O ser humano e a tecnologia em Do It Yourself!!

Do It Yourself!!, a qual eu irei chamar apenas de DIY daqui para frente, mostrou-se mais uma grata surpresa da recheada temporada de outono de 2022 — sendo mais um desses bons slice of lifes com um cast de personagens femininas fazendo alguma atividade. Neste caso, e o nome meio que já entrega a informação, estamos falando de um anime sobre “faça você mesmo”, referindo-se a montagem de objetos e acessórios, o uso de ferramentas para tal, o trato com diferentes tipos de materiais e todo tipo de coisa que certamente é útil para quem não quer ou pode comprar algo pronto ou pagar alguém para fazer. Tendo a experiência que tenho com o gênero, posso afirmar que tópicos interessantes (ou não?) assim não são novidades nesse nicho, me lembro, por exemplo, de Koisuru Asteroid, que não só falava sobre astronomia, como também falava um tanto sobre geologia. Ou então Urara Meirochou que era focado nas diferentes formas de adivinhação, tal qual tarô ou kokkuri. Sob esse prisma, DIY é mais um dos vários slice of lifes temáticos que existem por aí e ele assume essa identidade o tempo todo, adotando um já familiar estilo narrativo e de escrita que estamos familiarizados, o que pode ou não ser um fator relevante para a sua experiência.

Entretanto, DIY se sobressai em um aspecto que a maioria dos outros slice of lifes não tem a sorte de se destacar, que é na sua produção. A direção, a direção de arte, o design, a coloração e a fotografia do anime são muito expressivas e dão uma cara até que especial para a obra. É um estilo de arte visualmente mais simples, mais leve e agradável de assistir. Aliás, tudo na obra é pensado para funcionar nessa tonalidade, até mesmo a trilha sonora ou o humor da obra são super suaves, deixando toda a experiência bem harmônica caso esse seja o tipo de anime que te agrada.

Esse tipo de anime, voltado para gerar uma experiência relaxante ou positiva, é um subgênero do slice of life conhecido como “iyashikei” (癒し系, que significa “cura”). Dentro dessa proposta, DIY se sai muito bem, principalmente porque toda essa passividade narrativa não implica necessariamente que a obra precise ser rasa ou monótona, DIY tem suas doses de mensagens e tópicos abordados que conversam muito com os tempos modernos. Claro, o debate aqui não será intenso ou conflituoso, mas sim bem amigável e também funciona dessa forma, já que a profundidade pode existir em diferentes formas. Essa é a graça da arte, afinal.

“Faça você mesmo”, esse é um tópico até que bastante popular na ala de criação de conteúdo para a internet. A famosa utilidade pública. Você saberia montar uma prateleira? Um banco? Talvez uma casinha para seu bichinho de estimação? DIY foca um pouco em mostrar o passo a passo de coisas assim, mas a verdade é que até mesmo a atividade em si é tratada como algo secundário. A grande intenção de DIY está em mostrar o valor por trás desse tipo de atividade. Principalmente pelo subtexto que há no anime sobre a tecnologia, mais especificamente a automação das coisas, em contraste com a construção manual.

Os elementos que talvez mais evidencie essa temática são as duas personagens principais, Serufu Yua e Miku Suride (Ou Purin, para os mais íntimos). A Serufu, representando o trabalho manual, está sempre coberta de curativos, vai para a escola de bicicleta, segue a vida no seu ritmo natural e, assim, é relaxada. A Miku, representando a evolução tecnológica, está sempre ocupada com o próximo trabalho escolar, tem dificuldades de socializar e, assim, pouco aproveita os prazeres da vida. Uma piada do próprio anime é o fato do nome da protagonista ser “Yua Serufu”, que soa praticamente idêntico à palavra “Yourself”, ou “você mesmo” em português, fazendo ilusão ao título do anime e a toda a mensagem por trás da obra. Mas o que poucos talvez tenham notado é que Miku é escrito como 未来, cuja leitura mais comum é “Mirai”, ou “futuro” em português. E Suride usa os kanjis 須, 理 e 出, que significam “inevitavelmente”, “lógica”/”razão” e “saída”, respectivamente. Mas afinal, o que podemos tirar disso? Bom, senta que lá vem história.

