O Hat Trick de Kaguya-sama Wa Kokurasetai 3: Ultra Romantic

A comédia romântica mais amada da atualidade retorna para uma terceira temporada, 3 anos depois de sua arrebatadora estreia em 2019, quando fundiu um afiado humor satírico, sutis e espertos comentários sociais com pitadas de drama, um elenco matador e uma única e peculiar produção, tornando-se facilmente um dos animes mais divertidos e inventivos daquele ano. Logo no ano seguinte, a segunda temporada aprimorou a fórmula não apenas por Shinichi Omata entregar uma direção ainda mais ambiciosa e experimental, mas também por Aka Akasaka romper os limites do que nós esperaríamos ver em um anime do gênero, transitando por um caminho bem mais melancólico e dramático e entregando arcos como o do passado de Ishigami – indubitavelmente um dos momentos mais pesados, depressivos e devastadores feitos em qualquer obra desse tipo -, mas sem deixar de lado as ótimas piadas que atraíram tantos fãs na temporada anterior. Devido a todos estes feitos, eu estava me perguntando como Kaguya-sama iria prosseguir depois de estabelecer um padrão de qualidade tão alto quanto o que foi apresentado antes. A resposta veio com uma certa mudança de tom em relação ao enredo, com o subtítulo sendo bastante apropriado para representar esta nova fase da franquia, não só pelo grande foco ser obviamente o romance (que inclusive se expande para além do casal principal), mas também pelas piadas assumirem um aspecto bem mais galhofa, absurdo e exagerado, ao ponto de algumas beirarem o nonsense em comparação a temporadas anteriores.

O episódio de estreia da 3ª temporada serve como uma ótima amostra do rumo que a temporada almeja e é um grande lembrete de tudo aquilo que faz Kaguya ser um anime tão fantástico ao entregar uma grande cena após a outra. Desde a piada da Iino com os fones de ouvido que me lembram bastante de Watamote, passando pelo torneio da queda de braço, que parece algo extraído diretamente de Nichijou, até a esquete sobre as conversas do Line que é algo que passarei a chamar de “Peak Kaguya” – não apenas pela punchline da Kaguya descobrindo a função das mensagens lidas ser engraçadíssima, mas o uso do narrador nesta cena ser muito bom, o dublador berra parecendo estar totalmente desesperado em certos momentos, elevando a dramaticidade a um novo nível; isso somado a direção que cria uma aura típica de um filme de terror, com vários planos fechados e quase claustrofóbicos e uma atmosfera super sombria e obscura que soa bastante único, criativo e hilário de uma forma que apenas Kaguya pode lhe oferecer com sua execução.

E os destaques continuam a aparecer em outros episódios, como a cena do karaoke no episódio 2, a festa do pijama no episódio 4, as diversas e espertas linhas de diálogo e piadinhas metalinguísticas espalhadas durante todo o anime, como o Shirogame e o Ishigami confusos por só descobrirem o nome do namorado da Kashiwagi na terceira temporada; ou o narrador falar que a notícia de que a Kaguya aceitou os seus verdadeiros sentimentos em relação ao Shirogane será a mais chocante que a Hayasaka terá no ano, demonstrando uma grande atenção a detalhes ao nível de criarem piadas pensadas para funcionar dentro da mídia audiovisual; mas principalmente toda a sequência da performance de rap do episódio 5, facilmente um dos episódios mais fantásticos que Kaguya já entregou até aqui. Por mais que a escrita deste episódio já seja um destaque por si só, com o Akasaka conseguindo muito bem sempre surpreender ao espectador por guiar as piadas por rumos inesperados, com a aparição e as reações da Kaguya e da Hayasaka e as performances serem super divertidas, energéticas e contagiantes, a direção deste episódio é simplesmente de explodir cabeças. Você está brincando comigo?

A forma como eles usam o cenário como pick-up pra criar o barulho de scratch; a estética de videoclipe musical amador com o efeito de câmera de baixa resolução; as rápidas, loucas e cartunescas transições de cenas; a recriação do videoclipe de Bohemian Rhapsody do Queen na apresentação da Kaguya e a composição metódica na performance da Hayasaka são insanas de tão boas e bem executadas. Ainda mais por todas essas cenas darem a impressão de serem muito destoantes entre si isoladamente e toda a sequência ter um aspecto bem mais solto, como se fosse algo improvisado tal qual os freestyles dos personagens. Contudo, a montagem faz com que as cenas fluam de uma forma tão natural e precisa que chega a ser um tanto assustador de como funciona tão bem. Isto sem falar das várias interações entre o elenco durante todo o anime que, como de praxe, permanecem excelentes – se eu fosse citar cada mínima piada ou passagem de qualidade em Kaguya, teria que me estender por mais dois longos parágrafos.

