Temática e sociopolítica de Nomad: Megalo Box 2 | Entrevista com diretor e roteiristas

Este texto é uma tradução adaptada da entrevista que o Anime News Network concedeu ao diretor de Nomad: Megalo Box 2, Yo Moriyama, e os dois roteiristas da série: Katsuhiko Manabe e Kensaku Kojima.

ANN: Estamos de volta ao mundo do Megalobox, mas muita coisa mudou desde a vitória de Joe. Embora o destino de Joe fosse ambíguo em Ashita no Joe, parecia que o Joe de MegaloBox escapou de uma possível morte, mas ele ainda está lutando. Você pode falar sobre as decisões criativas para levar Joe nesta nova direção?

MORIYAMA: Depois do fim de MegaloBox (primeira temporada), pensei numa proposta para o meu próximo trabalho, mas as coisas não ocorreram como eu esperava. Ao mesmo tempo, o produtor me abordou sobre a possibilidade de criar uma sequência de MegaloBox. No trabalho anterior, os personagens podem ter chegado a um ponto final, mas não é como se suas vidas tivessem acabado. Se o momento mais brilhante de Joe foi quando ele derrotou Yuri e levou a coroa MegaloBox, o que acontece depois? Se fôssemos nos concentrar em temas que não foram retratados no trabalho anterior, haveria significado em uma sequência. Foi assim que começamos a pensar na história.MANABE: Ninguém tinha pensado em fazer uma continuação, nem a equipe de roteiristas, o diretor ou o produtor. Estávamos criando uma proposta para um anime original diferente, mas não estava indo bem. Naquela época, falava-se em tentar uma sequência para MegaloBox porque era bem conceituado no exterior, então nos voltamos nessa direção mais uma vez.

No entanto, estávamos partindo de um estado de vazio onde tudo já havia sido resolvido, então que tipo de história seria? Tínhamos todos os tipos de ideias, mas nada nos dava a certeza de que tínhamos um argumento decisivo. Sempre que terminávamos nossas reuniões, sempre íamos beber em um izakaya enquanto conversamos, mas, durante essas discussões, o termo “imperdoável” surgiu em referência a Joe. O diretor Moriyama usou isso como base para preparar o enredo de Nomad. A partir daí, construímos uma história que gira em torno de Joe reiniciando sua vida após perder sua casa e família devido a seus próprios erros. Aqueles três meses milagrosos em que ele escalou o topo do MegaloBox não foram nada mais do que um checkpoint em sua vida.

Enquanto você está vivo, a vida continua. Esse tema universal também teve um efeito de feedback sobre nós, criadores. Decidimos juntos retratar a realidade e a sociedade de frente, sem desviar os olhos dela. Acho que essa reflexão, assim como a ambiguidade, é o que dá à história de Nomad seu sentimento de realismo e paixão.

KOJIMA: No final de Ashita no Joe, Joe foi queimado como cinzas brancas. O Joe do MegaloBox não morreu no ringue, mas depois da luta com o Yuri, acho que ele se acabou de certo modo. O que faria Joe entrar no ringue mais uma vez naquele estado? Ao fazer a continuação, o diretor, os produtores e a equipe de roteiristas conversaram muito entre si. Nessas discussões, o diretor Moriyama sugeriu a ideia de Nanbu – uma pessoa que era como o sol para o Team Nowhere – morrendo e Joe vagando no submundo enquanto carregava seus pecados. Depois daquela vitória gloriosa, algo aconteceu com Joe e ele perdeu tudo. Todos nós ficamos fortemente encantados com essa ideia. Não tínhamos ideia de para onde estávamos indo, mas decidimos começar a história nessa direção.ANN: A experiência do imigrante na série ressoou com muitos fãs. Quando se tratava de Chief e sua comunidade, qual foi o processo para garantir a autenticidade desse tema? Foram utilizadas algumas referências?

MORIYAMA: MegaloBox se passa em um mundo de um futuro próximo, onde personagens de todos os tipos de nacionalidades aparecem. No entanto, do outro lado desse cenário, as questões de raça e imigração sempre estiveram próximas. Pensamos em tecer esses elementos na sequência. Quando se trata de questões de imigração, não sou especialista, mas me inspirei em notícias e documentários que vi até agora para construir a história e criar as imagens.

Pessoalmente, sou fortemente influenciado por filmes; por exemplo, durante a produção, relembrei os trabalhos de Ken Loach e Do the Right Thing de Spike Lee . Com seus diálogos em camadas e representações das relações complicadas entre as diversas pessoas que vivem no mesmo lugar, acho que eles influenciaram os pensamentos e ações que dirigiam Chief e seus compatriotas, bem como as pessoas que tentavam afastá-los.

MANABE: Há muitos estrangeiros na cidade onde moro, e alguns deles são imigrantes que não tiveram escolha a não ser se distanciar de sua terra natal. É vergonhoso, mas há pessoas que são preconceituosas e discriminatórias em relação a esses imigrantes.

