Akage no Anne e a glorificação do cotidiano

Ser amado incondicionalmente por sua mãe, ter um pai presente para te educar e lhe apoiar, fazer parte de uma família que irá potencializar suas vitórias e lhe dar a mão em suas derrotas, dividir lagrimas e sorrisos com que te trouxe a esse mundo. Infelizmente, essa não é realidade de milhões de órfãos que muitas vezes acabam passando por diversos traumas psicológicos e uma falta de perspectiva frente a uma possibilidade de nunca serem adotados, precisam de um auxílio profissional que os prepare para a vida lá fora, a qual em diversas situações é precarizada. No Brasil, sabemos que existe uma preferência no perfil para adoção, em sua maioria, crianças brancas, sem irmãos, sem deficiência física ou cognitiva e com baixa idade. E parece que no Canadá do século XIX também existe uma predileção, algo me diz que aparentemente uma menina feia, magra, sardenta, tagarela, sonhadora e com um cabelo de cor de cenoura não estava no padrão da época. Engraçado que foram justamente essas características que me fizeram amar à primeira vista a Anne Shirley, protagonista de Akage no Anne.

Meu primeiro contato com a obra foi com a série canadense, depois fui para a animação. Além do seu jeito excêntrico, o que mais me conectou com a personagem logo de cara foi sua luta por aceitação, dela só querer um lugar para chamar de lar; a sua frustração ao descobrir que não era a escolhida a ser adotada e que na verdade eles queriam um menino me emocionou profundamente. Vivemos em uma dura realidade onde um órfão está a todo momento buscando aprovação com medo de nunca ter sua própria cama para colocar a cabeça a noite, e foi principalmente esse gatilho inicial que me prendeu logo nos primeiros episódios da obra.

Akage no Anne é um anime adaptado do livro de romance Anne of Green Gables da escritora canadense Lucy Maud Montgomery. Foi produzido pela Nippon Animation como parte da World Masterpiece Theater e dirigido por Isao Takahata, a obra foi lançada de 7 de janeiro de 1979 até 30 de dezembro do mesmo ano, concluindo com um total de 50 episódios. Essa review, que contém spoilers, é baseada no anime.

Na história, conhecemos Anne Shirley, uma órfã de 11 anos que tem uma vasta imaginação e que adora se comunicar. Em uma reviravolta do destino, ela é levada para a casa dos Cuthbert em Avonlea. Os idosos Marilla e Matthew Cuthbert estavam procurando um menino para ajudá-los nos campos, mas eles ficam em choque quando percebem que a criança que chegou para eles é, na verdade, uma menina. O anime retrata a criação de Anne dos 11 aos 17 anos com seus encontros, separações e os rumos de sua vida nesse período.

O legado de Anne of Green Gables num Japão pós guerra

Quando o anime saiu, a obra original já era muito famosa na terra do sol nascente, esse foi um dos motivos da adaptação ter sido um sucesso instantâneo. O romance clássico chegou no Japão no início do século XX por missionários canadenses e foi traduzido pela primeira vez por um ex-aluno japonês de uma escola canadense durante a Segunda Guerra Mundial, mas só foi lançada em 1952. O impacto imediato foi tão grande que já no ano seguinte foi integrado ao currículo nacional do ensino fundamental no país. O estado socio econômico do Japão pós-guerra ajuda a entender tal fenômeno, a obra ressoou com as condições de vida da empobrecida população na época, e principalmente, com o estado das crianças, onde a Anne representou um símbolo de uma modernidade onde tínhamos crianças com mais voz ativa e que possuíam mais liberdade em suas decisões. Foi nesse lugar que os jovens se identificaram, ver uma criança com esse tipo de personalidade foi um choque numa sociedade tão conservadora e fragilizada pela guerra, e, ao mesmo tempo, os adultos viam que a Anne trazia valores importantes para a próxima geração, tal como a ética de trabalho em seus estudos, respeitar os mais velhos e amar a natureza.

