The Horizon e o que nos espera no fim do horizonte.

“Em um mundo distópico banhado em caos causado por uma grande guerra, um garoto acaba descobrindo que a sua mãe foi brutalmente assassinada na tentativa de salvá-lo ao encontra-la em meio a uma pilha imensa de cadáveres. Desolado e vagando sem rumo, ele decide se abrigar em um ônibus abandonado, em que lá, encontra uma garota tão perdida e desamparada quanto ele. Nisso, eles decidem seguir uma estrada para verem o que irão encontrar no fim do caminho.”
 
Essa é a premissa de The Horizon. Manhwa publicado em 2016 pelo autor Ji-Hoon Jeaong, com 21 capítulos. E por mais que a primeira vista, ela possa parecer uma sinopse em tanto simples, ele é um dos maiores exemplos do imenso potencial que os quadrinhos coreanos podem alcançar, visto que ele é a típica obra que quanto mais você lê e vai avançando na história, mais camadas e nuances vão sendo reveladas. Se tornando algo muito mais complexo e profundo do que você poderia esperar a princípio.
 
Talvez o primeiro ponto que chama a atenção em relação a trama é o quão bem ele consegue criar uma narrativa que por mais que seja bastante gráfica, violenta, e brutal. Também consegue ser muito reflexiva, filosófica e contemplativa. Visto que todos os acontecimentos atrozes que ocorrem aqui, servem sempre para mostrar vislumbres ou perspectivas daquilo que representaria a nossa essência como seres humanos. Ou do que de fato é a verdadeira razão da nossa existência. Ou o que nos motiva a continuar sobrevivendo, mesmo no meio de um mundo tão podre, sórdido e sofrido como este que é retratado aqui. O que se torna algo ainda mais curioso visto que nós nunca sabemos de fato quais foram as motivações que desencadearam uma guerra tão cruel como essa, ou o porque da sociedade ter ruído a este ponto irreversível. Pois no fim, não é isto que importa aqui. Mas sim, como que todos os personagens reagem a essa situação. E as escolhas, atitudes, e ideais que eles abraçam na jornada, no meio desse ambiente tão caótico. Algo bem parecido ao que Shoujo Shuumatsu Ryouko e Journey to the End of the World fizeram. Só que aqui, com uma aura muito mais obscura e angustiante do que ambas.
Tanto que um dos aspectos mais marcantes da obra é a forma como que a narrativa retrata os personagens em diversas páginas com planos bastante longos, como se eles fossem seres muito pequenos e irrelevantes frente a toda a imensidão do mundo, da natureza, e da própria vida. Como se todo o ciclo de destruição, morte e sofrimento mostrado na trama fosse algo irrefutável e fora do alcance de absolutamente todos eles. Ao ponto de não restar outra opção para eles além de sobreviver, ou acabar cedendo aos seus instintos ou suas angústias e acabar perecendo no meio do caminho. Assim como também pode significar a ausência de propósito ou objetivos de todos eles, visto que todos eles estão em uma busca constante por algo que sempre parece incerto, ou acabam questionando a sua própria função ou importância em um mundo no qual nada mais parece ter valor ou significado, fora a sobrevivência. Algo que é reforçado ainda mais tanto com o fato de que todos os personagens da obra não terem nomes, quanto na maneira que a obra desenvolve os seus conflitos. Através de uma forma bem crua, ríspida e sem nenhuma dramatização, que só aumenta ainda mais o impacto, e lhe faz lembrar o quão cruel são as decisões e escolhas que cada um tem que fazer. Mas que ainda sim, consegue transbordar uma aura bastante sensível e quase que poética, faz com que cada cena consiga ter uma carga emocional imensa. Seja pelo desfechos dos personagens, ou pelas reflexões e mensagens trazidas por elas.
E um outro grande destaque da obra que não poderia deixar de citar é o fato de The Horizon ter uma das narrativas visuais mais impressionantes que eu vi em quadrinhos em muito tempo. E isso não é restringindo apenas a arte e os vários estilos que ele utiliza para transpor as diversas sensações e sentimentos, que vão desde de um estilo mais realista e detalhado, até a arte mais minimalista e simples. Mas também a tudo que envolve as escolhas e elementos visuais da narrativa como um todo. Desde da forma muito sutil e elegante que ele retrata as passagens de tempo, passando pela forma como as estradas e rodovias se tornam um aspecto muito presente e crucial na trama, e o significado que ela carrega durante a obra. Até a momentos de extrema introspecção em que a página é preenchida por preto tanto para demonstrar todo o medo e a angústia sentida pelos personagens, quanto para criar uma atmosfera ameaçadora, sufocante e opressiva. Ou páginas em que você não possui quase ou nenhum elemento de background além do próprio personagem, para representar o sentimento de solidão, desolação ou perda dos mesmos. Fora os cenários, que conseguem ser deslumbrantes. Até as feições e os design de cada personagem, que conseguem ser bastante expressivos. Algo tão bem feito que chega ao ponto de existir diversas páginas ou sequências que não possui nenhum único diálogo. Ao ponto de toda a mensagem ou sentimento de determinado personagem ser transmitido apenas através de narrativa visual. Seja com metáforas, sequências de quadros, enquadramentos específicos, ou estilos de arte, que só faz a obra se tornar ainda mais imersiva. E quando eles recorrem ao texto para guiar a narrativa, a obra também consegue entregar uma escrita bem eficiente, em que as interações entre os personagens são bem orgânicas e fluídas. Contendo também monólogos que conseguem agregar bastante tanto para a composição dos personagens, quanto para aumentar o peso em cenas de grande impacto emocional. E determinadas passagens muito inspiradas que criam analogias muito espertas e precisas, como a conversa das crianças com o senhor na beira da estrada na segunda metade do mangá. Um trabalho impecável e bastante impressionante que mostra o quão grande é o seu talento e a sua habilidade como autor.
E no fim, por mais que com tudo que falei até aqui, pareça que ela seja uma obra totalmente niilista e cruel, The Horizon possui uma mensagem bem esperançosa. Em que ao mesmo tempo em que ela possui todos esses elementos sombrios que citei acima, ainda sim, ela permanece como uma obra cujo a grande mensagem acaba sendo sobre perseverança. E a força e determinação para continuar seguindo em frente, por pior que seja as situações. Mas claro que essa mensagem não é transmitida da forma alegre e tradicional do qual muitas pessoas estão acostumadas. Visto que uma das grandes mensagens que consegui extrair é que não há como seguir em frente, sem antes aceitar todo o sofrimento que o mundo ou a vida pode trazer para você. E que enquanto você não conseguir reconhecer ou lidar com isso, nunca conseguirá se libertar. E mesmo a libertação é posto como algo bem sutil, mas muito importante. Já que mesmo que isso não mude ou apague toda a podridão do mundo, ainda sim, você poderá encontrar algum resquício de felicidade ou fazer alguma diferença na vida de alguém. Mostrando que sempre é possível ter fagulhas de esperança, mesmo em um mundo tão grotesco quanto este que é retratado aqui. Tanto que é bem curioso como que a mensagem final me lembrou um pouco Nijigahara Holograph, e a busca incessante de pessoas tentando se libertar de um ciclo interminável de traumas, dor e sofrimento. Só que obviamente com uma outra abordagem e temática. Mas seja como for, é bastante difícil você ficar indiferente ao que é retratado aqui. E com certeza, ela é uma obra que todos deveriam dar uma chance, visto que ela tem todos os aspectos para ficar marcado na memória de quem se arriscar a ler ela.