Olhando para trás na história, muitos japoneses cruzaram os mares para emigrar, não apenas para os Estados Unidos, mas também para as Américas Central e do Sul. Nipo-brasileiros e nipo-peruanos vivem em todo o Japão hoje, tornando as comunidades como um lar Eles receberam discriminação infundada e serviços sociais inadequados. No entanto, muitos japoneses, inclusive eu, os viam apenas como trabalhadores e mantinham uma indiferença em relação a eles. Não importava se eles tivessem vivido neste país conosco por mais de 20 anos.

Pode ser difícil parar o ciclo vicioso de medo que nasce da ignorância, mas eu queria tomar uma atitude, por mais leve que fosse. Esse é o sentimento que derramei na história. Se a história ressoar, considero minhas orações atendidas. Posso ser um pessimista, mas não quero destruir os ideais que preguei com a realidade.

KOJIMA: Eu moro na pequena cidade de Warabi, na província de Saitama. É um lugar onde vivem muitos imigrantes. Grupos xenofóbicos chegaram até aqui para fazer discurso de ódio. Em particular, minha área tem a maior população de curdos do Japão; até é chamado de “Warabistan”. Os imigrantes e suas famílias vieram ao Japão para fugir da perseguição em sua terra natal, mas por motivos políticos eles foram deixados na mão em vez de serem aceitos como requerentes de asilo e, portanto, vivem em um estado onde seus direitos humanos são restritos. Acontece que eu os vejo em minha vida cotidiana, o que pode ter influenciado a descrição da experiência do imigrante nesta história.

Se eu fosse dar um exemplo de uma obra da qual fiz referência, seria o filme britânico This is England. Usei isso ao descrever a relação entre Mio e os meninos locais.ANN: Após a vitória de Joe, vemos que ele se tornou um herói para alguns. Como homem e símbolo, o que Joe representa para você em MegaloBox ?

MORIYAMA: Acho que o apelo de Joe como personagem é sua força e brilho, e como ele conseguiu seus feitos sendo como é. É por isso que ele é um símbolo da esperança de que as pessoas possam se ajudar e viver juntas. Retratar esse foi o tema do trabalho anterior. Joe pode ser um homem, mas, a esse respeito, o gênero não importa. Esse é o sentimento que derramei nos personagens de MegaloBox .

MANABE: “Quando você está enfrentando um grande poder, não o bajule – resista.” Joe, que existia sem nome, atingiu o pico da MegaloBox ; para os oprimidos, ele se tornou um farol de esperança. Chief representa exatamente isso. No entanto, Joe perdeu sua figura paterna Nanbu, e em sua tentativa de cumprir o papel de pai para Sachio e os outros órfãos, ele os magoou profundamente. Isso expõe seu eu imaturo, que foi preso pela maldição da masculinidade tóxica.

Para uma pessoa que foi criada em uma sociedade que valoriza o patriarcado e o machismo, superar essa doença é problemático. O Chief pode ter sido o mesmo em um ponto. No entanto, mesmo quando perdeu sua família, Chief mostra sua coragem como um “bom adulto” maduro nesta história. Ao pegar o bastão do Chief, Joe é libertado da maldição.

O encanto de Joe está em sua simples honestidade e sinceridade; ele não tenta apagar sua própria fraqueza e incerteza desprezando os outros. Acho que ele está de pé sem ter perdido a bondade. Além disso, como escrevi no início da minha resposta, ele não gosta de poder e autoridade política. Sua força está em continuar resistindo sem desistir. Para mim, ele é um amigo digno de respeito e um modelo que desejo imitar.

KOJIMA: Acho que Joe incorpora o poder de acreditar – não em dinheiro, poder político ou Deus – mas nas pessoas. Ele se tornou o campeão como “Gearless Joe”, mas seu coração sempre será “Gearless”. Sua sinceridade desprotegida e precariedade quando ele luta contra seus oponentes com seu corpo nu (sem equipamentos) com certeza vai perfurar o coração do espectador, eu acho.ANN: O que você considera o legado de Ashita no Joe para animes e histórias de esportes?

MORIYAMA: Esta é uma pergunta difícil de responder bem, mas … ainda é um trabalho extremamente influente em espaços criativos.

MANABE: No lado esportivo, há um boxeador profissional chamado Joichiro Tatsuyoshi, que se tornou um superstar no Japão. Ele foi um campeão WBC Bantamweight. Seu pai adotou o nome de “Joichiro” do protagonista Joe Yabuki de Ashita no Joe. Ele também é meu boxeador favorito.

Do lado do anime, não acho que haja nenhum criador que não tenha sido influenciado por Ashita no Joe, especialmente Ashita no Joe 2. A obra causou uma profunda impressão não apenas em nível técnico, mas também por incutir uma forte vontade competitiva de não perder para o lendário mangá original. É uma obra-prima perene que não será derrotada facilmente e ainda tem o poder de fazer tremer os corações.