Mesmo com o sucesso irretocável do clássico romance, para uma pessoa a obra passou despercebido, e quanto teve o primeiro contato, afirmou categoricamente que não daria uma boa animação, esse foi Isao Takahata. Quando a Nippon Animation solicitou que ele adaptasse, ele não sabia nada sobre o livro além da sua existência e de ser popular porque muitas vezes ele passava o olho em algumas cópias enfileiradas nas estantes das livrarias, e quando teve que ler por ofícios da profissão, teceu o seguinte comentário “um romance fascinante sobre o cotidiano de uma adolescente tagarela, mas é cheio de diálogos, carente de desenvolvimentos dramáticos e narrativos, portanto não é adequado para um projeto de animação.”

Após a pressão do estúdio e uma segunda leitura, ele resolveu encarrar o desafio com mais otimismo, mas agora foi a vez de outra pessoa não receber essa ideia com bons olhos, e esse foi Hayao Miyazaki, que ficou responsável como artista de layout, designer de fundo e animador para a sequência de abertura, trabalhando na obra nos primeiros 15 episódios. Os motivos de Miyazaki não estar satisfeito com esse trabalho vêm desde sua conturbada relação com Takahata por diferenças criativas, também por não ter se identificado com a personalidade da Anne como protagonista feminina, e até sua ambição de traçar voos mais altos (o qual, pouco tempo depois, fez O Castelo de Cagliostro).

Mesmo com a saída de Miyazaki, o show tinha que continuar. Contudo, vamos voltar um pouco no tempo. Entre 22 e 31 de julho de 1978, Takahata e Kondô, ao lado dos produtores Junzô Nakajima e Shigeo Endô, viajaram para Ilha do Príncipe Eduardo, província canadense, e lá eles tiraram muitas fotos, fizeram anotações e esboços da paisagem, roupas, arquitetura, ferramentas e do ambiente ao seu redor. Takahata e Kondô fizeram plantas da casa de Green Gables, tudo isso para capturar toda essência da obra e realizar uma reconstituição mais fiel ao material fonte original. Quando voltaram para o Japão, colocaram a mão na massa, os desenhos iniciais da Anne puxavam fortemente para uma estética shoujo, que estava na moda na época, mas o Takahata via esse estilo como algo negativo, e queria puxar para um design mais fiel — acabou que ele perdeu essa batalha. Após um processo de produção cansativo e desgastante, que teve que ter sua estreia adiada, pois o estúdio junto da maioria da equipe de Anne estava finalizando Mirai Shounen Conan, o anime finalmente saiu, e o resto veremos nos próximos parágrafos.

A mais pura e poética manifestação de vida

Essa abordagem focada nos mínimos detalhes e ao mesmo tempo trazendo essa produção com um trabalho mais “manual”, incorporando uma maior sensibilidade, rendeu ótimos frutos. A ambientação inerente a trama flui muito naturalmente para o espectador, você se sente naquele período histórico, é quase como Avonlea se comportasse como um personagem na obra. Um dos pontos que mais me chamaram atenção no anime foi o protagonismo da natureza e de como a passagem de tempo e as mudanças das estações do ano tiveram um papel fundamental no rumo da narrativa. A energia do verão, a esperança da primavera, a contemplação do outono e a incerteza do inverno. Cada troca de estação se mostra como um acontecimento o anime, muda a forma que os personagens reagem naquele mundo e até indicam um direcionamento no tom da animação. Isso se dá em como as longas árvores, as texturas cheias de vidas da grama nos campos, a onipresença dos animais e a forças das águas estão em contato constante com os personagens, e são agentes de mudanças dos mesmos nos seus desenvolvimentos. A potência direta e indireta da fauna e da flora se mantêm constantes do primeiro ao último episódio.

