Ongaku: Our Song (2020)

Ongaku é uma comédia musical excêntrica dirigida por Kenji Iwaisawa que subverte tudo o que é típico da animação japonesa.

Sobre: A história é sobre os delinquentes do ensino médio Kenji, Asakura e Ota, que levam uma vida simples. Eles passam a maior parte do tempo brigando com gangues em escolas rivais e jogando videogame na pequena cidade de Sakamoto. Quando um homem empurra um baixo nas mãos de Kenji para perseguir um ladrão desimpedido, algo é desperto dentro de Kenji que decide começar uma banda com seus dois amigos. Nenhum deles tocou um instrumento antes, mas isso não os desencorajou nem um pouco, e eles deram o nome de Kobujutsu à sua nova banda — trata-se apenas três preguiçosos começando uma banda de rock. Em meio a essa inexperiência, eles conhecem um outro trio da escola, a banda folk Kobijutsu, que os convida para tocar em um festival.

Análise

Esse filme é uma espécie de esquete disruptiva da animação japonesa de 70 minutos. Uma história simples sendo contada em uma execução divertida junto do humor inexpressivo e um estilo lacônico. Seu desenrolar próprio desafia as expectativas, já que nenhum dos personagens se comporta de acordo com qualquer arco convencional. A verdade é que não acontece muita coisa na história de Ongaku, e por isso uma barreira é criada dificultando para os espectadores acostumados a aventuras épicas, desenvolvimentos mais elaborados, romances e fantasias de animes mainstream – além da própria estética simplista, mas incrivelmente dualista em expressividade e bem animada, que vai se potencializando ao passar do filme como irei comentar mais adiante. Todavia, tal simplicidade é o grande charme e ponto central de Ongaku. E o som é perfeito.

A banda Kobujutsu começa, aparentemente, pelo fato de Kenji e seus amigos não terem absolutamente nada para fazer e viverem em tédio, mas isso se transforma em algo muito mais catártico e pessoal. A primeira vez que os três tocam juntos, seria um exagero chamar o que eles criam de “música”. O baixo é estrondoso e bateria barulhenta não apresenta uma melodia real, mas assim que eles terminam, os garotos se olham e declaram que o que acabaram de fazer foi incrível. Apesar do sentimento ser verdadeiro e totalmente catártico para os personagens, a recepção de quem assiste é que esses jovens delinquentes malucos estão tendo satisfação em fazer um som cru e selvagem de batida única, resultante apenas da junção dos barulhos dos instrumentos.

O som que eles tocam expressa suas naturezas, suas personalidades e emoções, para que eles não sintam como se nada faltasse à música. Eles apenas tocam as mesmas notas em um ritmo constante, o que lembra a era primitiva e o caos, um mundo onde nada faz sentido. Isso é personificado quando Morita – o garoto da banda de folk da escola que conhece bem as teorias musicais e tem o “produto final” da música em mente – ouve uma apresentação do trio principal. E Morita, em vez de ficar mortificado com a performance, fica bastante pasmo, e pede a eles que se apresentem no festival de rock, sem lhes dar nenhum conselho de teoria musical nem nada.

Embora bandas de colégio sejam um assunto bastante conhecido em anime, nenhuma delas o faz exatamente assim. A história é, talvez, mais semelhante a K-ON nesse sentido, que também apresentava um grupo de adolescentes inexperientes saindo e fazendo música juntos, em vez de séries mais corajosas e realistas como BECK ou NANA – porém, aqui, com um grupo de delinquentes cansados. Kenji é particularmente incomum como protagonista de anime musical. Ele vive por instinto e impulso, ao invés de planejamento ou razão. Ele começa a banda por capricho e, com a mesma rapidez, fica entediado e anuncia que vai desistir em algum momento nada conveniente posteriormente. Ele costuma fazer uma longa pausa antes de falar, não porque esteja pensando muito sobre o que dizer, mas porque leva muito tempo para encontrar energia para responder.

Essas características combinadas com a quase completa falta de inexpressividade dos personagens, proporcionada pela característica e apelo dos designs, torna-o um personagem que pratica a comédia passiva pelo seu tédio e cansaço aparentes. Esse tipo de comportamento é, na verdade, característico do tipo de humor lacônico que o filme carrega: em vários momentos, quase aleatórios, há uma pausa em um quadro silencioso e imóvel por vários segundos, um tom de comédia seco de entendimento implícito e extremamente cuidadoso.

