Os embalos de Paripi Koumei

Surgindo em plena temporada de primavera (abril) de 2022, a adaptação de mangá de Paripi Koumei acaba sendo mais um exemplo da aparente mudança artística tomada pelo estúdio P.A Works recentemente. O estúdio ao longo dos anos acabou se tornando conhecido por ser o lar de diversas obras de slice of life como Tari Tari, Hanasaku Iroha, Shirobako, Sakura Quest e entre muitas outras, mas atualmente as produções do estúdio parecem estar cada vez mais tentando sair da zona de conforto. O estúdio tem se arriscando em outros gêneros, como drama e aventura (praticamente sempre originais) numa frequência bem maior do que outrora, mesmo encontrando dificuldades em emplacar alguma produção com o mesmo nível de qualidade de seus trabalhos mais famosos e renomados criados no gênero de slice of life. Felizmente, Paripi Koumei soa como um passo rumo ao caminho certo nessa nova suposta fase criativa do estúdio, mesmo que com alguns poréns.

O episódio de estreia não demora para estabelecer o tom da obra e mostrar o que você deve esperar dela. Somos rapidamente apresentados a peculiar premissa de um grande estrategista da era dos 3 reinos sendo ressuscitado no mundo moderno e tentando digerir tudo isso até conhecer Eiko, se apaixonar pela sua música e decidir que fará de tudo para realizar o grande sonho dela ser uma super estrela. A primeira metade do episódio conta com um tom mais cômico e descontraído, até a virada dramática na segunda metade; por mais que eu tenha achado o diálogo da Eiko explicando sobre a sua motivação na parte final um tanto melodramático, ele ainda consegue ser eficaz como uma estreia. 

Mas infelizmente a primeira metade possui certos deslizes que faz com que o anime demore um pouco para engrenar. A mecânica se baseia em mostrar os planos elaborados e infalíveis do Kongming ao invés de criar uma suposta tensão se ele terá capacidade de criar esses planos ou não. Não seria um defeito se essas estratégias fossem algo surpreendente ou cativante de se ver, mas a ideia se desmancha logo no primeiro plano. A explicação de Kongming sobre prender as pessoas no salão da apresentação da Eiko através de uma ilusão de ótica (?!?) soa vaga, inverossímil e nenhum pouco convincente. E por mais que o segundo plano do festival seja melhor que o primeiro, não é como se ele fosse tão bom para se tornar um destaque ou fazer da trama algo mais atrativo. Mesmo reconhecendo a função que essas estratégias têm como um marketing para apresentar a Eiko ao grande público e algo importante para a carreira dela, não é tão empolgante quanto observar a evolução dela como artista.

O mesmo vale para a construção do Kabetaijin. Mesmo o conflito dele ter saído dos palcos por não suportar a pressão da fama seja bem interessante de se abordar, visto que existem artistas reais que acabam sofrendo com isto também, a forma como o tema é abordado soa um tanto apressada. Principalmente por não mostrar como a fama afetou a rotina diária dele de uma forma mais clara ou significativa; não é como se ele sofresse algum ataque de ódio por parte de haters, um assédio constante por parte de fãs ou algo extremo a esse nível. Por mais que a cena da batalha dele contra o Kongming seja legal isoladamente, no grande esquema da obra é uma conclusão um tanto decepcionante, considerando que eles poderiam fazer algo bem maior com o que eles tinham em mãos. 

Desta forma, quem carrega a primeira metade do anime nas costas são as dinâmicas e as interações entre Eiko e o Kongming. Ambos se provam bons protagonistas, cada um à sua própria maneira. Por mais que a composição da Eiko não seja super complexa, sendo a garota inocente, doce, esforçada e sonhadora disposta a fazer tudo para alcançar os seus sonhos, a paixão que ela sente pela música sempre parece bastante sincera e palpável. Isso faz com que você torça para o sucesso dela de forma bem rápida. E o Kongming é, sem dúvidas, o personagem que rouba os holofotes e o meu favorito da obra com uma certa folga. Ele apresenta um carisma bastante ímpar, mesmo que o comportamento dele seja bem destoante a princípio considerando todo o cenário onde a obra passa, além de possuir um código moral inabalável. Ele tem uma postura bastante nobre, honrada e transmite um imenso senso de confiança de fazer tudo que está a seu alcance para realizar o sonho da Eiko, que aprecio bastante e soa bem admirável. Eles sempre mantêm uma boa química, tanto em cenas mais cômicas quanto em cenas mais dramáticas, como a do final do episódio 4, onde Eiko desconfia das intenções do Kongming até eles conversarem no bar e permitirem se abrir um para o outro. Eles criam um laço ainda maior de confiança que é bem adorável, fazendo com que você se apegue ainda mais a eles. 