O espectro do drama histórico, da caracterização de uma narrativa de época, com essa linguagem de romance clássico, cheio de poesia e graciosidade, trazendo até algumas pitadas de uma atmosfera barroca pregada no renascentismo, é algo que o Takahata conseguiu adaptar muito bem das páginas para as telas. Tudo isso sem partir para um enfoque hiper realista e sem trazer o caráter épico e espalhafatoso desse período, até porque o grande mérito de Akage no Anne está em sua glorificação do cotidiano, trazendo vários capítulos episódicos em que temos “apenas” doses de 24 minutos dos personagens descobrindo mais um pedacinho daquele mundo. Em diversas ocasiões a obra usa um duplo olhar como referencial de toda essa exploração, que é tanto o da Anne, que está se deleitando conhecendo pela primeira vez cada riacho e folha de Avonlea e de Green Gables, mas que, ao mesmo tempo, é o seu olhar enquanto espectador, no qual tudo é novidade da mesma forma que é para nossa protagonista.

Faltam-me palavras para descrever o quanto é satisfatório um simples convite para tomar chá que a Anne faz para Diana. Um mero acontecimento como esse se torna um grande evento e você fica totalmente envolvido querendo saber se tudo ocorrerá bem, da tensão que é o episódio que a Anne tenta convencer a Marilla a deixar ela ir para o concerto pela primeira vez. Se engana quem acha que só porque muitos capítulos são episódicos que os acontecimentos não tem consequência (vide como o episódio 14 tem muito peso no 50 e no último episódio do anime) e os personagens não mudam (falarei mais disso lá para frente). Há uma linha cronológica e narrativa amarrando a série do começo ao fim, e embora isso seja muito importante, a obra não depende disso para resplandecer.

Cabelos flamejantes e um espirito romântico

A maior manifestação de carne e osso do que é a vida, de esperança, de carisma, de muitas dúvidas e poucas certezas, da mais pura apresentação de energia, com seu cabelo flamejante e língua inconfundível, incorporando um espírito sonhador que só pensa em almejar um amanhã melhor, é dela mesmo que estou falando, nossa pequena Anne Shirley. Ela nasceu em Bolingbroke na Nova Escócia, seus pais que eram professores se casaram logo cedo. Quando Anne nasceu, sua mãe a amou mais fervorosamente que montanhas e com mais ternura que os movimentos das ondas, todavia ela acabou falecendo de febre com apenas 3 meses após o nascimento da filha, e seu pai se foi 4 dias depois pela mesma fatalidade. Após essa tragédia, ninguém sabia o que fazer com a criança, ela acabou ficando com uma amiga da família, que era muito pobre e que tinha um marido alcoólatra. Anne serviu de babá e ficou cuidando dos dois filhos da mulher, eles eram apenas um pouco mais jovem que ela, foi então que o marido da mulher morreu atropelado por um comboio, e pela necessidade de ter uma boca a menos para cuidar, nossa ruiva foi abandonada. Por sorte, uma mulher cuidou dela devido à Anne ter talento com crianças. Essa mulher tinha oito filhos, quando o marido dela faleceu, Anne foi para um orfanato, mas ficou poucos meses devido à super lotação do local. Sua escolha então foi partir para outro orfanato, e lá ficou até ser adotada pelos Cuthbert.

A vida não foi fácil para a nossa pequena menina. De ter que lidar com o abandono, rejeição e com a solidão, num cenário que ela criava uma amiga imaginária que na verdade era o seu próprio reflexo no espelho para tentar minimamente preencher seu vazio interior, em que passava por diversas crises de identidade, com vergonha do seu corpo, da sua aparência e até do seu nome — quando foi adotada, ela pediu que a chamassem de Cordélia. Anne nasceu e cresceu em uma realidade em que ser do jeito que ela é se mostrava como algo esquisito, e é por isso que quando o Gilbert tira sarro do cabelo dela, isso a machuca tanto, abriu aquela ferida que ela estava trabalhando para cicatrizar, e que a machucou tanto no decorrer de sua vida.

Apesar de todas as adversidades, essa menina sardenta não perdeu seu brilho, sempre com seus devaneios transformando o simplório do dia a dia em algo magnifico, que em certos momentos nos causa uma reflexão enquanto individuo, como muitas vezes na aceleração da rotina não valorizamos os pequenos momentos. Anne dá valor a cada micro expressão de arte do seu cotidiano que para muitas pessoas é algo trivial, mas que para ela é um momento glorioso, ou melhor, romântico. O canto dos pássaros, os movimentos das ondas, a danças das pétalas, a correnteza do ar indo de encontro às árvores. Tudo para ela é repleto de significado, essa garota é uma exploradora de experiências.

