Deca-Dence (2020) – Review

O primeiro filme de Detona Ralph, quando lançado, era quase o ideal platônico exato de uma direção que eu realmente não queria ver a animação da Disney levar. Era um filme fofo e, talvez, engraçado o suficiente, mas o que aconteceria se pudesse ser memorável ou bem concebido – na verdade, o que aconteceria caso se tornasse algo tematicamente consciente, e ainda generoso emocionalmente? Deca-Dence é a resposta na praça. Vocês ouviram isso corretamente, pessoal. Yuzuru Tachikawa, o estelar diretor e também o verdadeiro concebidor aqui, admitiu se inspirar no filme para o anime Deca-Dence.

Quanto mais eu quebro em minha mente essa informação mais ela faz sentido. Deca-Dence explora a historia de um mundo futurista, onde a população humana foi dizimada ao lutar contra misteriosas criaturas, os Gadoll. Seu mundo é uma farsa. Os Gadoll são criados para à diversão de ciborgues, que transformaram o mundo humano em um lugar virtual para suas jogatinas. As obvias semelhanças de diferentes concepções de uma “paisagem de meta-mídia”, onde personagens de franquias gamificadas se misturam em um espaço compartilhado, é o primeiro sino a tocar. Mas enquanto o filme da Disney funciona como uma comemoração às viagens entre os mundos e os direitos iguais dos indivíduos em seu espaço digital, Deca-Dence parece olha para um mundo assim e responder basicamente, “espera, essa horrível escravidão de marcas não é basicamente o futuro para o qual a nossa sociedade já está caminhando, tal qual em termos de nosso cenário de mídia em consolidação, quanto de nossas condições econômicas e verdadeira liberdade de mobilidade?”. Em vez de inexpressivamente ilustrar uma simples coexistência e as viagens livres entre os jogos, Deca-Dence aponta que os jogos são uma prisão; seus espaços de meta-jogo são uma prisão; as próprias pessoas que jogam os jogos de árcade, vivem em uma prisão.

Basicamente, Deca-Dence é um programa ótimo e vertiginoso, que pega tantas ideias quanto consegue segurar e as acompanha o mais longe e rápido que pode até explodir completamente. É uma das alegorias mais contundente, anti-nuançada e raivosas que o anime produziu em muito tempo. Tudo sobre a estrutura de camadas da serie serve como uma metáfora organizada para a própria prisão de nosso sistema, onde a energia emocional da classe baixa é consistentemente direcionada para longe das grades que realmente as prendem, e para um fanatismo sem sentido ou algum escapismo.

Está serie é ainda um sucesso brilhante de narrativa, mesmo longe de suas camadas maiores e adornos temáticos. A focado e clássica “jornada do herói” de Natsume, é simultaneamente eficiente, graciosa e comovente. O trabalho de diálogos com Kaburagi e Kurenai em todos seus momentos davam formas e vidas aos seus sentimentos. Mas é nosso conhecimento da natureza real de Deca-Dence (onde lutar contra esses monstros não faz sentido) que adiciona uma segunda camada rica para o drama do anime, virando de cabeça para baixo os tons habituais da “jornada do herói”, que podemos enxergar em algo como Gurren Lagann; toda a paixão juvenil de Natsume é feito para florescer como os gritos de Kamina e Simon em direção a vitória, mas não, tudo é guiado a uma direção que não mudará nada e que acabará por levar ao esgotamento ou à morte. O grito de “eu decido como viver minha vida!”, de Natsume, não recebe o direito de evocar inspiração, mas sim tragédia irrevogável.

As batalhas da serie podem ser uma das mais bem concebidas e elaboradas do ano, mas são confinados a um teatro que garante que elas não sejam menos do que sem sentido. Natsume voltada ao sol, indescritivelmente exausta e vendo todos os seus esforços terem sido anulados por uma nova frota de novos monstros, parecia um retrato em miniatura de 2020.

Deca-Dence transforma a jornada operacional e teoricamente otimista de Natsume em uma reflexão cansada sobre a futilidade da ação individual dentro de uma estrutura social opressora. Essas pessoas podem estar lutando, como é o caso de um herói como Kurenai, que apenas encontra algum senso de identidade ao lutar, mas elas ainda estão sendo moídas por um triturador afim de entreter as classes superiores; suas ações no fim são egoistamente filtradas e aprovadas, ou invalidadas, pelo o que melhor convém ao sistema. O que é principalmente verdade se você for um personagem fictício. O metatexto que isso permite é claro além de natural. Kaburagi após a morte do seu avatar descobre que “alguém interveio em sua sentença, para enviar nosso herói para as minas de escravos em vez do ferro-velho”. Apesar do quão obvio é, Kaburagi só permanece vivo porque as pessoas a par do roteiro, Tachikawa e Seko, permitem, e eles fazem isso porque acham que estaremos mais interessados na história dessa serie dessa forma.

