O brilho de Love Live Superstar

Sim, a famosa franquia de idols Love Live! está de volta em sua quarta fase, franquia que recentemente parece seguir por novos rumos artísticos; Nijigasaki Gakuen do ano passado foi o ponto de virada nesse quesito, não só por cortar toda e qualquer conexão com as temporadas anteriores, mas também por dar ênfase a uma narrativa mais episódica e interpessoal, somado a um tom muito mais intimista e até mesmo melancólico que fez dela a temporada mais sóbria da franquia até então. Curiosamente, por mais que Love Live Superstar! siga o mesmo objetivo em ser uma obra totalmente independente e autossuficiente como o Nijigasaki, toda sua atmosfera, a abordagem e as decisões narrativas são bem diferentes em relação ao seu antecessor, dando a sensação de ambas as fases serem dois lados opostos de uma mesma moeda. Seja por possuir o elenco mais curto de toda a franquia, com um grupo de 5 protagonistas, pela narrativa seguir por um estilo mais linear, ou por conter um viés muito mais cômico que fica perceptível inclusive na produção, já que por mais que a animação continue com o mesmo belo nível de qualidade que esperamos da série, a direção de arte consegue trazer uma palheta de cores muito mais quente, viva e colorida nas apresentações e nos cenários, agregado a uma fotografia que reforça para deixar tudo ainda mais forte e vibrante, bem diferente da estética mais fria, pálida e discreta adotada pelo Nijigasaki.

E quando falo sobre esse tom cômico, não é no sentido que estamos geralmente acostumados, com certas piadas específicas servindo como um alívio cômico rápido e bastante pontual como vemos em diversos battle shounens, por exemplo, mas sim de haver momentos – como os episódios 2 e 3 – em que há uma punchline atrás da outra por 10 a 12 minutos seguidos, e o anime consegue a proeza de fazer todas elas funcionarem. Seja pelo texto que possui diversas linhas de diálogos que costuram todas essas punchlines uma a outra, fazendo com que todas elas tenham uma justificativa ou razão para acontecer, mostrando o surpreendente progresso do Jukki Hanada como roteirista em comparação ao seu trabalho feito no Love Live Sunshine, quanto pela direção contar com o retorno do Takahiko Kyogoku como diretor da série, que não retornava a série desde Love Live! School Idol Project, provando que ele continua tão afiado como nunca ao conseguir achar a atmosfera e composição perfeita para as personagens, fazendo com que fossem incrivelmente expressivas e enérgicas sem nunca parecer caricato, irritante ou enjoativo, com grande domínio de timing ao saber a hora certa tanto de inserir quanto de retirar as piadas e um cuidado ímpar com a forma na qual as apresentações são postas na narrativa — ponto ausente em temporadas anteriores como as do Love Live Sunshine, vale dizer. Como resultado, a trama não apenas se torna bastante cativante, divertida e espontânea, mas o anime também transforma toda a amizade e o laço entre as protagonistas em algo bastante verossímil, principalmente pela química criada especialmente pelo trio Shibuya, Chi e Keke durante os episódios iniciais, ponto completamente fora dos padrões com todas as personagens transbordando carisma e fazendo você se apegar a elas de uma forma muito rápida, tornando-se muito mais fácil se importar com os seus conflitos e torcer para que elas os supere-os.

Se por um lado a equipe de produção possui um tato afiado para comédia, por outro a parte dramática sofre alguns deslizes, como a construção de algumas personagens ficando um tanto a desejar. A Ren é introduzida na trama de uma forma bastante promissora, criando todo um mistério sobre a razão do porque ela desprezar tanto Idols, mas o desfecho é bem lugar-comum e esquecível, não só reciclando a ideia de que a escola precisaria ser salva, mas também inserindo um drama sobre a sua falecida mãe que também não soa tão funcional, já que a postura dela pensar que absolutamente todas as idols vão se arrepender devido a esse conflito não parece se relacionar tão bem e parece um tanto exagerado. Ainda há outras atitudes estranhas da personagem, como ela excluir as alunas do currículo geral do festival justo quando a escola mais precisaria de visibilidade, o que não faz lá muito sentido, com o fato dela ser a personagem menos carismática até então, dificultando a situação ainda mais. No episódio 6, focado na Chi, mesmo que eu tenha amado a personagem e o drama dela sobre querer se tornar alguém independente seja novamente algo legal, o ritmo é bem ruim e apressado, como se a narrativa estivesse tentando comprimir o conteúdo de 2 ou 3 episódios em apenas 1, fazendo o conflito dela ficar um pouco raso e vago, além dos flashbacks serem intercalados de uma forma desconexa, impedindo que a cena final entre ela e a Shibuya fosse emocionante como deveria. Por mais que nenhum desses dramas tenha sido tão ruim ao ponto de comprometer o conjunto, como os de Love Live Sunshine, também não pareceu agregar muita profundidade para as personagens devido a esses problemas.