É contagiante a potência de cada verso e estrofe proferido de seus lábios, ela nasceu para ter uma voz ativa, ela nasceu para ser ouvida. Mesmo que por vezes isso irrite alguns personagens na obra, a Anne sempre tem algo a dizer, pela sua personalidade detalhadamente expressiva, o que a ajudou foi que por muito tempo sua única companhia foi os livros. Ela se perdia nas viagens fantasiosas que eles proporcionavam, e isso potencializou sua imaginação, tanto que justamente no primeiro momento em sua vida que ela experimentou a aceitação e o carinho, ela o retribuiu muito maior para as pessoas em sua volta. Sim, ela é atrapalhada, se dispersa facilmente nas tarefas caseiras, troca baunilha por xarope quando vai fazer um bolo, ela acha que o mundo vai acabar quando algo não acontece do jeito que ela deseja, sem dúvidas a Marillia teve muito trabalho na criação e educação dessa menina, o que é compreensível, muita coisa ela teve que aprender do zero por causa de seu passado, mas essa imperfeição e o arco que ela percorre no decorrer do anime faz tudo valer a pena.

Muito além de uma personagem, muito além de uma protagonista, Anne Shirley é o epicentro narrativo e dramático da trama, tudo passa por ela, essa jovem de tranças está conectada com basicamente a jornada de todas os personagens, e até na ressignificação dos locais os renomeando, habilidade a qual é uma de suas principais características. Eu me impressionei pela forma como ela mudou Avonlea, aquela cidade nunca mais foi a mesma depois que ela pisou lá, e isso se mostra na prática com momentos como o do sentimento de maternidade despertado na Marilla e de como a Anne foi o quebra cabeça que faltava para dar sentido a sua vida e lhe afastar da depressão. Para o Matthew, sua garotinha é o que lhe dava forças para continuar seguinte em frente em sua rotina exaustiva de trabalho e lhe ajudou na sua sociabilidade; a Diana encontrou uma das amizades mais espontâneas e sinceras já vistas, casos como esses dá para ficar o dia todo falando.

Planetas que orbitam o sol

Apesar de quase todos os personagens terem seus caminhos entrelaçados com o de Anne, eles próprios possuem seus arcos individuais e conflitos pessoais. Marilla, por exemplo, é uma mulher forte, com um senso de responsabilidade impar e metodicamente organizada, ela cuida muito bem de Green Gables e da sua família, dominando os afazeres domésticos e conseguiu cuidar e dar uma educação de primeira para a Anne, ela que fez essa menina atrapalhada se tornar uma mulher, mesmo sendo rigorosa e dizendo não quando necessário. Do outro lado da mesma moeda temos o Matthew, um senhorzinho introspectivo que tem dificuldade de socializar com as pessoas que não estão em sua volta costumeiramente, principalmente com as mulheres, passa quase o dia todo trabalhando cuidando do campo e dos animais, é uma das atividades que traz sentido a sua vida, dá para dizer até que ele enxerga o mundo de uma forma bem particular, do jeitinho meigo dele.

O contraste dicotômico na forma que esses dois irmãos decidiram levar a criação da Anne é muito interessante de acompanhar. Enquanto o Matthew é mais carinhoso, fazendo as vontades da Anne e motivando suas aventuras, a Marilla cuida dela com mais disciplina, trazendo-a de volta para a realidade, ao mesmo tempo temos um lado que freia e o outro que acelera, e isso não poderia ser mais proveitoso na criação da Anne. Não dá pra falar dos personagens do anime sem citar a Diana, uma menina doce, super alegre, boa filha e boa irmã, com um correto senso de justiça, muito amiga e companheira nos momentos fáceis e difíceis, sem dúvidas é a amiga perfeita. E assim ela foi com a Anne, mesmo que em algumas situações ela não consiga sentir e entender alguns gatilhos da Anne, por ter tido uma realidade de vida bem diferente, ela sempre está do seu lado lhe dando apoio, essa amizade é uma das partes mais lindas da obra.

