Entrevista de Makoto Shinkai sobre Indústria de Animes, Tenki no Ko e sua carreira

O mais novo filme do famoso diretor Makoto Shinkai, Tenki no Ko (Weathering With You) já arrecadou mais de 12.1 bilhões de ienes com a venda de 10 milhões de ingressos, é o filme com maior bilheteira de 2019 no Japão e é agora o sexto filme de animação japonesa com maior bilheteira de todos os tempos, superando o filme de 2013 de Hayao Miyazaki, Kaze ga Tachinu (The Wind Rises).


Essa é a tradução adaptada da entrevista do diretor sobre o longa. Shinkai também é conhecido por animes como Kimi no Na Wa e 5 Centimeters per Second.
Sobre o filme
Acompanha o estudante Hodaka que deixa a sua casa numa ilha isolada e que se muda para Tóquio, onde ele fica imediatamente falido. Ele vive os seus dias em isolamento, mas finalmente encontra um emprego como escritor para uma revista obscura ocultista. Depois de começar a trabalhar, o tempo está chuvoso dia após dia. Num canto da cidade movimentada e lotada, Hodaka conhece uma jovem chamada Hina. Devido a certas circunstâncias, Hina e o seu irmão mais novo moram juntos e têm uma vida alegre e forte. Hina também tem um certo poder: o poder de parar a chuva e limpar o céu.
Você trabalhou em Kimi no Na wa quase até à data de lançamento, houve alguma dificuldade nesse processo que tentou consertar enquanto fazia Tenki no Ko?

Tanto para Kimi no Na wa, como para Tenki no Ko, a produção foi bastante difícil. O que está acontecendo na indústria de animação no Japão é que não há pessoas suficientes, não há tempo suficiente e não há dinheiro suficiente. Eu acho que uma das coisas que temos que fazer na indústria anime como um todo agora é criar um sistema melhor para ajudar na produção. Em Tenki no Ko, tivemos uma massoterapeuta e um acupunturista no estúdio para cuidar dos trabalhadores. Também trouxemos almoços orgânicos em caixas de bento (marmita), para que pudéssemos comer uma boa comida. Eu acho que a massagem funcionou melhor porque passamos muito tempo da produção curvados!

Achou assustador acompanhar o grande sucesso de Kimi no Na Wa?

Acho que realmente não senti pressão. Quando eu estava a criar Kimi no Na Wa, não estava o fazendo para se tornar um grande sucesso. O que eu queria fazer era provavelmente o que muitas audiências queriam ver na época. Parecia que simplesmente dei muita sorte. Não acho que seja algo que possamos recriar. Então, com Tenki no Ko, eu só queria fazer o que eu queria e ver se o público realmente queria vê-lo desta vez [risos].
Bem, foi muito bem recebido até agora.

Sim, estou feliz por termos conseguido criar algo que o público queria ver. Mas então, enquanto eu estava ontem assistindo o filme com a plateia, eu continuava a observar coisas que poderíamos ter feito melhor. Eu só tive muitos arrependimentos enquanto assistia. Quero dizer, todos se riram nos pontos que eu esperava que acontecesse, mas então vi muitas coisas que talvez eu pudesse mudar. Então agora estou realmente querendo fazer o próximo filme para que eu possa resolver todos esses problemas.

Você criou o Hepburn: Hoshi no Koe quase sozinho em 2002. Como trabalhar com uma equipe maior impactou o seu processo?

Acho que posso dizer que há uma enorme diferença em fazer um filme sozinho e fazer com uma equipe enorme, mas também que nada mudou. Eu ainda faço todos os storyboards sozinho, mas há uma grande diferença porque eu me comunico com muitas pessoas agora. E agora que já trabalhei sozinho num projeto completo, estou satisfeito a esse respeito. É realmente divertido trabalhar em conjunto com uma equipe. E mesmo que eu faça todo o storyboard sozinho, posso desenhar, obter feedback e, em seguida, consertar ou alterar as coisas. Ter essa comunicação com a minha equipe é realmente divertido, e depois apresentá-la ao público e ver o feedback deles também é divertido.
Houve comparações entre o seu trabalho e o trabalho do Studio Ghibli, o termo “o próximo Miyazaki” foi usado para descrevê-lo. Esse é um título que você gostaria?

Eu acho que no Japão, a coisa toda do “próximo Miyazaki” é apenas do sucesso das bilheterias. Miyazaki foi capaz de lançar sucessos após sucessos. Talvez as comparações tenham acontecido porque Kimi no Na Wa e Tenki no Ko saíram tão bem de seguida no Japão. Eu realmente sinto que não estou nem perto de Miyazaki. Ainda sinto que os meus filmes estão incompletos e sinto-me um pouco estranho ou mal por estar a ser comparado a sua grandeza.

