Made In Abyss Season 2 e a infernal descida as profundezas

Se provando como uma das continuações mais antecipadas do ano, a segunda temporada da aclamada adaptação da obra de aventura e fantasia Made in Abyss surge em meio de grandes expectativas, especialmente pela primeira temporada ter sido facilmente um dos animes mais notáveis de 2017. A série resgatou a abordagem primordial do gênero se focando quase que inteiramente na exploração do vasto, rico e complexo ambiente do abismo, com cada camada apresentando quase que um ecossistema próprio com características e perigos bem específicos e conter uma das produções mais impressionantes e ambiciosas daquele ano. Cada aspecto da direção de arte fez questão de dar vida a este universo da forma mais detalhada e vívida possível, permitindo a direção criar diversas cenas com um tom bem cinematográfico, auxiliado ainda mais pela incrível trilha sonora feita pelo Kevin Penkin, sendo tão boa, mas tão boa que fez com que o seu nome se tornasse um dos destaques dentre a nova leva de compositores contemporâneos surgidos na década passada no meio do anime, mesmo sendo o seu trabalho de estreia.

Devido a isso, obviamente eu estava bem animado para ver qual seria o rumo artístico que a obra seguiria. Especialmente pelo filme 3 da série lançado, em 2020 e sendo uma sequência direta dos eventos da primeira temporada, deixar bem claro que tal caminho definitivamente não seria um dos mais felizes e otimistas. E este sinal deixado pela adaptação do arco do Bowndred acaba se concretizando nesta segunda temporada: por mais que certos fatores clássicos e esperados de Made estejam presentes, essa nova etapa da série se revela como uma experiência bem distinta da primeira temporada. 

E a primeira grande mudança é de como esta segunda temporada aparenta ser bem mais calcada no mistério do que qualquer outro arco até então. A obra se utiliza de seu worldbuilding e o típico foco na ambientação como um suporte para criar foreshadowings e conectar as diversas incógnitas que rodeiam essa aldeia da sexta camada, como a aparição da Faputa. Além disso, a obra trabalha o mistério do mecanismo do “valor” e do balanceamento e, principalmente, o que diabos ocorreu com o primeiro grupo de exploradores a chegar nesta camada, junto do motivo que os levaram a ficar naquele estado. A narrativa constantemente transita entre duas linhas temporais focada no presente com o grupo da Riko, Reg e Nanachi, e no passado com a equipe liderada pelo Wazukyan. Esta se prova uma forma eficaz de deixar o espectador bem intrigado e curioso para saber sobre o real segredo que este local esconde e as verdadeiras motivações dos seres que ali residem, além das maneiras e saídas que a Riko e o seu grupo terão que encontrar para poder sobreviver e conviver dentro desta aldeia. 

No entanto, o grande trunfo neste quesito é de como a narrativa usa toda essa série de perguntas iniciais como uma cortina de fumaça para ocultar a grande revelação presente nos episódios 7 e 8, onde finalmente temos a contextualização completa sobre o desfecho da tropa de exploradores e todo o surgimento da vila. É revelada a reviravolta sobre ela ser um organismo vivo, que desencadeia naquele que é indubitavelmente um dos momentos mais chocantes e perturbadores que Made In Abyss já entregou até hoje. Não apenas pela transformação física que a Irumyuui passa devido à relíquia e o seu desejo ser tão grotesca, bizarra e repugnante, parecendo sair diretamente de um filme de horror corporal, mas também pelo sofrimento psicológico infligido nela ser algo quase imensurável. O fato dela ser uma criança também faz com que tudo se torne dez vezes pior, ao ponto de embrulhar o estômago. É bem difícil não ficar impressionado e surpreso com o nível de crueldade e perversidade apresentado aqui, com a atmosfera de tensão e terror transmitida nesses episódios sendo algo praticamente incomparável dentre qualquer outro anime lançado em 2022, além de oferecer um peso e um significado muito maior para o grande objetivo da Faputa. 

E falando nela, a sua adição ao elenco também se prova como mais um destaque, especialmente por eu ter que admitir que não esperava que ela se tornaria uma personagem tão humanizada ao término da temporada. Seu arco de desenvolvimento é bem bacana e interessante. E mesmo que a princípio ela seja vendida como uma personagem com um comportamento bastante simplista, conforme a obra avança, certas nuances sobre os seus sentimentos vão sendo revelados, desde da solidão de viver naquele local inóspito ou a raiva sobre o ocorrido com a sua mãe. Isso também permite a exploração de um lado mais vulnerável da personagem, como no flashback com o antigo encontro dela com o Reg, e a grande frustração criada pelo conflito interno de quando ela é forçada a enfrentá-lo para cumprir o seu grande objetivo de vida. Ela acaba se tornando uma personagem muito mais tangível e genuína do que poderíamos esperar a princípio, inclusive conseguindo criar momentos dramáticos bem convincentes que só agrega ainda mais ao conjunto. 

