Stars Align é um anime original para TV, escrito e dirigido por Kazuki Akane, diretor de The Vision of Escaflowne e Birdy the Mighty: Decode. A história acompanha as provações e tribulações dos meninos do clube de ‘soft tennis’, dentro e fora da quadra. O retrato sensível feito pelo anime de questões como abuso familiar chamou a atenção de fãs ao redor do mundo. Depois do gancho intrigante no final do episódio 12, a Anime News Network entrou em contato com Akane na Eightbit, que produziu o anime, para falar sobre as qualidades únicas do show. Na primeira parte desta entrevista, é falado sobre uma ampla variedade de temas presentes no anime, do realismo na animação a lidar com abuso familiar e questões LGBTQ+.
Akane: Antes de Hoshiai no Sora, eu estava trabalhando em Code Geass: Akito the Exiled. Code Geass é um trabalho com um material-fonte e, incluindo as preparações, levou 5 anos para ser completado. Conforme eu trabalhava nele, meu desejo de criar a história que eu queria criar foi se acumulando em mim.
Quando eu olho para os animes de hoje, eu me pergunto se é possível criar um com uma mensagem a ser transmitida e acho que deveria ter muito mais disso. Pessoalmente, eu queria contar uma história como um adulto sobre os problemas da juventude, para mostrar que sua dor não é impossível de entender, que podemos experienciá-la juntos. A diferença entre gerações pode ser superada. Tem sido dito aos jovens que eles são os culpados por seus próprios problemas, mas isto está errado. Não é sua culpa ter problemas. Eu acho que é injusto sempre ser dito para os jovens que eles não são bons o suficiente, conforme um padrão arbitrário.
Eu queria criar um drama com uma mensagem mais positiva, e eu senti que uma animação era bom meio para fazer isso. Veja, anime é geralmente assistido por pessoas na adolescência e na casa dos 20 anos. Quando essas pessoas se tornam adultos e interagem com pessoas jovens, com seus próprios filhos, eu sinto como se eles não devessem forçar seus ideais adultos neles. Hoje em dia, eu sinto como se muito do anime fosse feito porque pessoas tem uma ideia muito particular do que pessoas jovens querem. É tão descartável, como se eles estivessem só preenchendo itens numa lista. Já me disseram que os jovens não querem assistir a um drama pesado, ao que eu não consigo deixar de ser cético. Eles realmente só querem assistir entretenimento divertido e leve, todos os dias? Eu queria provar que não era o caso, e por isso decidi tentar fazer o anime.
Akane: É assim que acontece com programas para televisão. No Japão, é comum que programas transmitidos em canais regulares tenham maior exposição, e quando se trata de TV, tem certas coisas que você tem que aceitar ou é considerado tabu. Mas se você colocar em palavras com uma nuance discriminatória, ou palavras que as pessoas usam quando estão sendo discriminatórias, pessoas vão desaprová-las. Mas se você mostrar por ações ou fenômenos, elas são surpreendentemente lenientes.
Quando se trata de pais batendo em suas crianças na TV, isso seria um “não, não” na América, certo? É muito raro ver isso. Por meio da direção de animação, eu podia mostrar como é desconfortável quando um adulto bate numa criança. Eu só tentei não colocar isso em palavras.
─ Sim, o final do primeiro episódio certamente foi um choque.
Akane: Realmente, mas tem tantos animes onde você vê pessoas sendo cortadas ou levando tiros de uma arma. Então por que é tão desconfortável só assistir alguém ser socado ou atacado? Eu quis ter certeza de retratar isso e ter a atuação dos personagens transmitindo esta sensação de desconforto – desta forma, você pode ver quão desconfortável é quando um adulto agride uma criança. Da perspectiva da criança, é aterrorizante. Eu queria que os adultos pudessem ver por essa perspectiva.
─ Então essa série é destinada a adultos também?
Akane: Eu quero que adultos a vejam, eu quero que pessoas jovens a vejam.
Eu era adolescente quando o boom dos animes aconteceu no Japão. Antes disso, anime era visto como algo para crianças pequenas, da escola básica. Quando eu era um adolescente, programas como Star Blazers e Mobile Suit Gundam ficaram grandes, e anime começou a ser para adolescentes também. O tempo passou desde então, e hoje em dia você consegue achar pessoas nos seus cinquenta ou sessenta anos que assistem a anime. Eu quero que essas pessoas vejam, assim como os adolescentes de hoje. O público-alvo é amplo neste sentido.
─ Por que você escolheu o tênis como tema?
Akane: Especificamente, é o ‘soft tennis’. É um esporte que não tem muitos jogadores competidores profissionais em uma escala global. Foi desenvolvido em uma época em que pessoas japonesas eram menores e mais fracas, então os jogos são pequenos e não requerem muita energia. Por isso, crianças podem jogá-lo.
