Majo no Tabitabi e a jornada de Elaina

Na época de seu anúncio, Majo no Tabitabi foi um dos animes que mais me chamara atenção em meio a vários outros anúncios de adaptações em anime, principalmente pelo quão promissor ele parecia ao trazer uma proposta diferente em relação às outras obras de fantasia lançadas a cada temporada, o que fez o gênero se tornar tão saturado ultimamente. Porém, após ter assistido ao anime, devo dizer que a experiência ficou bem aquém do potencial que ele tinha, infelizmente.

O primeiro ponto que tenho que citar é a falta de coesão temática de Majo. Eu entendo que ela é uma obra episódica e que o objetivo seria justamente abordar diversos assuntos, com a série provavelmente tentando provar sua versatilidade em transitar sobre os mais diversos gêneros e estilos, tanto com episódios mais cômicos, quanto com temáticas mais sérias e profundas. O que acontece é que, mesmo assim, a execução acabou ficando bastante a deseja, como o episódio 6, por exemplo, em que por mais que a ideia de explorarem e discutirem um regime totalitário com uma cidade no quais os cidadãos são incapazes de mentir e mostrar as consequências disso tenha sido bem boa, a forma em que escolheram desenvolver o tema, com esse tom bastante cômico e descontraído, ficou bem estranha e destoante. Especialmente ao final, quando a série vende a ideia de que o rei era alguém bondoso, que merecia ser perdoado e merecia continuar governando o país, mesmo depois de certas atitudes totalmente atrozes, o que deixa a mensagem completamente banalizada. É uma mensagem muito infeliz e até um tanto perigoso, considerando a época atual que estamos vivendo.

Outro exemplo é o episódio 11, apenas mais um episódio cômico com cenas um tanto constrangedoras, como a reação da Saya a troca de corpos, a bizarra declaração de amor da Lina que é bastante esquisita, ou a química entre a Elaina e a Saya que o enredo tenta vender para fazer o episódio se sustentar – o que é praticamente inexistente. Mas o episódio 8 é facilmente o pior episódio de toda a série para mim, há uma tentativa de criar uma espécie de trama de mistério, mas sem absolutamente nada de surpreendente, criativo, divertido ou intrigante. Sem qualquer mínima mensagem ou reflexão que pudesse fazer o episódio ser aceitável, visto que no fim só se torna um episódio previsível, chato e sem nenhum propósito na trama.

A questão dos personagens sinceramente também não ajudam muito. A Saya é uma típica personagem estereotipada cuja única função é ser reduzida a um mero alívio cômico um pouco exagerado, como a garota ingênua e absolutamente apaixonada pela Elaina, o que não funcionou tão bem comigo. E isto é uma pena, pois eu tinha esperança de ver ela amadurecendo de alguma forma depois do episódio 2, mas infelizmente isso não aconteceu.

A própria Elaina, que por mais que tenha uma personalidade um tanto duvidosa, a obra não parece querer criticar ou explorar essas atitudes. O capítulo do buquê de flores no episódio 3 é um bom exemplo. Mesmo que tenha sido de uma forma acidental, ela acaba matando um grupo de pessoas inocentes, e a reação dela a isso é apenas muito fria e impassível, ela apenas vai embora sem assumir nenhum senso de responsabilidade pelo que ela fez, o que honestamente é uma postura bastante reprovável que a obra faz questão de esquecer. Até mesmo os momentos mais pesados, como o episódio 4, não causam um impacto real e genuíno já que mesmo com as experiências que passa, não parece tentar extrair nenhuma lição disso para evoluir como personagem. A única exceção a essa regra seria o episódio 9, que provavelmente é o mais violento e gráfico da obra, finalmente revelando um momento de vulnerabilidade por parte da Elaina durante os acontecimentos. Mas o anime revela que isso seria uma história ocorrida no início de sua viagem, que faz com que essa camada da Elaina acabe quase que sumindo por completo, já que mesmo após esse capitulo, ela continua com essa mesma postura pedante, narcisista, imatura e egoísta que percorre durante toda a obra – além do desenrolar do caso ser um tanto óbvio e não tão bem executado quanto poderia. É como se quase nada que pudesse afetar a Elaina a longo prazo de uma forma que pudesse fazer ela questionar sobre as suas atitudes ou situações que pudessem fazer dela uma protagonista mais complexa, seja revelando alguma outra vertente da personagem, ou explorando as nuances sobre as suas posturas e princípios de forma mais ampla ou intrigante.

Um outro aspecto que acabou me incomodando é como a obra parece querer tentar justificar e resumir essas atitudes duvidosas e questionáveis apenas como auto preservação. No episódio 6, em que é dito que ela possui um coração puro, querendo vendê-la como essa personagem muito nobre, bondosa, e confiável. Isso é um tanto forçado visto tudo que citei anteriormente. Pelo menos, sem a construção e o desenvolvimento suficiente para fazer isso se tornar crível. O anime até tenta explorar um pouco mais este ponto em seu episódio final, mas novamente não é bem executado. Por mais que o conceito da Elaina achar varias versões dela própria seja novamente bem interessante, o fato deles colocarem personalidades como “A Elaina Gelatinosa”, “A Elaina Ghoul”, e “A Elaina obcecada por seios grandes” não ajuda em nada e só deixa a condução muito engessada e até desagradável. A única passagem interessante é o diálogo e a luta com a Elaina violenta. Mas, mesmo assim, a série não impediu com que eu ficasse com o sentimento de que todo seu potencial foi desperdiçado mais uma vez.

E é trágico perceber como Majo não pareceu ter foco ou algum senso de direção. A impressão que ficou é a de que o anime tentou fazer tudo, mas que devido a isso, deu passos maiores que a própria perna e não se aprimorou em quase nada. O que é uma pena, pois se a narrativa focasse nesse clima mais agradável, leve, e descontraído, como dos episódios 5 e 10, ou em analogias mais espertas como a do capítulo da felicidade engarrafada, um dos poucos momentos em que o conceito é de fato criativo e a mensagem soa de fato relevante e pertinente, teria sido bem melhor. Poderiam ainda ter explorado melhor certas ideias que possuíam, mas me pareceu claro que os envolvidos não quiseram se contentar apenas com esse lado, querendo se provar como obra muito profunda, impactante, versátil e filosófica, contudo, sem a habilidade de criar observações ou transmitir essas mensagens de uma forma criativa, hábil, marcante, ou convincente. Sem conectar esses temas a algo maior, como diversas outras obras com esse estilo de narrativa conseguiram fazer. Bem triste.

Agradecimento especial aos apoiadores: João Carlos, Nicolas, Victor Yano e Apolo Júnior. Se você gostar que escrevemos e publicamos, e gostaria que continuássemos mantendo o site e podcast, por favor considere também nos apoiar mensalmente no nosso PicPay, ou doando um PIX para hgsanime@gmail.com