E assim chegamos no ato final, que culmina em um clímax bastante violento, gráfico e visceral, mas ainda conseguindo manter um tom bastante emocional. Seja pelo confronto da Faputa com o Reg citado acima ou por principalmente ser o grande fechamento para todos os habitantes da vila e a própria Faputa, trazendo esse típico encerramento agridoce que Made In Abyss se tornou tão bom em realizar em arcos anteriores. O final contrasta a tragédia da perda, da morte e da despedida com um grande sentimento de redenção, libertação e esperança para todos aqueles personagens que ali residiam. Cria-se essa aura quase poética para o desfecho, o que eu adoro, além de juntar as pontas levantadas durante a temporada de uma forma bem amarrada e satisfatória. 

Quanto a produção, por mais que alguns elementos não estejam no mesmo nível da primeira temporada, como o design mais simplificado dos monstros ocasionado pela mudança do designer de personagens ou o inevitável uso de CG em certos momentos, ela ainda consegue ser bem acima da média de animes padrões de temporada. As cenas de lutas se mantêm bem intensas e movimentadas, a direção consegue transitar muito bem para este clima de suspense e terror que a obra mirou neste arco (vide os já comentados episódios 7, 8 e o clímax final) e a direção de arte continuar afiada como nunca. O anime consegue dar muita vivacidade para um cenário bem decadente e árido que só reforça o quanto que a atenção a detalhes consegue fazer uma grande diferença no resultado final. Então mesmo que a produção não esteja em seu ápice, o aspecto visual não decepciona e faz jus ao padrão que você esperaria da série. 

E óbvio que eu não podia deixar de falar sobre a trilha sonora, que mesmo mantendo o tom sinfônico e os arranjos orquestrados que você esperaria de Made, provavelmente é a mais contida dentre as da série. Há uma presença bem maior de flautas e instrumentos de sopro nas faixas ambientes, ficando um tanto distante da aura eufórica, extravagante, brilhante e maior que a vida da primeira temporada ou do tom mais urgente, carregado e pesado do filme 3. Isso talvez possa acabar frustrando alguns, mas a trilha sonora ainda consegue ser bem funcional em entregar essa atmosfera mais rústica e envelhecida que se encaixa bem com o local que os personagens estão. Há ainda outras faixas, como a cena do surgimento da vila no episódio 8 ou no discurso da Faputa no episódio 9, que têm um tom mais tenso e aflitivo bem legal. Ressalto principalmente as inserts songs que são mais uma vez o grande ponto alto da trilha, como as três faixas do episódio final, com todas elas sendo incríveis a sua própria maneira. A primeira tem gentis acordes de piano sendo engolidos por uma grande sessão de cordas resultando em algo bem triste e dramático. A segunda possui um aspecto quase tribal com as primitivas percussões e os rápidos e confusos sintetizadores, fazendo dela uma bem desconcertante. E a terceira, que encerra o anime, contém uma lenta progressão que resulta em um clímax bem épico e triunfante, que soa incrível. 

E principalmente a insert song que substitui a música de encerramento no episódio 9, facilmente a faixa mais depressiva que eu ouvi do Kevin até hoje. A performance vocal é feita nessas singelas e atmosféricas melodias até a transição com frios e surreais sintetizadores e o solo de violino que soa tão sinistro e funesto que cria essa atmosfera imediata de pesar e desolação, como se toda a sua felicidade estivesse sendo sugada de você. É sombria, arrepiante, assombrada, trágica, mas ainda bela. E mesmo sendo bem mínima e despida, não deixa de ser extraordinária e bastante poderosa, sendo não apenas a minha insert song favorita de 2022, mas provavelmente a minha música favorita feita pelo Kevin Penkin até aqui. Por fim, o uso da Hanezeve Caradhina no fim do episódio 10 também é ótima, mas que a essa altura é um pleonasmo, já que ela não é a canção mais icônica e popular de Made In Abyss a toa. E sinceramente, se o Kensuke Ushio não tiver alguma carta na manga para Chainsaw Man, é bem provável que esta trilha de Made se torne a minha favorita do ano, mesmo ela não superando a da primeira temporada. 

Com tudo isso dito, eu gostei bastante desta segunda temporada. As únicas falhas que posso apontar são alguns personagens não terem sido aproveitados como deveriam. O Belaf foi reduzido apenas a um mero recurso de roteiro para a luta contra a Faputa; eu gostaria de ter visto um foco maior na psique de Wazukyan e na completa sociopatia que ele desenvolve durante a expedição, mas que apenas deixam no ar, mesmo tendo potencial para ter ido mais além, como no arco do Bondred. Inclusive com a Faputa sendo a única personagem nova com um arco notável, já que até mesmo personagens principais como o Reg e a Nanachi acabam não possuindo muito complemento em suas construções ou desenvolvimentos para se destacarem na trama como em arcos anteriores. Mas no fim essas ressalvas estão bem longe de eclipsar os acertos feitos aqui, especialmente por a obra dar um passo pra fora da sua zona de conforto e mesclar elementos de mistério e terror de uma forma bem orgânica e criativa. O anime de Made in Abyss prova que, mesmo após 5 anos, permanece refrescante e se mantém como uma das grandes referências dentro de seu gênero.


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