A esplendorosa temporada final de Mob Psycho 100

Surgindo em 2016, um ano após do lançamento incrivelmente popular anime de One Punch Man, a adaptação de Mob Psycho 100 acabou provando que as ideias e características que fizeram o ONE se tornar um autor tão proeminente e respeitado dentro do nicho não foi um mero golpe de sorte. A 1ª temporada do anime aplica esse humor satírico sobre as obras de battle shounen no gênero do slice of life, atrelado a uma trama coming of age de uma forma inusitada, mas sem deixar de ser autentica e intrigante. Ela usa o cenário de um universo repleto de paranormais super poderosos como espertas metáforas para explorar temáticas como crescimento, maturidade e auto aceitação, conseguindo se desvencilhar totalmente do seu predecessor ao assumir um tom bem mais introspectivo e focado em estudos de personagens, mesmo sem abdicar da irreverência e do bom humor.

Mas foi na 2ª temporada, em 2019, onde foi possível ver todo esse conceito trabalhado e refinado em seu potencial máximo. Ela foi a constatação definitiva da exímia habilidade do ONE como autor. Sua abordagem contemplou ricos, complexos e profundos arcos de desenvolvimento através do Reigen e do próprio Mob, além do imenso talento de toda a staff envolvida na produção ao conseguir criar cenas de ação completamente frenéticas, apoteóticas e megalomaníacas. Muitas sequências que diversos battle shounens por aí sequer sonhariam em ter, e, ao mesmo tempo, singelos, poéticos e poderosos clímax emocionais nos momentos mais reflexivos e sentimentais. O resultado foi sem dúvidas uma das adaptações mais ambiciosas, incríveis e ousadas de toda a década passada.

Dessa forma, nem preciso dizer que as expectativas para esta 3ª temporada eram altas, eu constantemente me questionei se esta temporada final conseguiria fazer jus a série após uma temporada tão incrível como a anterior. E a resposta é que… Sim. Felizmente, a 3ª temporada de Mob Psycho 100 prova que a obra ainda tinha espaço para expandir os seus temas e agregar ainda mais ao conjunto como um todo.

Dito isso, tenho que ser sincero que a temporada começa de uma forma um tanto morna. Os dois primeiros episódios são histórias cotidianas isoladas que antecipam os arcos principais, o que a essa altura é algo bem tradicional em Mob, mas que infelizmente apenas parecem reciclar piadas e ideias da primeira temporada. Isso pode gerar um sentimento de mesmice que não empolga muito. Por mais que estejam longe de serem ruins, não chegam nem perto do nível do incrível episódio de estreia da 2ª temporada, por exemplo. Felizmente, isto é contornado no episódio 3, não apenas pelo humor estar mais inspirado, com a piada do “Chad Mob” sendo bem hilária, mas principalmente por ser a introdução daquele que seria um dos meus arcos favoritos dentre toda a série até aqui. O foco e desenvolvimento em cima do Ekubo é aproveitado para tecer um ótimo, esperto e crucial comentário social sobre religião, crença, alienação e principalmente fanatismo com a típica qualidade que você esperaria de Mob Psycho.

Este arco parece menos como se eu estivesse vendo uma obra de slice of life ou ação, mas sim uma obra de terror psicológico como os filmes do Jordan Peele ou Ari Aster como Corra! ou Hereditário. Após a aparição do líder da árvore divina, uma atmosfera estranha e incômoda cresce gradualmente cada vez mais a cada minuto que passa, chegando no nível de fazer o espectador ranger os dentes e ficar na ponta da cadeira do início ao fim dos episódios. Especialmente pelo imenso senso de tensão e paranoia que se instaura quando se nota que a lavagem cerebral atinge as pessoas de uma forma silenciosa e sutil. A mudança de dimensão que isto toma só fica perceptível quando já é tarde demais, com toda a cidade ficando completamente a mercê da seita, com exceção do Mob. Isso cria uma atmosfera completamente aterrorizante e desconfortável, sem nem sequer recorrer ao uso de recursos tradicionais como sangue, violência extrema ou jumpscares.

