Given e os sentimentos por trás dos acordes de guitarra

Tenho que ser honesto que não fui um grande entusiasta do BL durante muito tempo. Com exceção de um único mangá e um único anime, não consumira nada mais da demografia. A oportunidade de mudar isso acabou surgindo com o anúncio da adaptação animada de Given, especialmente por ele ter uma temática musical que chamou imediatamente a minha atenção, pois, apesar de eu amar obras que abordem a música em seu enredo, infelizmente elas são bem mais escassas do que deveriam na indústria de animes. Logo, assistir esse anime seria o equivalente a unir o útil ao agradável. Após assisti-la, devo dizer que fiquei bastante satisfeito com o resultado.

A primeira qualidade é o quanto a obra consegue tomar decisões narrativas bem interessantes, conseguindo mesclar tanto o romance quanto a música de uma forma bem coesa e até criativa em certos momentos. Por exemplo, o romance entre o Satou e o Uenoyama não serve apenas para abordar e desenvolvê-los de forma individual, mas mostra como isso reflete diretamente no desempenho da banda, já que se eles se desentenderem e brigarem, serão incapazes de tocarem juntos, deixando a performance da banda comprometida como um todo. Isso é incrementado até mesmo com o fato deles usarem a música para criar certas analogias em relação aos sentimentos dos próprios personagens, como a passagem das cordas de guitarras, simbolismos bem inteligentes. Há ainda ênfase em mostrar os perrengues de bandas de início de carreira, eles tendo que trabalhar e arranjar bicos para comprar instrumentos, alugar casa de show e estúdio, treinar arranjos, composições e tudo mais, algo bem divertido e que me agradou bastante. Mesmo que haja alguns diálogos que um tanto expositivos com as explicações de como funcionam os amplificadores, as pedaleiras, a forma para se tocar guitarras e etc, que podem ser chatos para algumas pessoas, mas que não me incomodaram tanto.

Given retrata romance com leveza, com vários alívios cômicos bem pontuais que impedem que a obra caia no melodrama. Tenho que elogiar muito o timing cômico de Given. É muito bom como a maioria das suas piadas são bem orgânicas e sutis, compostas principalmente pelas expressões e reações dos personagens a determinadas atitudes e situações. Consegue convencer ao soar bastante natural e espontâneo, ao contrário de personagens como o Zenitsu de Kimetsu no Yaiba, por exemplo, cuja composição era tão exagerada e forçada, que consequentemente se tornava bem irritante. E mesmo com isso, em Given o personagem ainda conseguia dar impacto e seriedade nos momentos dramáticos, mostrando um bom controle por parte da direção e do roteiro, as piadas não quebravam ou invadiam esses momentos mais sérios, chegando até mesmo a apresentar certos momentos bem inspirados. Tanto no episódio 3, com os personagens começando a se aprofundar no conflito do Satou, no episódio 6, em que a direção assume esse tom muito mais contemplativo e introspectivo, com o Satou vagando pela cidade, com poucos diálogos, mostrando apenas Flashes pontuais sobre o seu passado, e principalmente no episódio 9, com a apresentação da banda e a conclusão desse conflito, que, para mim, foi o momento mais marcante e emocionante por parte da narrativa, onde o anime fazer esse conexão muito esperta de usar a música e o show em si como uma bela metáfora da libertação do Satou. Ficou apenas excelente.

Sobre os personagens, eles também conseguem ser bem maneiros. Apesar do Kaji e do Haruki terem ficado em segundo plano, são bons personagens de suportes, conseguem ter importância e presença na trama. Principalmente por eles serem quase que conselheiros para o Uenoyama, que recebe grande destaque por parte do enredo com o Satou. A forma como decidiram abordar o personagem me chamou atenção, visto que aqui, mesmo ele sendo um Tsundere, a composição dele é bem mais sutil, com o foco se tornando em principalmente explorar a descoberta sobre os seus sentimentos e a questão dele aceitar que pode se apaixonar e amar outro homem, ao invés de criar uma composição ou personalidade arrogante, ou agressiva como costumamos ver geralmente em outras obras – principalmente com personagens femininas. Satou tem essa postura bastante inexpressiva, mas que consegue ser bem eficiente, principalmente por mostrarem que não apenas existe um motivo para ele ser da forma como ele é, mas mostrando o quanto isso não é nada saudável, já que ele próprio se sente bem incomodado com isso. A evolução dele conseguindo se abrir cada vez mais e tendo a motivação para poder se dedicar a algo – no caso, a música – também é bem legal.

Em relação à produção, o anime conseguiu fazer um bom trabalho, considerando as condições oferecidas. Visto que a série não possuía uma grande equipe de renome e os problemas de verba que adaptações tanto de BL quanto de GL geralmente costumam sofrer, o anime conseguiu manter um aspecto visual até que bem consistente. Apesar de o CG ter soado bem destoante nos instrumentos e no próprio show do episódio 9, os personagens pareciam meio travados. Há também outros momentos isolados, mas nada que comprometesse o resultado no final. A direção não tem firulas visuais, algo muito chamativo ou experimental, é bem padrão nesse aspecto. Ainda assim, consegue se sair bem tanto pelo timing cômico, quanto em conseguir entregar expressividade e vivacidade para os personagens, fazendo com que as reações e sentimentos transmitidos na cena se tornem bastante convincentes, mesmo com um design de personagens um tanto genérico.

Given, no fim, foi um baita anime. Posso dizer que não apenas vi um belo anime musical, mas também um belo BL., que conseguiu ser divertida e despojada enquanto também foi bastante sensível. Superando Doukyuusei, o último e único anime desse estilo que assistira até então, provando que todos os elogios e a fama conquistada durante a sua exibição foi bastante merecida. Deixo minha recomendação para qualquer um dar uma chance para esse anime, mesmo que assim como eu, você não tenha muita familiaridade com este tipo de obra.


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