The Big O (1999): O charme de Batman com robôs gigantes

Direção e roteiro: Kazuyoshi Katayama (Appleseed, Ibara no Ou) | Total de episódios: 26

Se algum dia você imaginou assistir um anime do Batman com batalhas de robôs gigantes, The Big O é o mais próximo do que conseguirá encontrar.

O anime de 26 episódios é sobre Roger Smith, um negociador com silhueta bastante parecida com um famoso personagem do ocidente. Ele mora em Paradigm City, uma estranha cidade com uma cúpula onde todos perderam suas memórias há 40 anos. Embora a maioria das pessoas tenha se adaptado às suas vidas, a busca pelo motivo da perda continua. Com a ajuda de seu mordomo Norman, a android Dorothy e seu ex-parceiro policial Dastun, ele faz a mediação entre diferentes partes que precisam de suas habilidades de negociador nos tramites da cidade. E quando as coisas ficam fora de controle, ele chama um robô gigante, pois de alguma forma ele se lembra de como pilotar o mecha chamado de “Big O”.

Além das batalhas inconsequentes de robôs gigantes feitas com todo o primor da Sunrise e sua experiência com animação de mechas, talvez o maior legado de The Big O sejam seus personagens principais. Roger Smith, R. Dorothy e Norman valem a pena assistir; suas interações geralmente compensam a falta de rumo que a história pode aparentar possuir em certos momentos. E para dar crédito, os primeiros episódios acabam nos dando um bom entendimento sobre eles situando bem cada persona naquele mundo, com suas ambições e motivações.

A primeira temporada do anime (os 13 primeiros episódios) são sobre as dinâmicas destes personagens enquanto Roger precisa fazer negociações. Todos esses trabalhos envolvem um certo clima conspiratório, voltando aos antigos mistérios dos anos 1950, e se misturando ao fato de que, ao final do dia, ele utilizará do seu robozão para conseguir finalizar (ou escapar do) seu trabalho. A série transita de batalhas mecha até monólogos noir temperamentais, passando de vagos conceitos lovecraftianos de outro mundo, referências religiosas e muito mais. Embora nem todas essas ideias funcionem, elas são sempre entregues com confiança e meios estéticos experientes que, se nada mais, torna a maioria dos episódios divertidos e hipnóticos para quem quer apreciar algo de estética tão singular – como falaremos adiante.

A segunda temporada (os 13 últimos episódios) abandona as relações mais próximas dos personagens, que como habitantes animados irreais de Paradigm City são realmente intrigantes de se acompanhar, para tentar dar uma explicação ao que acontece no passado, sobre a perda de memória da população. Logo, as habilidades diplomáticas de Roger ficam em “segundo plano” em relação às suas habilidades de impedir a destruição de Paradigm City nas mãos de outro(s) robô(s) gigante(s) chamados de Megadeus, a partir de um grande esquema conspiratório que aparenta cercar aquele mundo sci-fi e seu passado. Seu destino pode levá-lo a se tornar o Dominus de Megadeus (seja lá o que isso signifique), mas será que ele acredita em um destino sem memórias do passado?

À medida que o enredo avança, as imagens teatrais se tornam cada vez mais predominantes; máscaras sob máscaras são retiradas conforme o melodrama da série é niilisticamente revelado como uma peça de interesse próprio em uma sequência de reviravoltas existenciais sem fim, que podem trazer à mente contadores de histórias como Grant Morrison – embora o resultado pareça muito mais pessimista e não tão inteligente do que qualquer coisa Morrison já escreveu. No fim, o anime acaba tentando parecer mais grandioso e complexo do que realmente é. Talvez seja porque o Cartoon Network, naquela época, não concordou com uma 3ª temporada. A série e seu plot haviam sido planejados inicial para além de 26 episódios, mas acabou recebendo apenas essas duas temporadas de 13 episódios – A Toonami era uma das produtoras, uma vez que o anime aparentava fazer mais sucesso na América do Norte do que no Japão.

A partir do momento que você começa a assistir The Big O, você percebe que não está em um ambiente típico de um anime. Isso não é necessariamente ruim, mas é muito perceptível as diversas inspirações ocidentais que a obra possui. Os designs de personagem lembram de Batman: The Animated Series com sua forte angularidade – os designs de rostos e corpos meio quadrados e os próprios personagens, literalmente espelhados em Batman: Roger é um negociador rico que age como detetive e que mora em uma mansão com um mordomo fiel. A série utiliza também de uma palheta de cores despojada, seguindo bastante a ideia da ficção científica com o estilo noir dos anos 30. Na verdade, Big O foi animado pelo mesma equipe da Sunrise que trabalhou em Batman: The Animated Series, por isso são as faces são angulares com os detalhes reduzidos ao mínimo – apesar de se parecer mais com Batman Beyond que também fora produzido no Japão.

O fato é que essa estética acabou sendo um dos charmes da série com o passar do tempo. Enquanto isso, as composições pontiagudas aparecem por todos os cantos da cidade. Sua ambientação relaciona a New York de muitos anos atrás, com tons de jazz tocando em momentos mais melodramáticos do cotidiano urbano enquanto as batalhas em si são mais orquestradas.
The Big O é uma tentativa que tenta homenagear conceitos, filmes e animes já proclamados em sua época, e acaba sendo, no fim das contas, apenas um amontoado disso tudo em um ambicioso plano de ação. Existem pedaços dos filmes de James Bond, The Truman Show, Dark City, Casablanca e incontáveis outras obras inseridas durante a série. Isso está em praticamente todo episódio. Outro problema da série é o excessivo uso de um deus ex machina na forma do Big O.

Roger descobre muita coisa, se mete problemas com alguns vigaristas ou mesmos vilões (que também remetem a Batman), e o mecha é sempre a opção final que salvará o dia. O robô surge do subsolo (mas sem nenhum ruído ou aviso, o que é difícil de explicar para um mecha de 10 andares) e salva Roger. E não importa em que situação Roger se encontre, Big O sempre tem os meios para tirá-lo dali, sejam lançadores de foguetes, lasers ou outros equipamentos que surjam do nada.

No fim, TBO é uma série de investigação policial com uma pegada de detetive e muita negociação, que dá passos mais largos do que a perna conseguiria ao seu final, mas que de algum modo, ainda vale a pena por sua ambientação e personagens. Ou mesmo, talvez, pelo simples fato de ser diferente. O que realmente faz a série funcionar a meu ver é que, apesar do que está sendo dito na narrativa nem sempre ser particularmente inteligente, é intenso. Big O usa o meio cinematográfico, seu imaginário está sempre no ponto, não apenas para refletir seus temas, mas também para fascinar o espectador, puxando-o cada vez mais para dentro da espiral de questões existenciais e mistérios kafkianos do programa. Nem todos os episódios funcionam, e como já dito, seu ato final é questionável – para não dizer problemático, mas ainda acredito que valha a pena. Obviamente, é preciso ter tolerância para tagarelice pseudofilosofia e uma exploração muito lenta de seus temas (principalmente no início), mas quando se pode aceitar essas coisas, encontrará em Big O uma série emocional, conhecedora de mídia e extremamente pessoal para explorar. Para os fãs de sci-fi e mechas, é um entretenimento.

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