Ghost in The Shell (1995) | N.A.N.I. #4

|Formato: Filme | Estúdio: Production I.G | Fonte: Mangá | Diretor: Mamoru Oshii
 
OBS – Esta análise possui poucos spoilers sobre a série, e não revela o final.
 
Sinopse
 
No ano de 2029, os avanços tecnológicos permitem que as pessoas possam substituir seus membros e órgãos por partes robóticas e se conectarem a grande rede. Na cidade de Niihama a Seção 9 da polícia composta por inteligências artificiais, cyborgs e humanos não melhorados investigam casos crimes de corrupção e terrorismo.
 
Major Motoko membra da seção 9 teve seu corpo totalmente robotizado, ela junto de Batou e Ishikawa recebem a importante missão de investigar o “Mestre de marionetes”, um hacker famoso por entrar na mente das pessoas.
 
Análise
 
Escrever sobre GITS é um desafio, pois já existem milhares de reviews, livros e vídeos falando e elogiando Ghost in The Shell. No entanto, como se trata de um anime da série de análises para o quadro N.A.N.I. – sobre os animes mais importantes da indústria em um todo, há alguns elementos ainda essenciais para serem abordados e demonstrar a devida importância de Oshii e seu filme Ghost in The Shell.
 
Mamoru Oshii é o diretor desta obra, que foi lançada em 1995, além de também ser o diretor de Tenshi no Tamago (1985), do qual também já fiz uma análise. Durante essa época, entre esses 10 anos, junto das suas produções em Patlabor, Oshii atingiu seu ápice e pode ser realmente livre, para entendermos melhor iremos passar pelos eventos do qual concebeu Gits e da sua importância para então chegarmos no conteúdo. Lembrando que já há uma matéria exclusiva no blog onde falamos sobre sua arte e narrativa.
 
Gits nasceu da casualidade
Oshii estava trabalhando em um outro filme logo após Patlabor (1992), mas a companhia Bandai cancelou o projeto e depois de terminar o Patlabor 2 (1993). Ele perguntou à Bandai qual seria o seu próximo projeto, na época ele pensava que seria uma OVA baseada no mangá Kenroh Densetsu (comédia similar a Urusei Yatsura, o seu primeiro anime), mas a Bandai sugeriu a ele que seu próximo trabalho seria a adaptação do mangá de Shirou Masamune, Ghost in The Shell; talvez pelo fato do mangaká se esconder atrás de um pseudônimo, e ninguém de fato o conhecer, a Bandai deu total liberdade para Oshii alterar o conteúdo original.
 
Shirou em sua obra tratava de vários temas, política e críticas a sociedade, mas seu estilo fazia da Major mais sexual dando a ela um namorado e poses sensuais; o diretor resolveu subverter toda a sexualidade em algo a favor da Major. Ele a fez como mulher de boa convicção por um bom motivo. A segunda alteração foi sua busca incansável em debater ideias da religião, dando à obra uma pitada desde Budismo até Cristianismo.
 
 
Porém, todo o esforço não importou na exibição do filme nos cinemas que em Tokyo durou apenas 4 semanas, mas quando estreou nos Estados Unidos tomou o primeiro lugar em vendas e levantou bons números, iguais ao filme Akira. Nascia assim o “Embaixador do universo Cyberpunk do Japão no Ocidente” ao assumir um papel não planejado pela produtora. Gits se tornou uns dos maiores sucessos no ocidente, inspirando no mais recente live-action A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017), e, mesmo antes, inspirando os irmãos Wachowski a fazerem a sua versão, chamada Matrix (1999) – as letras verdes em japonês são referências.
 
O que é Cyberpunk?
Existe a problemática ou a busca incessante pela resposta que diversas obras tentam solucionar, não é somente avanços tecnológicos ou sci-fi. Nele, a pergunta “O que nos faz seres humanos? ” é o grande foco, assumindo diversas faces como em Blade Runner, Matrix e Neuromancer. É claro que o berço do Cyberpunk não é o Japão. Oshii e os anos 80 no Japão adoravam a cultura americana, o país se inspirava em outras culturas como também fazemos, então o conteúdo da obra é fruto dos clássicos ocidentais pela visão religiosa (uma crítica conceitual) do diretor.
 
