O sarcástico mundo corrupto de Akiba Maid War

Akiba Maid War foi um anime que levou menos de 1 minuto para me deixar boquiaberto, é um anime que desde o início é meio difícil de saber o que esperar porque eles sempre tem um coelho para tirar da cartola…ou um porco. É um anime extremamente desinibido, uma paródia de histórias de máfia (em especial as japonesas, claro), uma homenagem a Akihabara e uma forte leitura socioeconômica de um sistema fictício que talvez não seja tão fictício assim. É um anime com bastante inspiração em diretores de cinema como Quentin Tarantino, revestindo a narrativa de um humor ácido e sarcástico que, em momento algum, deixa de existir. O bizarro é o normal aqui, e quando se junta isso com todas as outras características que eu citei antes, você gera uma obra peculiar demais para cair no gosto de qualquer um. É importante entender, no entanto, que há mensagens muito bem apresentadas por trás de toda a loucura, violência e sarcasmo que a obra demonstra.

Eu particularmente gosto muito de humor nonsense, que não chega a ser bem o caso de Akiba Maid War, mas a obra tem um tom de humor similar por ambos lidarem com o extremo, cada um da sua maneira. Então esse foi meio caminho andado para as piadas funcionarem comigo, e funcionaram bastante, me via constantemente me divertindo em todo episódio. Digo isso pois se o humor do anime não for do tipo que lhe agrada, ficará bem mais difícil ter uma experiência agradável com ele. É um anime que nunca se leva a sério, até quando está se levando a sério. Muitas vezes a graça está na imoralidade da situação ou no inesperado, que são dois fatores muito comumente explorados por comediantes profissionais. Psicologicamente falando, o choque e a surpresa são dois dos fatores que mais conseguem despir nossas emoções e o timing cômico do anime é impecável. Fora que a produção é muito boa, posso estar enganado, mas parece que as produções da Cygames não decepcionarão em termos de animação e direção. Em alguns momentos o anime é visualmente incrível, mas mesmo quando não é, ele é consistentemente bom. Tem algumas sequências de ação que são especialmente deslumbrantes, embora sejam raras. Claro, em uma obra semi-insana como essa, ter uma direção que consiga deixar tudo muito bem apresentado é ideal e a direção do anime consegue ser bem pontual mesmo além do timing cômico.

Vale dizer que Akiba Maid War é uma série extremamente violenta…embora o anime te impeça de levar qualquer cena a sério, na grande maioria dos casos. Apesar disso, a violência da obra não é tão gráfica assim…salvo uma cena em específico que até me lembrou uma cena do final do filme “Cidade de Deus“. Na verdade, a violência em si faz parte do humor da obra, que por sua vez faz parte de toda uma crítica ao tópico principal que ele aborda. Muito do que torna Akiba Maid War funcional é o seu cast de personagens, pois apesar de toda a criatividade e comédia, algumas peças dessa história são motores fundamentais para que as coisas façam sentido no final. A protagonista, Nagomi, por exemplo, cumpre uma função que eu sempre acho bem interessante quando eu vejo, que é a de colocar um(a) protagonista moralmente pura em um universo moralmente corrupto, criando assim um conflito ideológico muito mais incisivo. Ela talvez seja a personagem mais bem escrita do anime, muito embora tenha o tipo de personalidade menos atraente para o público, e isso fica muito mais notável quando olhamos o anime como um todo: há um desenvolvimento muito visível da personagem ao longo dos episódios, porque é refletido no seu comportamento e nas suas ações (ou falta delas).

A trama é muito interessante, quando você consegue ver sobre o que realmente se trata e isso pode ser um problema. Até o episódio 8, o anime é um pouco confuso e até mesmo episódico, na maior parte do tempo. Não parece ter rumo, tampouco muita conexão dos eventos. Essa foi uma escolha narrativa muito arriscada, pois hoje em dia é fácil para as pessoas perderem o interesse na obra ou até adotar uma perspectiva mais negativa que influencie sua avaliação da mesma. E eu digo “escolha”, porque, de fato, foi proposital. No episódio 9 o anime mostra sua verdadeira face e, então, todos os outros 8 episódios são ressignificados, o que também coloca um peso enorme nos 3 episódios finais. Mas, embora em alguns momentos Akiba Maid War pareceu que não conseguiria fechar o seu ciclo narrativo com sucesso, ele ainda sim conseguiu esse feito e se demonstrou ser uma série bem completa. Os momentos finais ainda são meio questionáveis se eram necessários e alguns episódios acabaram sendo um tanto desinteressantes por mais que tivessem sua relevância na narrativa, além de boa parte do cast de personagens terminarem sem uma construção devida, mas o anime cumpriu com o seu propósito. Se o tipo de humor ou a violência não forem empecilhos para você, acredito valer a pena dar uma chance para Akiba Maid War!

Dito isso, a partir de agora vou precisar citar eventos importantes da trama para fazer uma leitura mais profunda, então se não quiser tomar spoilers, e eu recomendo que você assista ao anime primeiro antes de continuar lendo, pare o texto por aqui!

