Babylon e os seus impressionantes enquadramentos

Segunda-feira (28 de outubro), foi ao ar o quarto episódio de Babylon. O anime que está saindo pelo serviço de streaming Amazon Prime estreou três semanas atrás com três episódios de uma vez e, no meio de tanta coisa para se salivar como BeastarsFate BabyloniaBlade of the Immortal e os retornos de Boku no Hero e Shokugeki no Souma, o show conseguiu seu espaço graças a uma narrativa cheia de mistérios e a seu estupendo trabalho de direção. Motivado por isso, eu venho aqui comentar criticamente seu ponta pé inicial e destrinchar mais a fundo as qualidades do segundo episódio através de descrições escritas e visuais dos enquadramentos. 


Desde o primeiro episódio vê-se uma leitura competente de ritmo por parte da direção. Babylon é uma obra investigativa e como boa parte do que é deste nicho possui um caráter bastante expositivo. Mérito do material original ou não, aqui a sucessão de informações novas não foi de maneira alguma cansativa e isso pode ter alguns motivos: a organização muito bem feita dos momentos de se entregar as informações e a inventividade visual na hora dos diálogos expositivos. Os storyboards procuraram a todo momento ângulos potentes e a misé en scène nos ambienta do mundo burocrático em que vivem os protagonistas, o promotor Seizaki e seu parceiro Fumio. Além é claro da insistente aparição da balança, o centro temático de Babylon. 

O progresso das revelações no primeiro episódio constrói a importante ideia de que nada está muito sob o controle de Seizaki e de seu parceiro. E não estar com as informações sob controle é estar no mesmo lugar que o espectador. A qualquer hora é possível ser surpreendido por uma nova informação; tanto nós, quanto os protagonistas. Logo, a gente inevitavelmente se identifica e sente igualmente as reações daqueles que vivem a história.

Mas esses elementos servem não somente para criar um convívio saudável entre exposição e espectador, eles também dão vida às cenas de suspense. O momento mais notável do primeiro episódio é quando Fumio e Seizaki vão à casa do professor Inaba Shin, em que uma música clássica diegética excessivamente alta é abafada pela porta fechada. Conforme adentram o lugar, a música se torna mais alta até que finalmente explode entregando o que o suspense sadicamente prometia.

Carregados por essa direção responsável que chegamos ao climax do episódio, com um gancho forte, que justifica três episódios de uma vez e fazem de Babylon uma estréia extremamente promissora. A cena final, aliás, mostra mais uma vez a competência da direção com as cenas de suspense. O silêncio na cena de Fumio adentrando o hotel onde o presidente da Federação de Empreiteiras de Tóquio entrou com uma suposta prostituta, enquanto espera o elevador chegar nos faz temer pelo que vem. Quando Seizaki recebe uma mensagem e dispara no carro, então nosso estômago revira de vez, até que somos violentamente socados por uma cena apavorante, que nos faz mergulhar de cabeça no segundo episódio. Chegamos na cabeça da estreia, no show à parte. E a partir daqui, com spoilers!

Já na abertura do episódio, um flashback retoma a relação de Seizaki e o falecido Fumio. A relação é mais ou menos, não há um elo particularmente muito forte que os conecte ou que principalmente nos conecte aos dois (não houve tanto tempo para isso), mas a decupagem dos planos da cena é fundamental para criar a nossa compreensão do que aquilo representou para o promotor Seizaki. O enquadramento o dispondo num canto da sala (da tela) com o resto da espaço vazio: uma outra cadeira, que deveria estar sendo ocupada por um companheiro, que também estaria, ao lado de Seizaki, lutando pela justiça, incute a solidão e tristeza do protagonista no coração do espectador e de maneira eficaz gera empatia em nós. 

Depois, vem o cérebro dessa cabeça. Se Babylon está com moral entre os grandões da temporada, deve isso, sobretudo, ao interrogatório da srta. Hiramatsu. Envolvida nos segredos da densa trama recheio do anime, essa mulher proporciona outra das tantas reviravoltas desses primeiro três episódios. Ela poderia muito bem ser um passo fundamental de Seizaki em descobrir toda a história por trás do esquema de prostituição, a nova e autônoma cidade de Shiniki e os “suicídios” anteriores, no entanto os enquadramentos close desconfortavelmente longos impõem desde sua primeira aparição uma aura suspeita e instigam o espectador sobre quem ela realmente é.