KOJIMA: Ashita no Joe é uma história monumental que justapõe forte romantismo com realismo sentimental. Eu acho que seu espírito não se limitou apenas a anime e esportes, e que influenciou enormemente a cultura japonesa como um todo. Por outro lado, retrata o machismo e a aposta da vida na luta sem considerar o risco de morte como uma coisa boa. É verdade que a “filosofia centrada no homem” pode ser difícil de aceitar com os valores de hoje. Acho que é tarefa dos criadores modernos descobrir como transcender essas armadilhas.ANN: Visualmente, o MegaloBox é distinto de várias maneiras. Você pode nos falar um pouco sobre a decisão por trás de sua aparência “granulada”?

MORIYAMA: Quando estávamos criando a primeira temporada, eu estava ciente de criar algo que estava perto do conceito original de Ashita no Joe, mas também mantendo distância. Por exemplo, o cenário é significativamente diferente, mas o tema da história continua. A aparência “granulada” também faz parte disso; Achei que seria legal fazer um anime novo parecer uma retransmissão. Uma história com uma estrutura simples precisa de visuais impactantes, e para mim os visuais antigos que lembram um VHS são uma grande parte do charme.

ANN: Diretor Moriyama, você tem bastante experiência com projetos conceituais, qual foi seu ponto de partida/inspiração para visualizar o mundo do Nomad? Houve habilidades ou ideias de seus trabalhos anteriores que ajudaram a formar a base do Megalobox?

MORIYAMA: No que diz respeito à minha inspiração, em quase todos os casos sou profundamente influenciado pelas coisas que vi até agora. Recebi muito em particular de filmes e músicas. Durante a produção de Nomad, me lembrei muito dos faroestes americanos e espanhóis. Além disso, para o trabalho de câmera e assim por diante, eu queria adotar a atmosfera das técnicas tradicionais de filmagem, então olhei para trás em muito do New Wave Cinema dos anos 60 e 70. Eu retiro muitas ideias de filmes de ação reais.

A forma como abordo o design de conceito difere dependendo do projeto, mas no caso da MegaloBox, as reuniões com a equipe de redação do roteiro foram particularmente importantes para mim. Independentemente do que foi discutido na conversa, acho que a comunicação como um todo influencia o trabalho.ANN: Por último: o Sr. Manabe e o Sr. Kojima trabalharam juntos anteriormente na série live action da Netflix, Midnight Diner. Quando vocês começaram a trabalhar juntos e como você descreveria sua relação de trabalho e processo?

MANABE: Comecei a trabalhar com o Kojima por causa da série Midnight Diner da Netflix. Nós nos conhecemos quando ele assistiu a uma palestra que eu estava fazendo sobre escrita de roteiros na guilda de escritores a que pertenço. Para o currículo, você deve escrever um filme de duas horas; ele me disse que queria escrever uma história sobre o acidente nuclear em Fukushima. Eu disse a ele que não era fácil escrever sobre um assunto delicado, mas ele disse que, se não escrevesse, não conseguiria seguir em frente. Então ele fez sua pesquisa e escreveu a história. Isso me fez pensar que ele se tornaria um escritor confiável, e eu o apresentei ao diretor do Midnight Diner, Matsuoka. A partir daí, ele ganhou a confiança de Matsuoka e foi adicionado à equipe de roteiristas.

Podemos ter nos conhecido como professor e aluno, mas achei suas ideias muito estimulantes e considero-o um esplêndido roteirista por direito próprio, irrelevante para a hierarquia. Ele é um cinéfilo com um conhecimento abundante de cinema e tenho grande respeito por ele enquanto trabalho com ele.

Vamos à casa um do outro para pensar no enredo: a forma como o fazemos é 20% compartilhando ideias e 80% tagarelice. Há momentos em que um de nós vai assumir um pouco a liderança, mas trocando opiniões sem receios durante a fase de criação do plot. Claro, há momentos em que não nos alinhamos, mas ouvindo um aos outro e não poupando palavras, podemos decidir se a intenção da outra pessoa é um ponto positivo para o trabalho ou não.

Um roteiro é o projeto e a partitura. Como o principal corredor no processo criativo, é de extrema importância para o roteirista pensar sobre até que ponto o roteiro deve afirmar sua própria presença. Às vezes, fico arrogante, mas Kojima é muito cortês com isso. Estou com muito medo de perguntar a ele sobre isso diretamente, no entanto.

KOJIMA: Nós nos conhecemos em 2012. Manabe era professor na escola de roteiro que eu frequentava. Depois que me formei, ele me convidou para trabalhar no projeto Midnight Diner. Trabalhamos juntos desde então.

Meu trabalho com Manabe sempre começa com muita conversa. Falamos sobre os filmes e dramas que vimos, os livros que lemos, as coisas que acontecem ao nosso redor, as notícias que acontecem na sociedade e assim por diante – coisas que nos interessam. A partir daí, as ideias começam a fluir e a estrutura da história gradualmente vem à vista. Não é raro esquecermos do trabalho e ficarmos o dia inteiro apenas conversando. Naqueles dias, nós dois somos perfurados pela culpa. De qualquer forma, esse é o fluxo de trabalho que adotamos quando mostramos um ao outro o que escrevemos, trocamos nossas opiniões francas e corrigimos as coisas.

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