Girls’ Last Tour: Tudo Será Esquecido

Em seu núcleo, Girls’ Last Tour é uma história sobre a morte especificamente e sobre coisas que terminam de maneira mais geral. A civilização decadente pela qual suas protagonista Chi e Yuu lutam é um lembrete da impermanência de todas as coisas, o tipo de lembrete que torna impossível viver sem reconhecer sua própria impermanência. As duas não podem se consolar com coisas como “nossas ações contribuirão de alguma forma para uma causa maior”, “nossas vidas serão lembradas”  ou qualquer outra coisa que então implique um tipo de eternidade – as ruas em ruínas que elas atravessam permanecem como um guarda contra tais ilusões, enfatizando que todas as coisas acabam eventualmente.

Eu realmente amo esses momentos/episódios de Girls’ Last Tour, que funcionam como pequenos e belos ensaios sobre a natureza da luta humana contra a inevitável impermanência de todas as coisas, sobre nosso medo de sermos esquecidos na morte. O que é parte do coração temático desse gênero – encontrar significado em um mundo que acabou. Não há mais batalhas para lutar nesses mundos – seja lá o que algum herói de ação possa ter realizado anteriormente, suas ações não são mais relevantes pois o mundo já chegou ao seu fim. Este é o fim de todas as coisas: a vala do esquecimento. 

A aquisição de uma câmera por Yuu e Chi durante as fazes iniciais da serie facilitou naturalmente conversas sobre impermanência, pois as meninas refletiam sobre como uma fotografia poderia durar mais que suas próprias aventuras. Isso, por sua vez, levou à descoberta de uma das barreiras mais duradouras da humanidade contra o esquecimento – os deuses e templos que criamos e os contos que contamos sobre viver a eternidade a favor desses deuses. A teorização ociosa de Yuu e Chi sobre os princípios desse templo serviu como uma ilustração natural do fato de que mesmo nossas verdades mais sagradas e criações impressionantes acabarão perdendo seu significado e não servirão mais como lembrete de nada além de si mesmas. O significado de um ritual é o significado que trazemos para ele – o significado que coletivamente damos a ele, por meio de nossa própria paixão humana. 
Mas Yuu e Chi não precisam de deuses para encontrar um propósito; compartilhando o almoço à sombra de um deus antigo, suas conversas enfatizaram que simplesmente viver e cuidar uma da outra é significado o suficiente, não importa quão impermanente. O único ritual significativo é cuidar uma da outra. 

Mas enquanto Chi e Yuu tem pelo menos uma a outro, a fonte de significado de um personagem como Kanazawa era o mapa que ele estava criando – em um mundo em ruínas, ele encontrou esperança em um sonho de catalogar uma cidade desbotada. Porém, quando seu mapa foi levado pelo vento, Kanazawa foi forçado a se perguntar por que ele realmente continua se movendo e a que propósito ele pode realmente servir neste mundo. Mas no fim Kanazawa foi consolado pelas palavras inesperadamente profundas de Yuu: “Você não precisa realmente de um motivo. Às vezes, coisas boas apenas acontecem.“ Yuu pode não entender a gravidade dessas palavras, mas este é de fato um dos meus argumentos temáticos favoritos. . A vida é bagunçada e insatisfatória, e muitas vezes não conseguimos os finais limpos ou as recompensas que achamos que merecemos. No reino do diário de viagem apocalíptico, “coisas boas às vezes acontecem” fica ao lado de “pelo menos nós temos um ao outro” como o contraponto desafiador ao colapso geral da sociedade.