Eu também acho que as pessoas podem nos comparar só porque nós dois estamos na animação. É verdade que fui inspirado pelo Sr. Miyazaki; ele tem esses temas universais em todos os seus trabalhos com os quais as pessoas se relacionam fortemente, usando algo daquela época específica que parece ter que ser produzido naquele momento. Eu quero fazer algo assim nos meus filmes. Com o Tenki no Ko, tentei incorporar desastres ecológicos que estão a acontecer e que se estão a tornar mais visíveis no Japão. Eu queria um sentimento com o qual as pessoas se pudessem relacionar no meu filme.
A mudança climática estava na sua cabeça quando estava a criar este filme?

Eu realmente tinha apenas dois temas que queria explorar, um é, é claro, sobre a mudança climática. Você sabe, porque ultimamente existem tantos desastres e nós os vemos todos os dias nas notícias e está diretamente relacionado com as nossas vidas. Há pessoas realmente morrendo e edifícios caindo aos pedaços e isso foi algo que me comoveu muito. É algo com que me preocupo, então eu queria incorporar isso no meu filme, mas também ter os desejos individuais de um rapaz contrastados com os desejos ou o bem da comunidade, e o conflito entre isso.
Muitos dos seus trabalhos anteriores, incluindo The Garden of Words e agora Tenki no Ko, têm uma forte conexão com a natureza, especificamente a chuva. Você sente tal conexão?

O Kotonoha no Niwa (Garden of Words) foi por volta de 2013, enquanto Tenki no Ko foi lançado em 2019, e acho que nestes seis anos, as pessoas no Japão mudaram sobre como se sentem sobre a chuva e as diferentes estações do ano. Antes, a chuva era bonita e as estações pareciam mudar muito lentamente, a cor das folhas e coisas do tipo. No Garden of Words, a chuva era algo que aproximava as pessoas. Mas, nos últimos anos, essas mudanças sazonais parecem estar nos atacando. Então, eu realmente queria que a chuva fosse mais violenta e agressiva neste filme.
Você disse anteriormente que era muito raro ver anime em um cenário internacional como o do Festival de Cinema de Toronto. Com a apresentação de Tenki no Ko aqui, e com a escolha do Japão para filme internacional no Oscar, você acha que o anime está sendo mantido em igual consideração com os filmes live-action?

Quando fui escolhido, as notícias realmente me surpreenderam. Pensei: “por que eles me escolheram?”. Mas quando você pensa sobre isso, nas bilheterias, mais pessoas assistem filmes de animação no Japão do que filmes live-action. Sinto que o anime é muitas vezes muito representativo da cultura japonesa, mas em relação ao Oscar, não sei se tenho confiança de que ele possa já estar na mesma plataforma dos filmes live-action. Acho que vou saber mais quando for lançado na América do Norte e ver como é recebido.
Sinto que o anime é muitas vezes muito representativo da cultura japonesa

Realmente, quando eu estava fazendo este filme, eu estava fazendo para os jovens no Japão. Eu fiz isso principalmente com a música; há muito significado nas letras, que são em japonês, e o ritmo do filme é tão rápido para acompanhar os jovens e a rapidez com que vivem. Mas mesmo no Japão, suponho que haja crianças ou idosos assistindo e acho que eles se enquadram na mesma categoria de um público global. Estou um pouco preocupado se fiz o suficiente para entreter pessoas fora desse público-alvo. Desculpe se pareço negativo, mas me preocupo com isso.

De qualquer forma, os seus últimos filmes foram grandes sucessos no público internacional! Basta olhar para os planos para o remake americano de Kimi no Na Wa. Você já teve alguma conversa com as pessoas envolvidas?

O fato é que este filme se saiu tão bem, e o último se saiu tão bem que eu não deveria ser tão negativo, mas acho que é apenas a minha personalidade a ser negativa e preocupada. No que diz respeito à versão hollywoodiana de Kimi no Na Wa, há muitas coisas sobre as quais não posso falar. Mas eu comunico com a equipa de Hollywood. Especialmente com o o roteirista Eric [Heisserer, que escreveu Arrival]. Eu li o script, dei alguns comentários e recebi atualizações. Então, eu estou com eles, mas há muito que não posso falar. Eu acho que o importante é deixar isso para eles. O que eles querem fazer é realmente importante, e estou ansioso para ver o que eles vão criar.