Uma torre de interesses reveladores dita a vida desses personagens, mesmo no nível dos Gear, da mesma forma que a história de Natsume e os outros Tankers foi supervisionada de perto por Solid Quake. O ponto mais claro disso é o quanto disso é uma síntese do capitalismo. Só estamos “autorizados” a fazer o que quisermos a mando do valor que os responsáveis ​​encontrarem nisso, seja entretenimento ou utilidade. As experiências de Kaburagi no campo de prisioneiros tornam óbvio que esse é o caso. Os prisioneiros não devem ser reabilitados ou receber qualquer reeducação de verdade; eles unicamente cumprem outra função na mecânica da economia. Está em questão é uma situação irônica para Kaburagi se encontrar, é a situação mais presa que ele já esteve em um espelho próximo do sistema de Natsume. Nossos protagonistas, Natsume e Kaburagi, servem como uma ponte entre dois mundos oprimidos.

Nas profundezas das minas, a configuração é tão desesperadora e inevitável quanto a luta sem fim dos humanos contra Gadoll, e Kaburagi entende que seria uma traição ao ímpeto de Natsume se ele desistisse ali. A maneira como Deca-Dence descreve tal crescimento rápido-mas-sensível do personagem de Kaburagi em apenas seis episódios, todos alimentados por suas interações com Natsume, desde a escolha de continuar a viver por causa dela, a então adotar sua visão de mundo, é uma síntese do que torna este facilmente o show mais bem elaborado e narrativamente rico deste ano.

Ainda, a Revolução-de-Merda própria forneceu insights sobre a tentativa de rebelião contra um sistema como este. Deca-dence em sua segunda metade abre seu escopo de personagens, enquadrando como outros reagem ao viver em tal sistema, dependendo do grau em que sentem que estão sofrendo com isso. Tanto Turkey quanto Minato acabam decaindo completamente. A instância mais elaborada é Minato, que está se esforçando para cuidar de si mesmo e, supostamente, organizando a reinstituição total de Kaburagi, mas acredita que trair totalmente o sistema é impossível e, em última análise, perigoso. Ele vive uma hipocrisia cúmplice, suas próprias ações no serviço secreto de seu amigo efetivamente marcando-o como um “bug” como qualquer pessoa que se rebela em interesse de algo que não é o lucro da empresa seria, mas acredita que suas ações podem ser ocultadas o suficiente para evitar ter sua vida e relações mudando.

“Cada um por si” funciona aqui como um método de sobrevivência tacitamente encorajado porque nos desencoraja a nos unirmos aos nossos semelhantes para perceber o que podemos realizar quando nos tornamos maiores do que os nossos lideres. A incapacidade de um personagem como Minato de ver isso como parte do design de sua própria subversão, marca sua divisão final com nosso herói: Kaburagi abre em seu respectivo episodio sua percepção de que “o sistema é louco”, enquanto Minato insiste perto do fim do mesmo que “o sistema é ordem”. As pessoas sempre encontram maneiras de obter uma medida de segurança e controle das suas circunstâncias atuais; e se você não tem nenhuma confiança de que o sistema irá apoiá-lo quando você lutar contra ele, muitas vezes você se apegará desesperadamente a essa medida de segurança, a ponto de lutar ativamente para manter o próprio sistema.

Em comparação, Sarkozy parecia realmente acreditar, no fundo de um buraco de merda literal onde ele se encontrava, que sua vida não poderia melhorar, e qualquer tentativa de interrupção inevitavelmente tornará as coisas piores no geral. É outra mentira que todos nós fomos vendidos em um estágio ou outro, é claro, com o Sarkozy dando a volta por cima para pagar ao infeliz Turkey. As escolhas de Sarkozy e Minato não são nem de longe um reflexo de suas falhas pessoais, muitos outros fariam essas mesmas escolhas. Em qualquer estrutura governamental opressora como essa, sempre existe um medo persistente de que, se você sair da linha, acabará pior do que já é. Ironicamente, e não inocentemente (Deca-dence tem um controle e construção de narrativa inigualável) a atitude de Gears como Turkey e Sarkozy não está muito longe daquela a que Kaburagi fez no início da série, ao trair seus amigos e se entregar ao sistema – a tragédia é que eles não têm sua próprio Natsume, o tipo de bug que o mundo precisa para mostrar uma maneira melhor de seguir.

Apesar do que possa parecer, a narrativa de ação e aventura de Deca-dence nunca se sente arrastada pelos seus temas ambiciosos. É triunfante também como uma fantasia linda e épica que abraça e remonata tonalmente de novas formas o modelo de jornada do herói clássico, oferecendo uma narrativa em si que parece arquetípica, mas emocionante, à maneira de um Eureka Seven ou Gurren Lagann. A animação é incrível, para resumir. Tachikawa conseguiu reunir uma equipe de primeira classe no estúdio NUT – uma equipe tão diversificada e artisticamente rica que nunca aconteceria se não fosse cada virgula dos caminhos que Tachikawa percorreu em sua carreira, ratificando a alegação de quão único e dificilmente replicável é a existência desse show. O designer de personagens Shinichi Kurita, por exemplo, é um dos reminiscentes laços que Tachikawa fez em seus tempos de Bleach; ou o compositor de série de Mob Psycho, Hiroshi Seko. Mas não só isso, a natureza disruptiva para o anime de TV de Deca-Dence fez com que Tachikawa e o produtor-chefe Takuya Tsunoki estivessem fermentando o projeto por anos, antes de entrar em produção completa.