As duas amigas de infância tem uma relação conturbada. Quando crianças viviam grudadas, mas foram se afastando antes de perceberem. Purin não consegue ser honesta consigo mesma para reatar esse laço com a Serufu, enquanto a Serufu não consegue acompanhar a Purin. As duas são separadas no ensino médio ao entrarem em duas escolas irmãs, onde uma é tratada como a escola “superior”, focado nos avanços tecnológicos, enquanto a outra é mais à moda antiga. Já dá para notar um padrão, né? A obra demonstra de várias formas essa barreira que separa a criação por mãos humanas, o efeito social disso e como a tecnologia pode afastar a humanidade de si mesmo. Pois afinal, a tecnologia pode oferecer incontáveis praticidades no nosso dia a dia, mas jamais conseguirá substituir a essência das coisas que só os humanos, falhos e imprevisíveis, podem criar.

DIY não busca demonizar a tecnologia, longe disso, mas sim apontar a necessidade de se parar e olhar para trás, para que a tecnologia (Miku) possa se reconectar com o ser humano (Serufu), onde nossos atos sejam nossos e não uma máquina ocupando o nosso lugar. Dá até para ir além, visto que mesmo com os avanços tecnológicos, ficamos ainda mais atolados de trabalhos, porque a tecnologia também vai constantemente aumentando a produção em massa. Mas isso é assunto para outro dia, visto que o foco de DIY é mais no aspecto social da coisa.

Em termos de personalidades, eu diria que o elenco de DIY é bem padrão. Cada uma se encaixa em um estereótipo comum desse tipo de anime. A avoada, a tsundere, a tomboy, a tímida, a energética. Mas narrativamente falando, todas elas também se encaixam muito bem no que o anime quer passar adiante. Oras, usando tudo que falei nos dois parágrafos acima, dá para acrescentar a posição de cada uma nesse grande tópico. Na Takumi que consegue começar a socializar e mesmo se expressar através do trabalho manual, ou na Kokoro que, apesar de inteligentíssima, não vê lugar para ela nesse universo tão frio da tecnologia e se encontra no clube de Faça Você Mesmo. O que dizer a Jobko, rica e genial na área tecnológica, mas que vê a felicidade nas memórias da sua falecida mãe, com quem ela fazia trabalhos manuais junto quando mais nova. Tenho certeza que muitos de vocês já passaram por algum momento na vida onde trabalharam manualmente em alguma coisa, com alguém querido, que se tornou uma memória afetiva. Não é só os momentos que passamos juntos, mas o que construímos (ou tentamos construir haha) nesse período, os sentimentos que colocamos ali são eternizados naqueles objetos, naqueles lugares. Essa é a beleza de DIY, porque aquilo que criamos, até mesmo sozinhos, para alguém ou para nós mesmos, carregam memórias e emoções que são pertencentes somente a nós mesmos e isso é algo que a tecnologia talvez jamais consiga replicar.

DIY é realmente um anime simples, um slice of life de garotas fazendo alguma atividade específica. E eu particularmente acharia um anime bacana mesmo se fosse apenas isso. Eu estaria mentindo se dissesse que as personagens são super bem trabalhadas ou que tem uma trama relevante por trás, mas esses seriam empecilhos até a página dois. Afinal, artisticamente falando é um anime bem diferenciado e é divertido de assistir. Porém, através desse simples, ele consegue tocar no complexo que são nossas reflexões como seres humanos. Isso é, não será algo que o anime ficará tentando esfregar na sua cara o tempo todo, mas estará sempre lá como um tema de fundo e isso se estende até o nome das personagens. Miku Suride nos diz através do próprio nome: O futuro é inevitável e a lógica será priorizada acima da emoção, ou da humanidade. A tecnologia é funcional, no fim das contas. Acho que é um caminho que será trilhado quer queiramos ou não. E então? Bem, nos resta valorizar os momentos em que podemos usar nossas capacidades únicas como seres humanos para criar, nos expressar e, porque não, socializar através disso. Essa é a mensagem de DIY para nós. Ainda podemos fazer e criar vivências com as nossas próprias mãos, então que tal? Façamos nós mesmos!

Agradecimento especial aos apoiadores:

Victor Yano

Danilo De Souza Ferreira

Apolo Dionísio

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