Felizmente, em seu terço final, a temporada não só retorna a boa forma, como também revela a característica chave que faz ela se tornar distinta na franquia, mesclando o tom bem-humorado dos episódios iniciais com ótimos diálogos e passagens motivacionais. O episódio 9, focado na busca do nome do grupo, é o primeiro exemplo, entregando momentos bem divertidos em seu início, como na cena do streaming, mas se encerrando de uma forma bastante edificante com a explicação do porque a Shibuya ter escolhido o nome Liella, com a analogia da refração sendo algo bastante esperto considerando que nenhuma integrante está unida em prol de um objetivo maior como as temporadas anteriores. Isso não apenas amarra bem a temática do episódio, como também revela a peculiaridade do grupo em relação às demais na franquia, o que é bem maneiro.

Os grandes pontos altos são os episódios 10 e 11, com ambos se focando em encerrar o arco de duas personagens, mas desta vez de forma bastante acertada. O 10º episódio é focado na Sumire e no dilema dela nunca conseguir ter um papel de destaque mesmo sendo muito talentosa. Por mais que eu admita que à primeira vista ela não tenha me agradado, visto que a forma como a personagem é convencida a entrar no grupo é bem genérica e que ela, durante quase toda a obra, tem como principal função ser nada mais que um mero alívio cômico, dando uma sensação de desperdício, esse episódio conserta tudo isso de uma forma muito certeira. A trama finalmente faz ela conseguir o papel que tanto sonhou, mas revelando que a sua personalidade narcisista nada mais era que um mecanismo de defesa para esconder a sua frustração depois de tantos fracassos. Considerando que era justamente este ponto que o roteiro explorou para poder criar as piadas com a personagem, como o bordão a respeito do show business e ela constantemente não sendo levada a sério ou sendo ignorada pelas demais, é possível perceber que essas atitudes a corroeram a um nível dela se tornar alguém bastante insegura; a cena em que ela finalmente tira a máscara e demonstra as suas verdadeiras emoções se torna muito mais dolorosa e pesada do que você poderia imaginar a princípio, além de reafirmar a Keke como uma ótima personagem de suporte. Keke se torna o fator crucial para o desenvolvimento tanto da Sumire quanto a Shibuya e a caracterização dela impede que seja mais um mero arquétipo de personagem alegre nas cenas de comédia, como nesta cena em específico com ela assumindo uma postura bem mais séria, mas ainda sim, convincente e criando uma bela interação com a Sumire que eu espero que seja explorada no futuro. É o episódio mais catártico e intenso de toda a temporada.

O 11º episódio tem foco na Shibuya e o seu drama ocasionado pela sua fobia de se apresentar em público, que já tinha sido explorado de uma forma rápida, mas eficaz, durante os três episódios iniciais da série, encerrando-se de vez na reta final de uma forma bem tocante com a Shibuya tendo que se apresentar sozinha no palco, o que acarretou na lembrança sobre seu primeiro desmaio quando criança que minou toda a sua auto estima e confiança desde então. O episódio traz um clima bem mais reflexivo comparados aos demais, repleto de belas cenas, seja na revelação de como era a antiga personalidade dela antes da fobia através dos flashbacks, a tocante cena dela se encontrando com a sua versão criança e finalmente se aceitando e libertando a si mesma, e obviamente, a própria apresentação, que assume um tom muito mais cru e pessoal, com um instrumental de piano bem mínimo e delicado, tendo um imenso peso simbólico para a superação da personagem e fazendo com que toda a cena seja bem sensível, emocionante e deslumbrante, transformando a Shibuya na minha protagonista favorita de toda a franquia.

Em resumo, a impressão que fica é que Love Live Superstar é tudo aquilo que o Love Live Sunshine, que possui o mesmo roteirista, deveria ter sido, mas não conseguiu, contendo certos aspectos das temporadas iniciais como o School Idol Project, mas conseguindo adaptar ela em uma nova roupagem ao ponto de conseguir criar uma identidade própria, e não ser apenas uma mera versão inferior da mesma ideia como o Sunshine — graças ao diretor da primeira série que retornou para cuidar da série. Por mais que certos dramas não soem tão densos quanto o Nijigasaki, e o desenvolvimento de algumas personagens não seja tão fluído e gradual quanto o School Idol Project, Superstar consegue compensar tudo isso com uma imensa quantidade de carisma e personalidade, uma narrativa bastante dinâmica, contagiante e divertida ao ponto de ser superior até mesmo a certos animes de comédia e possuindo a habilidade de fazer todas essas mensagens otimistas de esperança, superação e determinação serem bastante palpáveis — provavelmente a temporada mais inspiradora de toda a franquia. Torço bastante para que os criadores continuem experimentando novas abordagens e estilos, e eles se mantenham nesse caminho artístico que soa tão refrescante e entusiasmante de se acompanhar.


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