E felizmente, após isso, a obra guarda as suas melhores ideias e momentos para o final. O arco da Summer Sonia e o evento dos 100 mil likes são usados finalmente para desenvolver a Eiko não apenas como pessoa, mas como artista, visto que isto é um ponto crucial para o plano do Kongming funcionar. O resultado disso são bons momentos como as apresentações de rua que ela tem que fazer após descobrir que está “perdendo a sua voz”, algo bem legal por mostrar que muito do que faz um artista ser reconhecido é a habilidade de criar algo próprio e autêntico com a sua música em algum aspecto. Isso é transmitido através da analogia de como a Eiko e a Nanami interpretam a exata mesma música. E faz bastante sentido, considerando que muito dos melhores covers que você ouvirá são justamente de bandas ou cantores que as recriam de uma forma tão autoral e característica deles ao ponto de se tornar algo totalmente indissociável da original, mesmo que, na teoria, a música seja a mesma. 

E falando na Nanami, ela também se prova como uma ótima adição ao elenco e a minha personagem secundária favorita. Ela traz uma reflexão bem interessante sobre a fama, o preço que alguns artistas tem que pagarem para atingirem o sucesso e o triste processo de mostrar a transição de uma banda se transformando em uma marca, cuja prioridade parece ser tudo, menos a música em si. Por mais que seja mais um tema que poderia ter sido explorado de uma forma mais profunda ou elaborada, ainda não muda o fato que a relação criada entre ela e a Nanami é bem legal e que o conflito interno criado na personagem devido a este cenário soa bem tangível, fazendo com que o momento que ela finalmente se liberta desta obrigação no show do episódio final se torne bem catártico, tocante e vibrante. Algo equivalente para o Kabetaijin, que mesmo com as concessões em relação a sua construção, o seu desenvolvimento se prova bem satisfatório. Ele não só se aceita como pessoa, mas também puxa para si a responsabilidade de usar o seu talento para ser um porta-voz para todos os que, assim como ele, são ou foram acuados pela sociedade. Inclusive, todos os arcos desses 3 personagens reforçam constantemente essa mensagem de autodescobrimento e auto aceitação, o que acaba sendo um detalhe que agrega ainda mais ao resultado final. 

E quanto a produção, ela é bem bacana. Por mais que as apresentações não sejam tão complexas e elaboradas como de outras obras que envolvam música, elas também não fazem feio. Mesmo que o anime não esbanje tanta fluidez na animação, ainda compensa isso com uma incrível direção de arte, algo bem habitual em certas obras do estúdio e que aqui volta com força máxima. Não somente nos cenários, mas também na fotografia que se apresenta bastante vívida, brilhante e colorida, recriando muito bem esta estética bastante extravagante e reluzente dos clubes, boates e danceterias das grandes metrópoles e centros urbanos, que apreciei bastante. E a trilha sonora é eficaz naquilo que se propõe, transitando entre faixas de Pop e EDM, com algumas baladas acústicas no meio. Nenhuma delas explodiu minha cabeça nem nada do tipo por serem um tanto comerciais para o meu gosto, faltando também um pouco de variação, como a “I’m Still Alive Today” usada à exaustação mesmo sendo uma boa música; mas tenho que dar ênfase para a intérprete da Eiko nas insert songs, ela conseguiu se provar como o grande destaque dessas trilhas, especialmente na apresentação acapella do episódio 9, onde é possível ouvir a melhora no canto dela, além de ser facilmente um dos momentos mais poderosos do anime.

O veredito é que Paripi foi uma obra bem legal. Mesmo que a primeira metade tenha seus deslizes e as abordagens de algumas temáticas sejam um tanto apressadas, isso não apaga o brilho de seus protagonistas. Mesmo o desenrolar sendo um tanto previsível e até mesmo clichê, a série ainda consegue a proeza de que você vibre e comemore cada avanço e conquista que o elenco adquire durante a trama, fora ser um anime bem agradável, acessível e fácil de ser assistido, mesmo com a sua peculiar premissa. Ainda que não esteja no nível de qualidade das grandes obras de referência da P.A Works, é facilmente um dos melhores animes que o estúdio já lançou nesta década até aqui, revelando-se como uma agradável surpresa dentre a temporada que foi lançado. Bem bacana.


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