Yuu e Chi ilustraram através de suas conversas que elas não precisavam do significado de um templo – nossas grandes obras acabarão por se deteriorar, mas toda nova geração encontrará coisas que são preciosas para elas, coisas que inspiram esperança. Que é o tipo de ilustração também enfatizada pelas cidades do programa – seus níveis foram sendo construídos sobre outros de civilizações anteriores. Como se a cidade fosse um recife de coral, com as novas gerações se estabelecendo e criando mundos sobre os ossos da antiguidade. É uma espécie de esperança, porém, implicando que todas essas ruínas são apenas o processo natural de uma era substituindo outra. Além de também explicar a fascinante diversidade arquitetônica destas cidades – há uma clara divisão estética entre as vastas e arredondadas estruturas da sociedade verdadeiramente antiga e os atarracados projetos quase modernos dos prédios ao seu redor.

Isso leva a arte incrivelmente bem sucedida de Girls’ Last Tour, que é muito boa para encontrar beleza em paletas de cores bastante limitadas. O cinza consistente da cidade significa que é preciso ser criativo quanto ao uso da qualidade da luz solar e da arquitetura consistentemente dinâmica para impedir que o programa pareça muito homogêneo e obtém um sucesso maravilhoso. As cidades também tem um senso claro de solidez e presença física. Nunca há um delineamento estético óbvio entre o solo, os edifícios e o céu; as paletas de cores coesas e o trabalho de textura, juntamente com a geometria desintegrada dos edifícios, sempre fazem com que pareça um lugar real. Realmente é capturado como eras de ambição humana estão materializados aqui, e agora tudo ficou quieto. Dos belos cenários à sua adorável mistura de faixas orquestrais e vocais, Girls’ Last Tour cria uma verdadeira atmosfera. 

E o que difere os melhores episódios de Shuumatsu é justamente como eles complementam o charme usual e os prazeres atmosféricos do programa com uma meditação totalmente formada e comovente sobre por que vivemos em primeiro lugar. As resolução do programa sobre a maioria dos debates combina um reconhecimento da necessidade de esperança com uma perspectiva mais fundamentada, quase zen, cortesia de Yuu.

Mas apesar de tudo isso, Girls’ Last Tour não é um farol de positividade imaculada – o anime parte essencialmente da suposição de que todos os esforços são inúteis e que todos os sonhos fracassam, e tenta dar sentido a viver diante disso. Seu mundo é um testemunho em ruínas do fato de que, apesar de nossas grandes ambições, nosso egoísmo e capacidade de violência como humanidade acabarão desfazendo tudo o que realizamos. Em Girls’ Last Tour, tudo em que podemos realmente acreditar é que um dia seguirá outro e que algumas pessoas são genuinamente decentes. Ele afirma que isso é o suficiente, e espero que esteja certo; no mundo de hoje, parece que estaremos testando a filosofia do programa em breve. 

A amizade dessas duas não pode salvar este mundo, mas elas ainda estão salvando uma a outro, todos os dias que passam, garantindo que ambas tenham esperança, alegria e um senso de propósito.

À medida que avançamos por vidas cheias de ação inquieta e planos ambiciosos, refletir perpetuamente sobre a impermanência não é necessariamente um exercício útil – sim, claro, tudo pode acabar virando pó, mas ainda temos que trabalhar, comer e cuidar um do outro. Mas quando você se lembra da impermanência e perde algo que não pode ser substituído, ajuda a ter histórias como a de Girls’ Last Tour, que reconhece essa perda enquanto insiste que vale a pena viver, mesmo que a vida termine. Há tanta beleza neste mundo, e sou eternamente grato pelas histórias que reconhecem tanto a beleza quanto a tristeza e saúda as inevitáveis ​​tragédias de viver com honestidade e esperança. Viver é seu próprio significado, e o amor é sua própria recompensa. Em um mundo em ruínas, o conforto que podemos oferecer um ao outro se torna muito mais crucial e um símbolo natural de como a bondade humana é invencível. Continue andando. Continue se esforçando. Seja gentil. Se não temos um ao outro, não temos nada, então tente trazer algo de bom para o mundo.

Se você gostar de textos como este e gostaria que continuássemos escrevendo, por favor, considere colocar um ou dois reais no nosso padrim.
***