter tido alguma virada que mudasse a minha opinião de alguma forma. E após assisti-lo, eu devo dizer que por mais que ele tenha sido melhor do que pensava, isso não significa que eu tenha achado boa o suficiente pra ser uma obra acima da média ou algo do tipo.

E o primeiro ponto a ressaltar é o Ichikawa, que vide o seu comportamento e as estranhas fantasias que nos é mostrado no primeiro episódio, você esperaria que a autora desse uma ênfase maior na razão dele agir dessa forma ou na sua instável psique e trabalhar um desenvolvimento não apenas romântico, mas também pessoal, com ele gradualmente revendo esses pensamentos e amadurecendo como pessoa. E por mais que exista cenas que consigam em partes evocar isso, uma boa parte do potencial é minado pela obra fazer questão de mostrar que independente dessas inusitadas atitudes que o Ichikawa tem, no fundo ele é um garoto bem bondoso, gentil e gente fina, que só precisaria ser mais honesto consigo mesmo e etc. Não permitindo um grande espaço para um arco de personagem mais profundo ou elaborado como poderia, mesmo ele sendo o grande foco narrativo do anime e a obra fazendo questão de jogar algumas informações insinuando que teria algo a mais nesse quesito, como ele já ter tido amigos e a conversa com esse protagonista imaginário que aparece na parte final da série.

E um outro aspecto a se destacar é o quanto o anime inteiro é sustentado quase que inteiramente pelo casal principal, com os personagens secundários quase não tendo relevância alguma aqui. E isso não é algo necessariamente ruim, já que existem animes e mangás de romances que conseguem ser ótimos seguindo essa mesma abordagem, mas o problema é que eu não acho que a Anna e o Ichikawa sejam tão interessantes ou carismáticos ao ponto de conseguirem carregar uma obra inteira dessa forma apenas por eles mesmos.

Ambos não possuem uma construção muito interessante, assim como a relação entre eles não parece ter uma grande dinâmica ou química super envolvente, considerando que uma boa parte deste relacionamento é focada em um romance platônico por parte do Ichikawa durante o inicio da série ou uma progressão para fazer eles se destacarem em comparação aos casais de diversas outras obras do gênero por aí afora, com muitas das cenas seguindo os típicos clichês e padrões que estamos habituados a ver. Mesmo não sendo horrível e tendo algumas cenas fofas e adoráveis aqui e ali, dá a sensação de alguns episódios serem apenas um espaço vazio, sem muita coisa a acrescentar na composição ou desenvolvimento de ambos, que sem algum outro personagem ou conflito para criar algum contraste, se torna algo um tanto previsível e estagnado, muito também pela comédia ser bem plana e básica, não causando uma grande impressão em boa parte do tempo.

Tanto que a maior ênfase que eu posso dar em relação ao enredo é quando a obra entrega momentos em que o Ichikawa começa a descobrir os seus sentimentos pela Anna e repensar certas atitudes que são genuinamente convincentes e até emocionantes. Como o Ichikawa descobrindo que está apaixonado pela Anna no episódio 3, a cena do aperto de mão da biblioteca no episódio 6, o Ichikawa percebendo o seu equivoco sobre a Anna no final do episódio 9, a cena final do encontro no episódio 10 e, principalmente, a última cena do episódio final, com o Ichikawa admitindo que todo o comportamento edgy que ele assumiu durante a obra era um mecanismo de defesa para negar que o que ele mais queria era uma relação como a que ele conquistou com a Anna. Admito que foi uma cena bem inspirada e disparada a minha favorita de toda a obra, encerrando o anime de uma forma bem positiva. Inclusive, eu gostaria de ter visto cenas como essas aparecendo com mais frequência durante a trama.

E a produção foi bem boa. Eu gostei pacas de como houve um cuidado extra em relação a design, iluminação, fotografia e acabamentos de cenários e certas composições de cenas que fazem o anime ser visualmente bem bonito e consistente. A direção com certeza é sólida, tendo escolhas bem inspiradas que criam ótimas cenas nos pontos mais cruciais e sentimentais da trama. E a trilha sonora que mesmo estando longe de ser um dos melhores trabalhos do Kensuke Ushio, visto que ela não é tão experimental ou criativa quanto a de Liz To Aoi Sora, Heike Monogatari, Tengoku Daimakyou ou até mesmo Chainsaw Man, consegue ter seus momentos, seja com faixas de pianos com boas progressões de acordes ou com os típicos loopings e faixas ambientes que mesmo não sendo algo tão presente aqui, se tornam destaques quando aparecem, provando que mesmo uma das trilhas mais fracas do Ushio consegue ter qualidade o suficiente de estar acima do padrão de outras trilhas sonoras genéricas ou tradicionais do gênero, sendo muito superior a trilha de Yamada-kun, por exemplo.

Então o veredito é que Boku no Kokoro foi nada mal. Há cenas que eu admito que funcionam muito bem e conseguem até mesmo fazer você se conectar ao Ichikawa e torcer para ele continuar evoluindo como personagem, o que eu considero um lucro, já que visto a impressão inicial, eu esperaria algo infinitamente pior, mas por outro lado, eu mantenho a minha opinião de que a afirmação feita por certas pessoas de que ele seria o novo Watamote foi algo equivocado. Afinal, o Ichikawa não é nem de perto um personagem tão memorável, carismático e divertido quanto a Tomoko. A comédia não é funcional ou afiada quanto lá e toda essa questão do comportamento antissocial e estranho do Ichikawa poderia ter sido muito melhor explorado, ao meu ver. O que é uma pena, pois em vários momentos, a autora parecia querer seguir por uma caminho mais subversivo e menos convencional trazendo um tom mais sexual não apenas nas piadas, mas na forma como o Ichikawa lida com as suas emoções em relação a Anna, além da sua suposta instabilidade mental, mas a autora nunca vai além da superfície em trabalhar isso, porque provavelmente ela saberia que se tivesse que explorar a fundo esses temas, a reação de algumas pessoas poderia não ser tão positiva assim. Mas novamente, ele foi bem decente e pra quem é grande fã de comédias românticas, provavelmente irá curtir muito mais do que eu.


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