O ponto que eu categoricamente não gostei no anime, e que talvez seja o único um pouco mais relevante que vale a pena ser levantado, tem nome e sobrenome, e se chama Gilbert Blythe. Não por culpa do personagem em si, que conseguiu extrair muito com pouco, e sim da forma que foi percorrida seu arco de desenvolvimento, com a conclusão da história nós sabemos pouco sobre ele, quais são seus anseios, seus sonhos, do que ele mais gosta de fazer, suas vulnerabilidades, e o pouco que sabemos é porque sua trajetória está interligada com a da Anne. Desde o começo foi dada muita pouca voz a a esse personagem, por exemplo, só nos últimos episódios que descobrimos que sua família é pobre e que por isso ele não vai poder ensinar numa das grandes escolas da cidade, o que era seu grande objetivo de carreira. Esse é um ponto que poderia ser melhor trabalhado logo no inicio para que esse acontecimento no final tivesse mais peso, acabou que o anime deu mais importância em como isso impactou a Anne do que o próprio Gilbert. A Anne experimentou todos os possíveis sentimentos ao longo da trama, menos a paixão, por uma própria escolha de roteiro, de sustentar essa briga dela com o Gilbert por tanto tempo. Chegou num ponto que era apenas uma implicância infantil. Não vou mentir, meu coração ficaria um pouco mais aquecido se tivesse mais cenas dos dois juntos.

Amadurecimento e aprendizagem

Se o anime inteiro fosse apenas contos das experiências corriqueiras da Anne mostrando a exploração do mundo de Avonlea e as experimentações de até onde sua imaginação consegue chegar, eu já estaria bastante satisfeito, mas o anime não abraça a zona de conforto e vai além, com a conclusão da obra eu consigo encarrar Akage no Anne como um produto realístico da maturação da vida contemporânea, com todo o amor e dor que esse significado carrega. A partir do episódio 30, a animação vai perdendo um pouco seu lado “infantil” e de uma abordagem aventuresca e descompromissada, e algumas temáticas da adolescência e da entrada na vida adulta vão sendo incorporados ao roteiro, tudo isso num processo gradual, até porque, os anos vão passando, e os personagens vão amadurecendo e evoluindo, e quando o espectador se dá conta, a Anne está da mesma altura da Marilla, fica esse sentimento de “minhas crianças cresceram”.

Essa mudança de abordagem não se dá apenas porque os personagens estão ficando mais velhos, até porque são infinitos os exemplos de obras que vemos uma longa passagem de tempo que não interfere tanto no status quo padrão presente na animação, em Akage no Anne acabamos indo mais a fundo até chegar numa mudança de tom, da direção em que a narrativa está sendo contada. O uso de flashback se torna mais recorrente para comparar momentos atuais com do passado, incorporando um enfoque nostálgico para o anime, as incoerências naturais da realidade fixadas no plano material começam a bater na porta dos personagens. Vemos eles planejando seu futuro e com anseios do rumo profissional que querem seguir, possibilidade de morar longe de quem os criou, momentos cruciais para se preparar para um vestibular, junto de toda pressão que essas escolhas acarretam.