Isso se deve principalmente pela escrita ser incrivelmente afiada, mostrando passo a passo, o surgimento e crescimento de uma seita de fanáticos religiosos dentro uma sociedade, sustentada por espertas metáforas e ótimos diálogos. Como as raízes da “árvore divina” lentamente se infiltrando na cidade; as distribuições dos produtos advindos dela ou as pessoas podendo se aproveitar de algo aparentemente inofensivo para manipular as massas. Ekubo fala que, para alguém se tornar adepto da religião, não seria sequer necessário todas as pessoas passarem pela lavagem cerebral. Muitos deles entrariam através do efeito manada pela vontade de continuar sendo aceitos e de não serem excluídos de seu círculo social ou no próprio senso de conformismo e passividade assumido pelo Reigen quando ele desiste de tentar destruir a árvore com o Mob devido ao medo de uma possível represália por parte da seita.

O anime mostra de forma super incisiva que qualquer um pode fazer parte desta horrível engrenagem sem nem sequer perceber, já que a partir do momento em que se banaliza ou se lava as mãos perante o perigo desses grupos, o caminho fica aberto para eles se fortalecerem e crescerem ainda mais. Mesmo indiretamente. E considerando tudo o que estamos passando agora com fanatismo político, estes episódios se tornam ainda mais chocantes e perturbadores por quão relevantes e certeiros soam. Especialmente ao lembrar que esse grupo era inicialmente uma mera piada na 1ª temporada, mas que se transforma no que é mostrado agora, adicionando mais uma camada ao assunto.

Todo esse cenário acaba se conectando de forma sublime ao trabalho de personagem do Ekubo no episódio 6, que nos entrega o primeiro grande clímax emocional da temporada. Finalmente é revelado as reais intenções e desejos do Ekubo ao mostrar que essa imensa vontade de ser venerado e idolatrado por uma multidão era alimentada por um constante sentimento de solidão. Isso reforça essas temáticas mais existenciais presentes nos arcos de desenvolvimento de Mob Psycho 100 de uma forma muito agradável e culminando na virada sobre a árvore divina ganhar vida própria e na grande batalha que serve como a redenção do Ekubo a respeito de toda essa situação criada por ele mesmo.

O mais louco é pensar que mesmo o episódio contendo uma inacreditável sequência de luta, com uma animação e direção super colorida, vivida, explosiva e eletrizante, feita para mexer com os seus sentidos, os momentos mais poderosos e impactantes acabam sendo as cenas mais simples e contidas como a devastadora cena da despedida. A cena de Ekubo hipnotizando o Mob para ele sair da árvore é muito triste, partindo completamente o seu coração. A cena final com o Mob deitado no colchão absorvendo o fato de que Ekubo se foi é muito singela, e no contexto do episódio se torna basicamente o soco de nocaute em um episódio já emocionante carregado, se tornando um facilmente um dos melhores da série.

Os episódios 7 e 8 criam o mini arco do clube de telepatia que é bem legal. A revelação do antigo membro do clube de fato ser um telepata e toda a sua história de abdicar dos seus poderes que é bacana, e a típica mensagem otimista e calorosa de aproveitar o agora enquanto pode durante a busca dos OVNI também. O arco contém o típico bom humor e irreverência que impede a narrativa ou os diálogos se tornarem piegas ou melodramáticos, especialmente no contato com os alienígenas, o que cria uma atmosfera estranhamente adorável e fofa. Além da sequência final do Inugawa sendo esquecido na nave e vivendo com os aliens, disparada a cena mais louca, experimental e excêntrica que eu já vi em toda série, sendo super divertida e inusitada.