Como dito, a música que a banda cria com os dois baixos e bateria, sem qualquer prática, lembra uma era primitiva, onde há apenas som cru, não há realmente uma melodia ou nitidez refinada nele. Portanto, isso dá toda a identidade e é um simbolismo para as personalidades e estilo de vida dos três personagens. O foco dessa narrativa, então, acaba sendo na preciosidade que adquirem em como tocar, ao invés do som do “produto final”, tendo a sua arte muito mais orientada ao processo do que ao produto. A música do Kobujutsu é o epítome de um processo orientado, improvável de ser comercializado ou ser vendido como trilhas sonora, mas com uma beleza própria de três delinquentes empolgados com batidas aleatórias.

Com tudo isso em mente, à medida que as coisas caminham em direção ao festival, as jornadas pessoais dos personagens e a relação com sua música crescem em meio a esse ritmo estranho, tanto literal quanto metaforicamente.

Paralelamente, há o desenvolvimento da banda folk do outro trio, Kobijitsu, no festival de rock para o ato final do filme. Morita entra em um “estado interior” onde o rock emerge de dentro de si e ele literalmente transcende, mudando completamente sua personalidade. Observamos mais do efeito do Kobujitsu (estilo “rock cru”) em Kobijitsu (estilo folk) no festival. Portanto, pode-se dizer que talvez Morita, estando bem ciente da música e de suas peculiaridades, viu o apelo nos sons de Kobujitsu e sentiu que seu próprio trabalho era ineficiente para se expressar. E os membros da banda Kobujitsu foram capazes de se expressar perfeitamente, pois não querem produzir uma música amada pelos outros, apenas representar suas emoções através do som, por mais primário que fosse. O clímax do filme é estranho, cômico e profundamente catártico, reunindo tudo perfeitamente em um momento que é cacofônico e harmonioso, assim como sua música. Eles passam a mensagem que a música é subjetiva.

Trecho dos momentos de transcendência de Morita.

A arte de Ongaku carece de apelo mainstream, mas oferece muito mais para os olhos mais exigentes, uma versão suavizada do estilo simples, rabiscado, mas deliberado de Ohashi, o criador do mangá original. É totalmente animado à mão com mais 40.000 quadros, em grande parte rotoscopeado e repleto de opções incomuns de storyboard. A dinâmica do movimento corporal ao longo da série parece surpreendentemente real. O anime tem momentos cuja a animação muda completamente, o estilo de arte passa para outra dimensão ao ponto de você se perguntar se ainda está assistindo ao mesmo filme que tinha começado.

O estilo muda radicalmente para algo novo e diferente, perfeito para o momento e o sentimento que quer transmitir, sempre muito agradável visualmente e bem animado – durante as cenas de atuação, a animação fica mais ousada. Tudo é feito com um propósito para refletir os estados mentais e emocionais dos personagens, com a música, a animação e narrativa trabalhando juntas em harmonia. Pode-se dizer que alguns momentos remetem muito ao que o Yuasa faz no anime de Ping Pong.

Não surpreendentemente, as composições sonoras de Tomohiko Banse e Wataru Sawabe, produzida por Kemmochi Manato, também são parte do que compõe a alma de Ongaku. O som de Kobujitsu lembra um rock de garagem deliberadamente não escolarizado em sua entrega.

Em certo ponto, a estética executada é completamente diferente da que você se lembrava.

O filme foi financiado por crowdfunding e levou sete anos e meio para ser animado, tendo como principal força principalmente por amadores, pois o orçamento apertado impedia que pagassem por animadores profissionais. A natureza uberindie de um filme produzido em grande parte por pessoas que nunca trabalharam em um projeto como esse combina com a história do filme, sobre três jovens que encontram alegria em fazer música, apesar da completa falta de experiência musical ou treinamento.

O longa estreou no Japão pouco antes de todo o mundo fechar devido a pandemia do COVID-19 em 2020 e se saiu muito bem em “miniteatros” independentes. O filme teve tanto prestígio por sua execução que venceu I Lost My Body e Children of the Sea ao receber o grande prêmio no Festival de Animação de Ottawa ao final de 2019.

“A música não muda, mas a sua perspectiva sim” – isso é outra coisa que torna este filme tão único e especial. A música não muda para buscar o apreço do público. Em vez disso, o público começa a apreciar a música como ela é. Em última análise, ajudando-nos a entender como a música é diferente para cada pessoa e que, em vez de ser comparada, ela precisa ser reconhecida. Portanto, temos uma filme divertidamente impressionante com Ongaku, girando em torno da subjetividade da música, com personagens intrincadamente bem desenhados com nitidez e execução incrível. É uma experiência avassaladora para qualquer pessoa que tenha interesse e seja entusiasta em animação.


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