A personagem que mais cresceu na obra, no sentindo figurado e literal, não poderia ser outra, entrando na adolescência nossa protagonista ficou mais alta, mais bonita e se livrou das sardas, contudo sua principal mudança foi durante sua curva de aprendizado. Mas não pensem que foi fácil, um dos grandes choques de realidade em sua vida foi na primeira briga que ela teve com a Diana, pois ela está amadurecendo e não vê mais com bons olhos essa atitude de querer ficar sonhando e imaginando, além dela ter externado que deseja se casar um dia, isso acabou machucando a Anne, pois ambas tinham prometido na infância que nunca se casariam pela amizade delas. Demorou um pouco, mas elas se entenderam, contudo, sempre que a Anne falava do sonho que a própria almejou de ver as duas seguindo a carreira de professora juntas, a Diana ficava desconfortável, precisou da Mariila contestar ela se era isso que a Diana queria, se ela ouviu a opinião dela em consideração ou decidiu por si própria, foi então que a Anne percebeu o quanto egoísta ela foi e o quanto ela estava apagando a Diana com isso. Ela se tocou que a amizade delas poderia continuar e não se enfraqueceria mesmo que ambas seguissem rumos diferentes na vida, e quando ela pediu desculpas para a Diana, elas se emocionaram e perceberam que a amizade ficou mais forte ainda depois disso.

A partir desses acontecimentos, começamos a ver uma outra Anne, uma jovem focada nos estudos e que encontrou na profissão de professora o sentido de sua existência, que muitos mais de apenas saber fazer as tarefas diárias de casa, ela agora tem asas para traçar voos maiores. Pela primeira vez em sua vida tem mais confiança e orgulho de si mesma, passando por uma transição de primeiramente negar sua identidade e aquilo que faz quem ela ser o que é, dizendo que não é adequado uma jovem da idade dela perder tempo imaginando, até ela perceber, com a ajuda do Matthew, que é essa personalidade impar que fez ela chegar até onde ela chegou. As pessoas a amam pelo seu jeito único, e mesmo após garantir conquistas relevantes em sua vida, como lugar numa escola de destaque e uma bolsa para faculdade, ela não esquece da sua origem nem abandona as pessoas que ajudaram a trilhar esse caminho.

Todos os personagens evoluíram no decorrer da trama, um dos exemplos que mais me marcou nesse sentido foi quanto a Anne e suas amigas deram adeus ao clube de história, que era um grupo que elas se reuniam para criar histórias fantasiosas das coisas que elas gostavam, mas chegou num ponto que elas não se interessavam mais por isso e o clube as estavam atrapalhando. As modestas garotas de Avonlea estavam crescendo e se ocupando com outras atividades mais importantes em seu dia a dia, mesmo assim não foi uma despedida fácil, pois elas se tocaram que o mais importante daquele clube não eram as história que elas elaboravam, e sim o tempo que passavam juntas. Era o momento de conversar sobre assuntos femininos e dos laços que as mantiveram juntas, sendo que elas não tinham mais tanto tempo de se encontrarem, por isso foi tão angustiante acabar com o clube.Se engana quem pensa que as crianças foram as únicas a passarem por um arco de desenvolvimento. Teoricamente, é mais natural ver essas mudanças em personagens que estão atravessando um período mais metamorfo de suas vivências, por isso que aplicar essa evolução com um senhorzinho e uma senhorazinha tem muito mais mérito, e assim o Takahata fez. Matthew começou a ter um olhar mais reflexivo da vida, contemplando mais o pacato, começou a trabalhar sua fobia social muito por causa da Anne. Já com Marilla, sua rigidez e cobrança característica em cima da Anne deu lugar a uma sentimentalismo nostálgico, ao mesmo tempo admirando aonde sua garotinha conseguiu chegar e lamentando no seu âmago que chegou a hora dela partir, tanto que a solidão começa a tomar conta de si. Sempre nos finais de semana que a Anne tem tempo de voltar a Green Gables, é um acontecimento mega especial para esses dois irmãos, a Marilla faz uma comida gostosa e diferenciada, o Matthew compra algum presente pra ela, nossa ruiva favorita marcou eternamente o coração e a mente desses dois irmãos.

A morte não é o fim, é o recomeço

O tempo passa para todo mundo, e ele costuma ser cruel com algumas pessoas. Com o anime se encaminhando para sua conclusão, nós descobrimos que os Cuthberts estão com problemas de saúde. Matthew está com o coração fraco e vem tendo minis infartos, já as dores constantes de cabeça da Marilla vêm aumentando, até ela descobrir que é por causa da sua visão. Ficamos sabendo também de um rumor que o banco que estava todo o dinheiro deles está correndo risco de falir. Os momentos de maiores tensões em que o destino dos personagens e da narrativa estão em jogo foi nessa reta final, até que, no episódio 47, o Matthew morre. Ele foi o que mais defendia que não devia tirar o dinheiro da poupança, até porque seu pai era muito amigo do dono da instituição, e quando ele leu num jornal que o banco faliu, seu coração não aguentou.