Com isso chegamos finalmente no arco final, que basicamente se torna a grande representação e síntese de tudo aquilo que fez Mob Psycho 100 ser uma obra tão fascinante e ótima desde do seu início. ONE usa esse cenário de absoluto descontrole do Mob perante aos seus poderes para amarrar as pontas soltas e entregar uma conclusão definitiva ao arco do Mob, também usando a série de lutas para colocar à prova todo o desenvolvimento dos personagens secundários até aqui.

Os confrontos de Hanazawa, Suzuki e Ritsu criam passagens e momentos que se tornam incrivelmente simbólicos e significativos para a composição daqueles personagens até este ponto. E isso se deve muito pelo ONE parecer ter tanta noção e conhecimento da estrutura e dos mecanismos presentes em obras de battle shounens, ao ponto dele pegar essas características e recursos e resignificá-las através de outros contextos e abordagens. O resultado é um arco que possui o tom épico, intenso, urgente e decisivo de um final de battle shounen, mas com camadas, nuances e a sensibilidade típicos de um drama coming of age.

A revelação sobre o que de fato era o “???%” presente dentro do Mob é um bom exemplo disso. Enquanto em outras obras, esse “lado negro que gera um poder descontrolado” é causado geralmente por um fator externo, como a Kyuubi de Naruto, o Sangue Negro do Soul Eater, os dedos do Sukuna em Jujutsu Kaisen e por aí vai, aqui isto é algo intrínseco do próprio Mob. O “Real Shigeo Kageyama” pode ser uma metáfora para diversas interpretações. Seja o ego do Mob ou essa rejeição de aceitar a si mesmo, o que pode acabar levando a um ponto de ruptura, ou a minha interpretação pessoal de ser uma metáfora para doença psicológicas como depressão ou bipolaridade. A decisão do Mob de conter qualquer mínimo sentimento após o trauma com o acidente do Ritsu fez com que essas emoções chegassem a um nível no qual elas não pudessem mais ser contidas, consumindo ele por completo e o transformando em algo diferente do seu “antigo eu”. Mob criou uma enorme barreira impenetrável que lhe afasta e fere qualquer pessoa que tente se aproximar dele, justamente por não conseguir mais ter o controle pleno de suas emoções.

E não por acaso que a grande resolução para este conflito é exatamente o momento em que o Reigen finalmente decide ser honesto com o Mob e falar que ele sempre foi um charlatão e nunca teve poderes paranormais, mais uma cena que possui um enorme peso para a série. A cena fecha o seu arco de desenvolvimento de forma sublime, ainda mais após tudo o que foi construído na 2ª temporada. No fim das contas, Reigen, assim como Mob, também tinha imensa dificuldade de se aceitar como era, criando esse maravilhoso paralelo com o estado atual do protagonista. Além de que todo o discurso de Reigen é muito belo, tocante e poderoso, fazendo com que seja muito difícil não ficar comovido. Assim como o epílogo após toda a luta, que demonstra finalmente todos os personagens seguindo com as suas vidas, trazendo uma aura muito calorosa, otimista e esperançosa que só faz que você ainda fique mais feliz por todo o crescimento que esses personagens passaram ao longo de toda série.

Acho que não tenho nada mais a dizer além de que este foi um encerramento muito digno e a altura de uma série tão boa quanto Mob Psycho 100. Por mais que a 2ª temporada ainda seja a minha favorita de toda a série, pelo enredo ter sido mais consistente e pela produção ter sido mais ambiciosa, não muda o fato de que muitas das cenas mais emocionantes, catárticas e definitivas de toda a série residem nesta temporada final. Tanto o ONE quanto toda a staff do anime fizeram questão de continuar experimentando e arriscando novas temáticas e estéticas até os seus momentos finais, algo muito admirável. Ainda mais quando era tão fácil ficar na sombra da temporada anterior e apenas entregar o mais do mesmo que todo mundo esperaria ver. A escrita continuou afiada e incrível como de costume, assim como a sua produção, expandindo e amarrando todas as criativas ideias inseridas desde do seu início e se afirmando sem dúvidas como uma das séries mais autênticas, memoráveis e fascinantes surgidas na década passada. Fabuloso.


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