Até o episódio 8, definir Akiba Maid War inevitavelmente tenderia a suas loucuras e sua comédia ácida. A Nagomi era a personagem ingênua que nada fazia (exceto no final do arco da Crimson Supernova), a Ranko era a personagem implacável que resolvia (quase) toda situação e o anime seguia nessa sem revelar suas cartas. O episódio do festival (9) ampliou essa perspectiva simplória quando, de fato, deu nome aos bois. O grande vilão da obra, o tal do “ecossistema” de Akihabara, era a peça que faltava para a narrativa ter um norte. Toda a construção desse episódio é no ponto certo, do início com a explicação sobre como o ambiente socioeconômico funcionava ali, onde quem está no topo da pirâmide controla quem está em baixo e quem está no fundo é totalmente marginalizado. Quem está no meio busca sobreviver usufruindo dos contatos certos, dinheiro de suborno ou trabalhos ilícitos e todo mundo parece dar isso como normal. Até que, no meio do episódio, após as garotas serem agredidas sem poderem reagir, começam a questionar esse ecossistema, parafraseando: “somos muito qualificadas (como maids), então porque temos que passar por isso?” e culmina com o final do episódio onde revelam que o festival é totalmente manipulado para que ganhe aqueles que quem está no topo quer que ganhe.

A cena da fila é muito representativa, o tiro de largada é dado, só que as representantes de cada café dão a largada em tempos predeterminados para dar vantagens a quem está mais no topo da pirâmide. Não vendo lógica nisso, as protagonistas decidem furar a fila e irritam as outras empregadas que são coniventes com o sistema e querem forçá-lo aos outros, mesmo elas também sendo parte de quem está sendo prejudicado por quem está no topo. O café das protagonistas vencer significava essencialmente que elas seriam caçadas pelo topo da pirâmide, em prol de manter o status quo. E é sobre isso que Akiba Maid War fala desde o começo, sobre quebrar o status quo, sobre buscar o que é ideal para você e não o que querem te forçar a ter (ou não ter) e sobre consciência de classe, esse ponto sendo um fator decisivo para a ótima conclusão do anime. A Nagi personifica o que é o ecossistema de Akiba Maid War, a busca pelo topo através da violência, de passar por cima dos outros para ter dominância e controlar aqueles que estão abaixo através do medo, da escassez e da dependência para conseguir se perpetuar no poder.

O ecossistema de Akiba Maid War é viciado, a resposta é sempre a violência e a demonstração mais exemplar disso está na grande revelação de que Okachimachi, o panda, é a empregada que matou a chefe da Ranko no passado. A Ranko evita o caminho da vingança sob clara influência da persona da Nagomi, mas isso ocasiona na Okachimachi matando o interesse romântico dela por achar que ele mataria a Ranko, sendo que não era o caso. E isso aconteceu também pelas violências que ele cometeu no passado. Da mesma forma, isso também ocorreu com a própria Ranko, no penúltimo episódio. Todo mundo foi sujeitado a essa mentalidade violenta, enquanto quem está no topo está tranquila na sua posição, tal qual a ironia do seu nome, Nagi (凪), significar “calma”/”calmaria”, em um ecossistema regado de violência pura. A Nagomi personifica a quebra do status quo, por isso, após a morte da Nerula, ela sempre visava evitar a violência a qualquer custo. Mas ela, tal qual aconteceu com possivelmente a maioria das empregadas daquele universo, quase foi corrompida pelas tragédias que a assolaram, quase quebraram seu espírito de resistência ao sistema, porque é inevitavelmente estar em uma posição muito taxativa física e mentalmente.

A Nagi foi feita para parecer essa figura invencível e só existia literalmente uma maneira dela ser “destronada”, que felizmente foi o caminho que o anime escolheu seguir. A penúltima cena da obra é a resposta que o roteiro chega para a narrativa que foi criada até aquele ponto, Nagomi e as outras mostram o caminho alternativo para substituir aquele ecossistema falho. A partir do momento que só a Nagi parece irritada com a apresentação, é porque a série conceitualmente chegou na sua conclusão: “empregadas, unidas, jamais serão vencidas”, certo? Nagomi conseguiu trazer suas colegas de classe para o seu lado, representado especialmente por elas usando suas armas como aqueles bastões de luz de show de idol, e apesar de ter sido baleada, todas se viraram contra a Nagi, o que levou ao fim da tirana. Porque, no fim das contas, é muito melhor servir do que destruir. E é por isso que o episódio 9, e consequentemente os 3 posteriores, deu outra cara para Akiba Maid War. Defenda o que você acredita, mesmo que exista essa pressão invisível querendo te forçar a moldar sua existência de determinada maneira, mas lembre-se que grandes mudanças geralmente só são possíveis se o povo for unido.

Todos os 8 primeiros episódios mudam de figura quando olhamos pela ótica da temática principal do anime, podendo extrair muito mais do texto do que poderíamos quando não tínhamos o contexto. Mas para esse texto não ficar grande demais, vou terminá-lo por aqui. Akiba Maid War é um anime bastante excêntrico, mas isso não o impede de ter sua boa dose de profundidade. Apesar dos temas, da boa produção e das suas qualidades, acredito que a obra funcionar ou não vai sim depender de como o humor dela ressoa com cada um, pois acho improvável que a pessoa vá gostar muito do anime se achar o seu humor sem graça. Como não foi o meu caso, eu acabei gostando bastante do resultado final, mesmo tendo tido minhas dúvidas durante o lançamento. Ao menos me inspirou a escrever 5 parágrafos a mais nessa análise haha.


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