A maior tristeza não foi apenas a partida do Matthew, e sim como e quem ele deixou para trás, a pessoa que mais ficou arrasada não poderia ser outra, Marillia ficou sem chão e chorou copiosamente. Já a Anne perdeu toda sua luz e ficou com um vazio que parecia interminável, tanto que sua primeira lagrima só veio quando ela lembrou o que o Matthew tinha dito pra ela antes de falecer (vou deixar no final da review), a partir dai ela não conseguiu parar de chorar, só quando a Marilla subiu e se declarou pra ela. A pobre Anne teve um certo conforto em sua alma com Marilla dizendo que não saberia o que faria se ela não estivesse ali, nossa senhorazinha nunca teve jeito pra se abrir e falar dos seus próprios sentimentos, o luto a ajudou a entender melhor a si mesma. Ela diz que embora tenha sido dura com a Anne, ela não quer que ela nunca duvide, nem por um segundo, que ela foi a melhor coisa que aconteceu em sua vida, e que sempre a amou, e sempre vai amá-la, que agora são as duas juntas, para o que der e vier.

Diante de todo esse cenário de dor e dificuldade, apareceu um risco real delas perderem Green Gables por não terem dinheiro e pela Marilla ter a possibilidade de ficar cega no futuro, a Anne então decide abandonar a bolsa pra ensinar na própria Avonlea e ficar próxima da Marilla. Uma decisão corajosa que teve julgamento de muitas pessoas, afirmando que ela estaria prejudicando seu futuro com essa decisão, mas para a Anne o mais importante é servir de porto seguro, para alguém, que sem exageros, lhe deu uma nova vida e um motivo para sorrir. Mesmo após alguns acontecimentos dilacerantes, elas ainda têm uma à outra. Nos últimos momentos também vemos a Anne enfim conseguindo se acertar com Gilbert, com uma possibilidade de relacionamento no ar, e tudo isso na cidade que a fez renascer, talvez se paramos para pensar um pouco, permanecer nela por um tempinho a mais não vai ser tão ruim assim.

Akage no Anne nos mostra o valor da resiliência perante a convivência com o luto, instabilidades financeiras e problemas de saúde invariavelmente vão aparecer em sua vida. E mesmo não sendo garantias para resolver as incoerências do amanhã, esse processo de autoconhecimento e de você procurar apoio nas pessoas importantes em sua volta são pilares que lhe ajudam a seguir em frente. O anime me ajudou a relembrar todo brilhantismo que existe em você alimentar seu lado sonhador e imaginativo, deixando claro que essas características não são sinônimos de infantilidade ou falta de seriedade, vislumbrar um futuro melhor, aproveitar cada micro momento do agora, sair um pouco do módulo sufocante da internet e ir experimental sensorialmente as melhores coisas que o mundo te dá de graça são apenas algumas conclusões que eu tiro ao chegar no último episódio. O sorriso da Anne que esbanja espontaneidade, sua alegria radiante ao nomear o bosque perto de sua casa, sua emoção ao ser acolhida e de após perder aqueles que a lançaram ao mundo, ter a oportunidade de ter um pai e uma mãe novamente, isso sim não tem preço, e são ensinamentos e sentimentos que eu vou carregar pelo resto da vida.


Agradecimento especial aos apoiadores:

Victor Yano

Danilo De Souza Ferreira

Apolo Dionísio

Essas pessoas viabilizam o projeto do site e podcast HGS Anime. Se você gosta do que escrevemos e publicamos, e gostaria que continuássemos mantendo esses projetos, por favor considere nos apoiar na nossa campanha PicPay, nossa campanha Apoia.seou doando um PIX para hgsanime@gmail.com.