E enquanto a comédia de Kaguya se prova tão afiada como nunca, a obra também aproveita o foco no romance para explorar o tema de forma bem interessante em alguns momentos. Vide a inclusão da Maki, que mesmo não passando a melhor primeira impressão, por ser vendida como uma garota bem amargurada ao ponto de cogitar trair sua amiga para ficar com a pessoa que ela ama, eu gosto como ela serve quase como um exemplo do que poderia acontecer com a Kaguya ou o Shirogane se eles não se declarassem, especialmente pelo empecilho ter sido sempre uma questão de orgulho. Fora o anime conseguir humanizá-la durante seu decorrer fazendo com que o espectador sinta mais empatia por ela ao demonstrar um constante arrependimento pela garota não ter tido a coragem de se declarar a tempo e tentar apoiar o Ishigami para que não termine como ela.

O anime também aproveita para entregar as cenas mais calorosas, amáveis e sinceras da obra até aqui neste momento, como todo o arco do Ishigami reconhecendo os seus sentimentos em relação a Tsubame e a constante tentativa de se declarar para ela, o que agrega uma nova camada ao personagem que é muito bem vinda; ou a Kaguya finalmente assumindo para si mesma que ama o Shirogane no episódio 8, com o diretor Omata revisitando a estética de direção feita em Rakugo Shinjuu, compondo as cenas com quadros bastante singelos, delicados, quase minimalistas e com essa tonalidade de cor bem suave e pastel, o que é belíssimo e dá uma atmosfera bem contemplativa e quase poética para as cenas, servindo como uma boa preparação do festival cultural que está por vir.

E este arco é justamente o ponto chave que amarra toda esta temática sobre romance da melhor forma possível e revela mais uma qualidade de Kaguya: seu imenso timing e ritmo para transitar entre os seus respectivos gêneros de uma forma excepcional. Um bom exemplo é a cena da cartomante no episódio 11, que mesmo sendo um cenário repleto de piadas sujas e sexuais, o anime consegue criar uma analogia genuinamente bela e elegante sobre a Kaguya de forma bastante espontânea, mesmo que na teoria, este devesse ser o último lugar que você encontraria uma passagem como esta, lhe pegando totalmente desprevenido. E o ápice é atingindo nos dois episódios finais, usando de exemplo a conversa da Kaguya e Hayasaka no inicio do episódio 12, que após a chocante revelação sobre a viagem do Shirogane, a cena se inicia com um tom bem cômico, mas muito mais contido em comparação às piadas visuais mais absurdas de seu início, entregando uma sequência de divertidas e variadas punchlines, uma atrás da outra, como a ótima linha de diálogo da Hayasaka pedindo para a Kaguya ser direta pois “isto não é uma comédia romântica que tem que se arrastar”; ou a rápida sequência da Kaguya enlouquecendo de raiva ao pensar que o Shirogane poderia se casar em Stanford, até chegar no momento em que Kaguya tem que descrever os motivos que ama o Shirogane e a punchline ser trocada por um momento de extrema fragilidade por parte dela.

Neste momento ela não só parte o seu coração e muda todo o tom do episódio em diante, mas a resposta da Hayasaka soa quase como uma quebra de quarta parede, pois ela se desculpa por ser tão insensível e isso acaba se tornando um tapa na cara para o espectador que estava rindo momentos atrás desta situação toda, mostrando que a estrutura do enredo é tão concisa ao ponto dele conseguir ir de 0 a 100 de uma forma muito rápida para surpreender, mas tendo a precisão cirúrgica de nunca soar forçado ou destoante em nenhum momento. Ainda há a questão do Arsene ser mais um momento que o autor tira as influências debaixo das mangas, lembrando bastante o que poderia ser um arco de Hyouka, mas com o detalhe de que, mesmo as referências ficando bem claras, o Akasaka ainda consegue ter a habilidade de colocar sua própria personalidade nessas cenas ao ponto de não parecer algo derivativo ou uma mera cópia de outro anime como outras obras fazem. E além disso tudo, a progressão também se torna um destaque, com ambos os episódios sempre transitando entre esses picos de comédia e drama até entregar a tão esperada declaração, que é muito bela, emocionante, envolvente e até catártica, especialmente por parecer que o autor tinha tanta consciência do quão esperada esta cena seria. O desenrolar ser feito desta forma tão elaborada e grandiosa é algo quase simbólico, pensado para ser uma verdadeiro evento a ser celebrado, o que dá mais sentido ainda a todo o arco do festival.

E no fim, Kaguya não só se reafirma como uma das comédias românticas mais ousadas e incríveis já feitas, mas também uma das mais consistentes. O Shinichi Omata e o Aka Akasaka provam que continuam a todo o vapor entregando mais uma temporada bastante sólida, não hesitando em continuar experimentando e tentando novas ideias, mantendo essa criatividade ímpar para a execução da comédia, mas também conseguindo entregar momentos comoventes de uma forma tão eficaz quanto. E mesmo que a segunda temporada tenha se mantido como a minha favorita, e que existam algumas piadas aqui e ali que pareçam mais do mesmo e não sejam tão engraçadas quanto outras (como os dos degustadores de café no episódio 9, que parece uma reciclagem da piada do Ramen com a Chika na primeira temporada e que soa bem fraca), não muda o fato de que o nível de qualidade e coesão em aspectos como produção, escrita, personagens e desenvolvimento entregue aqui ainda permanecem como um feito que poucos animes conseguem alcançar, e me deixa ainda mais ansioso para ver os futuros rumos criativos que a obra pode tomar. Muito bom.


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