Enquanto isso, a história opta por digressões, nos revelando os acontecimentos dos dias anteriores ao interrogatório. O diretor Nanase Tomii fez a escolha de colocar tudo de maneira alternada e concomitante, o que deixou a fluidez do episódio mais dinâmica, dando o ritmo devido às revelações, de tal maneira que aumentássemos nossa curiosidade sobre a figura de Hiramatsu. Quando o interrogatório finalmente domina a tela, vemos ela despertar seu cinismo e maliciosidade, com uma nova alternância, entre o tempo real e seu momento com três homens envolvidos na eleição para primeiro prefeito de Shiniki numa fonte termal. Hiramatsu se encaixa devidamente no lugar de femme fatale, com uma capacidade assustadora de manipulação através da sedução.

Passo a passo, Tomii criou suspense, mostrou a verdadeira face da personagem e progressivamente a fez colocar o promotor Seizaki contra a parede. Vale explorar a decupagem genial desse interrogatório:

PRIMEIRO
Na primeira intimidação de Hiramatsu, a música se transforma num som escabroso, como um corpo se movendo desesperadamente debaixo d´agua. Isto, logo após uma breve explosão de raiva de Seizaki, como se indicasse os seus pensamentos borbulhando com fervura. Na imagem abaixo, a cena anteriormente mostrava Hiramatsu brincando com o pênis de um dos três homens com que foi para as fontes termais. Num corte usando a cueca como um “passador de cena” vemos ela da mesma forma brincar com Seizaki. 

SEGUNDO
Sob uma nova luz, dominado por cinza, Hiramatsu agora avança mais diretamente e “cresce” para cima do promotor Seizaki, mostrando suas verdadeiras intenções. Enquadramentos seguidos dela gradativamente maior e música a impondo contra ele. Contra nós.

TERCEIRO
Após essa cena há um uso excelente da tela dividida, em que a parte da senhorita Hiramatsu começa exprimida pela de Seizaki mas logo vai tomando espaço e se aproxima do rosto do promotor, até afastá-lo, como se literalmente o encostasse. O corte, em seguida, revela a distância ainda grande, mas atesta uma verdade: Hiramatsu está no controle e sufoca o promotor.

Agora, interrogador e interrogada mudam de posição. Hiramatsu faz as perguntas e conduz o rumo da conversa de acordo com seu interesse.

QUARTO
As mãos do diretor a levam literalmente para a cabeça de Seizaki. Sua retórica furtiva a coloca sobre completo controle da situação.

Após ser completamente quebrado, Seizaki deixa a sala. Quando retorna, descobre que Hiramatsu fugiu misteriosamente. Derrota.

Nada que impeça a vida de lhe presentear com uma nova porrada. O pobre e pequenino Seizaki no meio de uma grande conspiração… mais um sucesso na escolha do enquadramento.

Reparem na progressão: PRIMEIRO, ela brinca com ele; SEGUNDO, ela cresce, ameaça; TERCEIRO, ela sufoca; QUARTO, ela o manipula através da conversa e entra na cabeça dele. A direção de Babylon executa uma exímia performance de vilã. Para além, é interessante reparar como em vários momentos, seja com a Hiramatsu, seja nessa última cena com os políticos, Seizaki está sempre num lugar pequeno e oprimido. Gradativamente a história esmaga sua perspectiva arquetípica de defensor da justiça e, sobretudo, o seu poder de fazer justiça. Todo esse carinho visual e narrativo, esse deslugar no meio de tanta informação leva a gente junto na enxurrada. Seizaki, estamos com você – e não é só porque o seu dublador é o mesmo do Bucciarati de Jojo Golden Wind.

Independente do dilema de Seizaki, justiça seja feita: Babylon oferece um excelente espetáculo audiovisual e se seguir assim pode ser um dos melhores animes do ano. Resta ver que rumo a história e a discussão vão tomar e se a staff vai manter essa qualidade.