Se Hoshiai no Sora fosse sobre um esporte conhecido, como basquete, vôlei ou baseball, você poderia ter aspirações de jogar profissionalmente. No ensino médio, as crianças que têm talento vão ter apoio de seus pais para continuar nisso a longo prazo. Mas soft tennis não era um esporte profissional quando fizemos a proposta para fazer Hoshiai no Sora; é um esporte que as crianças jogam puramente para se divertir. Eu queria fazer um drama ao redor disso.
Tem muitos animes que focam em esportes como basquete, mas pessoalmente, eu não consigo evitar vê-los como bastante calculados. Você escolhe este esporte porque ele pode gerar dinheiro, certo? Mas isso era impossível para soft tennis. Não tinham profissionais. Então você só jogava porque você gosta. Eu pensei que seria legal pegar um esporte por razões puras como essa.
Crianças na escola que têm ao redor de treze ou catorze anos vivem suas vidas de maneira menos calculada, eu acredito. Elas não pensam sobre como vão ganhar dinheiro como adultos.
─ Como o ‘soft tennis’ nasceu no Japão, você acredita que esta nuance pode não chegar aos espectadores do exterior?
Akane: Isso é uma pena. Eu deveria ter explicado mais esse ponto com o anime em si. Por favor espalhe essa informação.
─ Estou curioso sobre o título “Hoshiai no Sora”. É uma referência ao Tanabata?
(Nota do entrevistador: o festival celebra as divindades Orihime e Hikoboshi, amantes desafortunados que só podem se encontrar uma vez por ano.)
Akane: Sim, é.
─ Ah, entendo. O título em inglês (Stars Align) tem a nuance de uma oportunidade única na vida, mas não indica os amantes desafortunados de Tanabata em particular. Eu suponho que essa seja outra coisa que você pode não apreender se você não entende sobre a cultura japonesa.
Akane: Oh, eu não sabia isso. Traduzir para o inglês certamente parece difícil.
Akane: Sim, eu joguei quando estava no ensino fundamental e no meu primeiro ano do ensino médio. Algumas das coisas que eu experienciei no ensino fundamental estão na história. Ela é fiel à realidade desta forma.
Akane: É, eu suponho que tenha um elemento de experimento nisso também. Eu queria tentar algo novo com o visual. Ao redor do mundo pessoas gostam de ação exagerada, mas quando se trata de esporte, e especialmente algo que as crianças estão jogando, muito estilo e exagero tornará mais difícil ver suas emoções.
─ As cenas de partidas têm em sua maioria animação 2D, mas têm alguns elementos 3D ocasionais. Isso era algo que você queria explorar mais?
─ Então é por isso que as partes de animação computadorizada são limitadas?
Você realmente não vê muito deste tipo de coisa no anime, vê? Eu mencionei antes que é apresentado como comédia, e eu penso que isso é terrivelmente insensível. Questionar seu gênero é uma coisa perfeitamente válida de se fazer. Eu acredito que qualquer um que já questionou seu lugar ou razão para existir deveria ser capaz de empatizar com isso de alguma forma.
Pessoas japonesas tem um jeito antiquado de pensar quando se trata dessas coisas, então não existe ainda um entendimento amplo sobre LGBTQ+ e gêneros não-binários. Existem palavras japonesas como “okama” e “onee”. Eu acho que nós realmente devemos mudar a forma que falamos sobre estas pessoas. Pessoas jovens deveriam poder entender, então eu queria tentar colocar essa mensagem no anime. Mesmo no Japão, pessoas jovens têm uma reação melhor quanto a LGBTQ+ do que pessoas mais velhas. Pessoas mais velhas tendem a entrar em pânico. (risadas)
Mas, você sabe, eu fiquei realmente surpreso pela quantidade de reações que o episódio teve no exterior, no Twitter e tudo mais. Quando o episódio 8 saiu, veio uma inundação de reações de pessoas felizes com a mensagem sobre LGBTQ+ e sobre empatizar com outros.
─ Você falou sobre como o anime tem de inovar e testar novas ideias. O que você acredita que foi a maior inovação em Hoshiai no Sora?
Sabe, o mangá japonês é muito diverso. Tem mangás divertidos e interessantes que também lidam com problemas sociais. Qualquer seja o tópico, existe um mangá para ele. Eu sinto que essa é a força do mangá. Foram 50 anos desde o advento do anime da TV no Japão, mas ele ainda não atingiu esse nível de diversidade. Se não diversificarmos, o anime japonês vai morrer. Coisas vivas que não consigam se adaptar simplesmente não vão sobreviver, sabe? É o mesmo com a mídia em massa. Por isso eu queria criar parte dessa diversidade e fazer desta indústria um pouco mais flexível.
Os adultos vêm me falando que este tipo de coisa não vende, mas mesmo se não vender agora, é pelo bem da animação em 5 a 10 anos. Eu acredito que os consumidores, particularmente os jovens consumidores, podem entender isso. Comercialmente, isso pode ter um caráter um pouco experimental, mas é por isso que eu queria dar uma chance.
A parte 2 desta entrevista, discutindo o futuro do programa depois de aparecer na TV e as realidades atuais da indústria de anime, chega em breve.