Artistas experientes e novos talentos, pessoas da indústria de anime e completamente independentes – obviamente, com as suas nacionalidades sendo tradas com completo desprezo – em busca de dar vida a um projeto ambicioso, Tachikawa e sua equipe não se importava com a formação de ninguém, desde que parecesse a pessoa certa para o trabalho. Os créditos de Deca-Dence acabaram por se tornar memes, uma vez que pareciam como se você estivesse percorrendo um feed de artistas do Twitter. O que é exatamente o que eles são. Deca-Dence fez com que artista que nunca trabalharam em qualquer produção profissional, trabalhassem entre alguns dos maiores profissionais de seu meio. (Quanto mais eu coloco isso em palavras mais isso cresce como um programa excepcional por qualquer métrica.) E os resultados de design artístico de Deca-Dence mais do que validaram esses ambiciosos esforços de recrutamento. Nossa heroína, Natsume, é amplamente vendida como uma heroína por meio de sua variedade de expressões enérgica e altamente divertida. Em vez de focar na fluidez do movimento do personagem, a atuação do personagem de Deca-Dence se inclina para a natureza angular dos designs do já mencionado Kurita, apresentando saltos selvagens de pose-a-pose. Cheio de fundos evocativos e vinculados a um senso de escala incrivelmente preciso, além de uma animação para ação que regularmente produz o tipo de movimento 3D que você geralmente associa apenas a programas CG, alcançando um ritmo frenético e desorientação dificilmente alcançáveis com uma equipe menos do que excecional – Deca-Dence é um triunfo também visual.

A dupla mais interessante que surgiu do monumental recrutamento aqui, foi o renomado designer de ciborgues Kiyotaka Oshiyama, e o artista conceitual Izumi Murakami. Muito parecido com Kaiba , os personagens exagerados de Oshiyama em um estilo Tezuka, parecem maleáveis ​​e infantis, enfatizando o conceito central do show enquanto também criam uma tensão dramática natural, conforme a escravidão e a violência brutal são representadas nessas criaturas simplificadas e infantis. A incompatibilidade de sua historia e design visual tem ressonância por si só, e é uma expansão de muitos dos comentários gerais da serie sobre o nosso sistema. Ver os visualmente infantis e doces ciborgues em coisas como literalmente sendo forçados a viver em uma fazenda de merda, removendo merda e definhando, sublinhava a contradição de sua natureza – assim como ocorre em nosso próprio mundo, os horrores de nosso sistema são constantemente envelopados em uma roupagem amigável e personalizável. Aqueles das camadas superiores desfrutam de uma interpretação comercializada do mundo em que habitam, o que efetivamente amortece/enfraquece nossa compreensão do sofrimento implícito por nossas conveniências diárias.

Deca-Dence é tudo sobre como o sistema nos desgasta de qualquer maneira que pode, mesmo em um ambiente gamificado projetado para lucrar conosco. Mas, no fim, sorri para nos e nos mostra que uma vez que nos soltamos e começamos a “jogar” para nós mesmos e nossa própria classe, podemos encontrar infinitamente mais satisfação em nossas ações e existência. Todas as coisas em nossas vidas são coisas pelas quais o sistema é responsável, mas isso não significa que podemos desistir e deixar que ele nos derrote. A evolução de tudo exige bugs – permutações inesperadas que forçam mudanças e adaptações e movimentos a diante, mesmo que um pouco.

A questão é: Deca-Dence tem muito em mente, sobre a pobreza, os direitos dos trabalhadores, a mercantilização da vida humana sob o nosso sistema, a insuportável merda da mídia, cultura pop burra das pessoas burras. Em suma, Deca-Dence tem um nível de ambição que não está presente na grande maioria dos animes, certamente não na grande maioria dos que ocupam o mesmo território. Tem um nível de criatividade visual, ambição temática e excentricidade performativa que são muito, muito raros, e mesmo quando não está funcionando da melhor forma, ainda parece mais vivo e vital do que a grande maioria dos animes modernos, mesmo em seus melhores momentos. Sou profundamente grato que um programa tão incansavelmente crítico de nosso estado econômico atual consiga existir, e que a equipe de Tachikawa consigo transformar tanta raiva e ambição em uma narrativa plenamente realizada em todos os níveis existentes. Deca-Dence é um completo triunfo de intenção temática, de dezenas de camadas e comentários.

Nota: 9/10


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