O retorno renovado de Love Live! Nijigasaki Gakuen

Em 2020, a franquia fenômeno de vendas e referência dentre as obras Idol, Love Live, retornou em sua terceira fase após 3 anos desde sua série anterior, o Love Live Sunshine (se desconsiderar o filme lançado durante esse tempo). Admito que o meu primeiro contato com a franquia, através do School Idol Project, superou completamente todas as minhas expectativas, não apenas por retratar a premissa de uma forma que eu considerei bem despojada e criativa, retratando essa criação de um grupo Idol por um aspecto mais independente e improvisado, mas também por as personagens conseguirem ter uma boa química e se provarem ser mais que meros arquétipos, mesmo não sendo profundas. Por conseguirem criar conflitos dramáticos surpreendentemente genuínos e convincentes, que fez com que essa fase clássica se tornasse algo irresistível para mim, que é como se o anime fosse equivalente ao que o K-ON seria se tivessem focado no drama e no desenvolvimento das personagens como artistas ao invés da comédia.

Isso infelizmente caiu por terra no Love Live Sunshine. O anime é nada mais que um copy paste de todas as ideias do School Idol Project executado de forma medíocre, com arcos mal trabalhados e narrativa perdida e inexplicavelmente apressada, fazendo com que essa fase só se tornasse uma imensa bagunça para mim. Devido a isso, eu obviamente não estava com grandes esperanças para essa nova temporada, visto que tive grande receio de que os envolvidos transformassem a franquia em um mero caça níquel para arrancar dinheiro dos fãs da forma mais preguiçosa possível. No entanto, ao terminar de assistir essa nova temporada, devo dizer que eu gostei. Bastante, até, pois não só exploraram novas possibilidades para a franquia, mas também conseguiram resgatar a essência que fez eu me tornar fã da série clássica.

O primeiro grande ponto que me surpreendeu foi o quão tematicamente coeso este Love Live conseguiu ser, mesmo que haja a transição uma obra focada em plot driven, com um grupo de garotas se unindo em prol de um mesmo objetivo, para character driven, com grande ênfase nas personagens. Ainda assim, o anime manteve a música como um elemento central na obra, usando esse estilo de narrativa para explorar a miríade de motivações que levaria alguém a se tornar um artista, de uma forma que fosse algo não apenas restrito para Idols ou grupos pop, mas também para artistas e grupos de qualquer estilo musical.

Como a Setsuna, que praticamente cria um alter ego, além de conseguir traçar um paralelo legal com o fato dela usar a música como válvula de escape para a pressão que sofre com a rotina dela, também consegue mostrar o quão contrastante que pode ser a imagem que o artista vende para o seu público e quem ele é como pessoa em seu cotidiano; ou a Ayumu, cujo objetivo é achar na música alguma forma de conseguir expressar os seus sentimentos e ser honesta consigo mesma; Kasumin, que mesmo ela sendo bem parecida com a Nico, em que a intenção dela se resume mais ao sucesso, à atenção e ao prestígio que ela irá receber com a fama. Ainda assim, a obra consegue ser bem auto consciente sobre essa postura narcisista dela, questionando algumas atitudes um tanto duvidosas sobre a personagem de maneira interessante, como no episódio 2, em que ela acaba percebendo que a postura que ela tomou com a Ayumu era justamente aquilo que ela criticava na Setsuna, que desencadeou o hiato do grupo – conflito esse que também foi bem bacana, onde foi explorado esses conflitos criativos de integrantes de uma mesma banda ou grupo. O único defeito foi não terem explorado mais o tema ou ter elaborado mais diálogos a respeito disso.

