Confrontando a submissão em The King of Pigs (2011) | Review

The King of Pigs (Dwaejiui Wang) é um filme sem cor ou esperança em constante empalidecimento. Ditado pela violência desde a primeira cena, em que uma mulher asfixiada está caída sobre uma mesa e um homem grita no chuveiro, o longa segue à diante descendo uma sinuosa ladeira em direção ao inferno. Para conduzir essa queda, o empresário falido e, agora, algoz da própria mulher, Kyung Min sai do chuveiro rumo ao telefone em busca do personagem introduzido logo em seguida. Jong Suk é um ghostwriter fracassado que sofre assédio moral do chefe. Em casa, ele desconta as frustrações na própria mulher, atiçado por um ciúme fruto de pura raiva. Uma introdução cirúrgica para uma história que vai contar não somente sobre a violência, mas sobre o seu ciclo. O que é, a princípio, um sinal de opressão de gênero (sofro no trabalho, não posso descer o cacete no chefe, então desconto na minha mulher) vai rapidamente se estender para o âmbito socioeconômico à medida em que Kyung Min e Jong Suk conversam sobre o passado. 

Se desprendendo do presente, o filme passa a focar na adolescência dos protagonistas. A vida escolar dos dois começa a ganhar ares de terror quando surge a dicotomia “Cachorros x Porcos”, na qual os cachorros são filhos de famílias ricas que controlam a escola, enquanto os porcos são o resto dos alunos, submissos à hierarquia imposta. Já na primeira cena de covardia dos Cachorros (uns pulguentos, que comandam apenas a sala dos protagonistas), vemos Kyung Min ser assediado. Com o rosto, ele mente um sorriso – um dos poucos desse filme triste. A tentativa de amenizar sua impotência estressa Jong Suk; este, por sua vez, não consegue engolir a raiva e é externamente honesto, embora ainda incapaz – uma cena doída pra caramba!  

A partir daí, The King of Pigs se inclina para o abismo e dispara sem pudor. Violência física, tortura, assédio sexual, moral, homofobia e outras atrocidades são cometidas com os Porcos. Qualquer coisa, desde socar a cara deles à ser um aluno prestativo em sala de aula, é um gatilho para os Cachorros botarem sua presas afiadas para fora e mostrarem que, aqui no inferno, cão que ladra, morde. 

Os protagonistas vão sendo espremidos e levam você, espectador, junto por esse corredor cada vez mais estreito. A possibilidade de diálogo ou rebeldia são descartadas. Situações humilhantes se acumulam. As famílias são portas fechadas com quem eles têm pouca ou nenhuma comunicação; no caso do Kyung Min isso é ainda pior, já que o pai é um dono de bordel que maltrata as prostitutas (ou seja, um cachorro). Enquanto suas mentes racham, surge um brilho diferente entre as banhas rosas e grunhidos. Um grunhido mais alto, capaz de se sobrepor até mesmo aos latidos dos poderosos Cachorros: é Kim Chul, O Rei dos Porcos, um garoto sem eira nem beira cuja submissão jamais será uma escolha. 

Chul tem a raiva esculpida no rosto. Como uma flecha, ele aponta vorazmente para os cruéis valentões, e, em meio a suas barbaridades, atira. Ele soca, chuta, grita. Um verdadeiro animal sem controle, pronto para defender sua autonomia e a de seus semelhantes suínos a qualquer hora. Essa chama de resistência queima no centro da história. No centro de uma bifurcação para Kyung Min e Jong Suk. A existência de Chul abre um buraco no inferno, os permite respirar, mas é insuficiente para defendê-los. Então, para resistir até o fim de seus dias naquele lugar, eles terão não apenas de contar com Chul mas de ser como Chul. O momento de aprendizagem, entretanto, lhes revela o quão difícil e assustador foi atingir esse nível de rebeldia.

“Para combater o mal, é preciso ser pior que ele”

Eis o ponto em que o filme se prova insuportável. Ele consegue transmitir isso perfeitamente pelos personagens, para além da violência absurda, pelos questionamentos que eles se fazem, mesmo após se deleitarem da maldade e libertarem seu desejo de vingança e autodefesa num ritual animalesco na casa de Chul. Suas mentes quebradas procuram a todo momento uma resposta, um caminho que os leve à paz. Esta, porém, parece uma distante utopia (mesmo quando adultos). Eles, então, mergulham de cabeça no destino. Aguentam, esbravejam, torcem por Chul, se drogam como escapismo. Os sinais do sofrimento piscam à toda hora. Nem o próprio Chul escapa da dor. Como dito, não foi fácil chegar ali, e na matéria-prima desse ser violento está uma ferida não cicatrizada de um abandono paterno relacionado ao dinheiro – novamente a questão monetária como empecilho e localização dos personagens nesse mundo.

Visualmente, “The King of Pigs” é feio. Um CGI esquisito, às vezes misturado à animação convencional. Só não vale reclamar, já que o diretor Yeun Sang-Hoo contou com um gigante staff de dezesseis pessoas. No fim das contas, essa feiura acaba sendo um diálogo perfeito com o mundo que nos é apresentado. Ela também favorece expressivamente os personagens. Uma das coisas mais importantes da experiência é perceber o destino dos três garotos se estreitando até sobrarem apenas ódio e violência como opções, e isso está muito bem exposto nas expressões quase desumanas deles em momentos de raiva. Aqui e ali se vê um sobressalto visual como na cena em que os garotos deliram usando drogas, que faz uso de algumas metáforas e se modifica de maneira bem interessante.

De toda forma, ao olhar para o design do longa, acaba se esperando muito da história. Felizmente, somos recompensados à altura da expectativa. A história é boa, imersiva, sobretudo, consegue o que quer: esgotar o espectador com uma realidade insuportável. Ainda que não tenha nuance moral, percebe-se como a coisa toda é cíclica e não só os Porcos são submissos, como também há submissão entre os Cachorros; em vários momentos, os valentões da sala dos protagonistas são pressionados e culpam os porcos pela pressão que sofrem de cachorros mais velhos – remetendo à relação de causa e consequência entre a violência inicial do longa. O único detalhe fora de lugar é a alienação dos adultos da escola. Não fica claro se isso provém do domínio financeiro dos Cachorros. A gente até presume, mas é uma lacuna em aberto que incomoda, por ser uma pergunta óbvia de quem vê. 

Ademais, vale olhar com olhos preocupados para o longa. Em entrevista ao Flixist, durante o New York Asian Film Festival de 2012, o diretor declarou que os acontecimentos do filme são baseados em histórias da vida escolar dele. “O que eu vi, ouvi e é o tipo de experiência que a maioria dos garotos no geral passariam na Coréia do Sul”, em suas próprias palavras. 

Yeun Sang Hoo, diretor de “O Rei dos Porcos”.
The King of Pigs” é sobre como a desigualdade socioeconômica e a hierarquia nascida desta moldam uma sociedade violenta e opressora na qual é preciso ir ao extremo para sobreviver. Quando um pingo de esperança surge, evapora antes mesmo de pingar. Assim, afogados por agressões diárias, os três personagens principais se deterioram na busca de estratégias para resistir. Um suspense psicológico sobre o inferno oculto nas instituições que regem o cotidiano sul-coreano. Niilista, escabroso, real e visceral perspectiva de um diretor promissor, que conseguiu com um staff minúsculo levar sua animação para o Festival de Cannes (a primeira animação sul-coreana a marcar presença no festival) e ganhar três prêmios no Busan.

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