Temos também episódios como o da Rina e da Shizuku, em que essas motivações são utilizadas para explorar conflitos internos das personagens, que eu devo dizer que foram muito bons. Rina tem essa postura tão inacreditavelmente inexpressiva, que sinceramente dá a impressão dela sofrer de uma espécie de fobia social, tanto que no episódio focado nela, é demonstrado bem o quanto que isso a atinge e toda a dificuldade dela dialogar com alguém, que somado com o fato da motivação dela querer se tornar uma artista ser justamente se conectar com as pessoas através da música, e com a questão dela só ser capaz de se apresentar com uma máscara e conversar com os outros através de um bloco de caderno, faz com que todo esse conflito se torne algo bem crível e facilmente uma das personagens mais distintas e peculiares da franquia até aqui. E principalmente o conflito da Shizuku, em que eles não apenas abordam a questão da ansiedade, mas a forma como eles executam esse tema é surpreendentemente bom. Seja pelo tom um tanto introspectivo durante todo o episódio ou a analogia da peça de teatro em relação aos conflitos mentais que ela sofre que é apenas excelente. Assim como vários diálogos que são sucintos, ainda assim espertos, dinâmicos, fluidos e convincentes ao ponto de terem realmente conseguido com que eu sentisse compaixão e empatia pelo que ela sofreu, se tornado um dos meus episódios favoritos de toda a franquia até aqui.

E mesmo em episódios como o da Ai, da Emma, ou da Karen, que não me foram tão ricos como os citados anteriormente. Mas mesmo assim, eles conseguiram ser proveitosos por explorar outra vertente, as relações e a química dentre as personagens, que para mim, apenas funciona. Além das interações me soarem muito mais orgânicas comparado ao Sunshine, visto que lá tudo me soava um tanto forçado, artificial, ou falso, as personalidades são mais distintas ou com características mais próprias; como a Yu, que mesmo sendo a protagonista e servindo como o elo que une as outras personagens, ela é totalmente diferente da personalidade extremamente extrovertida, alegre, otimista, e determinada da Honoka ou da Chika com essa postura mais tímida e retraída, além do objetivo dela de querer ajudar alguém a realizar o seu sonho, para quem sabe dessa forma descobrir o dela que admito que foi outro diálogo que achei bem interessante; ou a Karen, uma espécie de versão fria, antissocial e até um tanto antipática da Nozomi, mas não de uma forma pejorativa, visto que novamente, isso dá um tom diferente para ela.

Se eu fosse ter que citar as falhas, eu diria que seria o conflito da Kanata. Além dele ser um dos poucos conflitos que foge da temática musical, o dilema da personagem com a sua irmã é um pouco forçado, vazio, melodramático e que não acrescenta muito para a personagem. Há também o conflito final da Yu e da Ayumu, em que Love Live mostra que eles ainda não conseguem explorar a sexualidade das suas personagens como deveria, visto que é como se eles quisessem insinuar que a Ayumu seria lésbica, mas com a execução não sendo das melhores. Ela tem essa postura bem ciumenta e até um tanto paranoica de “você está falando com outras garotas, e por causa disso você não irá falar mais comigo e irá me esquecer! Aaaaahhhh!” do nada, que honestamente, não me parece a melhor das abordagens. A resolução também fica a desejar. E algumas apresentações, em que por mais que eu tenha gostado dessa ideia de explorar essa questão da expectativa/realidade dessa forma mais fantasiosa e com certas apresentações de fato soando bem encaixadas e até interessantes. Eu acredito que eles poderiam trabalhar esse conceito de uma forma mais criativa, como eles fizeram no filme do School Idol Project, ou como no show da Setsuna do primeiro episódio, por exemplo, ao invés de apenas manterem essa estética de videoclipe de novo e de novo. Há alguns shows que soam um tanto deslocados e não muito bem encaixados na trama, especialmente a apresentação da Ayumu no penúltimo episódio, que foi absolutamente desnecessária.

Mas, fora isso, sinceramente não tem mais muita coisa que eu possa reclamar dessa temporada, visto que basicamente eles fizeram tudo que eu queria que a franquia fizesse após o School Idol Project, trazendo novas ideias, conceitos, abordagens e estéticas. E ainda assim, conseguindo executar elas de uma forma bem satisfatória, eu diria. Realmente é como uma renovação para franquia, visto que além de você não ter nenhuma associação ou referência com as temporadas anteriores, todo o tom da obra, da comédia ao drama, me soa bem mais sutil, compassado, e suave do que qualquer outra temporada até aqui, em que com exceções das apresentações, todo esse clima muito glamoroso, exagerado, brilhante, e extravagante que você esperaria ver em uma obra Idol não está mais tão presente aqui, soando quase como um slice of fife em boa parte do tempo. Deixando-me bem esperançoso com o que a franquia poderá fazer daqui para frente. Seja em uma segunda temporada ou em alguma outra fase.


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