A busca incessante da Major Motoko
Nada está por acaso nessa obra, e por isso existem análises completas dedicadas a apenas alguns segundos de cada parte do longa. Logo no início entendermos o porquê, vemos a produção do que podemos supor ser a Major, ela possui aparência e músculos iguais ao nosso, porém é diferente, e então a concha com o cérebro surgem. Na realidade, nunca vemos o cérebro, ele é posto no corpo e então várias cenas dela “emergindo” e adquirindo o aspecto humano acontece, para então acordar no seu quarto e simplesmente sair para trabalhar.
 
 
Nada é dito, o suposto nascimento da Major e a sua dúvida são contados sem a menor fala acompanhados do grande trabalho musical de Kawai Kenji (Higurashi, Patlabor). Kenji compôs as músicas usando como base os corais que cantavam nos casamentos, e o japonês clássico com estilo harmônico búlgaro para simbolizar a união que estava por vir.
 
As músicas foram criadas carregadas de sentimento e significado, igual a relação do próprio compositor com o diretor. Oshi e Kenji trabalharam em muitos projetos juntos e a comunicação entre eles quase não era necessária, “[..] um sabia o que o outro precisava”.
 
Voltando à personagem, mais tarde ela se questionaria se realmente dentro da casca (shell) existia um cérebro orgânico (um ghost, ou alma), mas o fato é que na personagem existe a falta de elementos humanos, o quarto dela é vazio, a resposta dela ao trabalho é fria – esta é a forma da Major mostrar que é um objeto da seção 9 e nada mais, seu corpo pertence a uma empresa. 
 
Essa é outra forma de criticar o sistema laboral, talvez a realidade japonesa, onde pessoas não são pessoas e sim máquinas que eventualmente quebram e se matam após excesso de trabalho. A Major também não sente medo e esse sentimento é um dos, senão o mais, peculiar dos sentimentos de um ser vivo: o “medo da morte”.
 
 
Ao longo da obra, é possível ver a retratação dos efeitos da dúvida dela refletida na visão do seu companheiro Batou, que é diferente em princípios e na própria forma de expressão. Para ele a vida tem seu valor seja ela realidade ou não:

“Tudo isso é informação, até mesmo as experiências e sonhos são simultaneamente realidade e fantasia. Não importa como você veja, toda a informação que a pessoa acumula ao logo da vida é apenas uma gota em um oceano. ” Por Batou.

Ou ao dizer que “[…] no momento que você começa a duvidar, não há mais volta. ”. Ele aceita o que a Major rejeita, e ao fazer isso, cria-se um ótimo diálogo que convida o telespectador a se questionar sobre sua própria realidade.Este na verdade é o melhor aspecto em quase todas as obras de Oshii, existe um grande e oculto convite para nós questionarmos. 
 
Ao decorrer da obra surgem outros personagens que carregam seus valores, como o Mestre das Marionetes, que é o resultado tão temido pela Major tentando sobreviver, com conceitos que foram cultivados no lendário filme Blade Runner o Caçador de Androids e que aqui são tratados com respeito e carinho. Ao fim da trama, temos uma excelente conclusão da qual não gostaria de expor, mas é realmente a essência de todo o universo cyperpunk e é tão carregada de referências que não caberia em uma única análise sem pretensões de se alongar demais.
 
A úmida cidade de Ghost in The Shell
A cidade sem nome é o devaneio da série, a forma de explorar nossos limites, então para a minha lógica temos uma cidade asiática, talvez Hong Kong, demonstrando seu lado mais frio e sujo, um mercado de peixe que é gelado e te deixa incomodado pelas mãos sujas do vendedor, sem ao menos te deixar olhar para outro lado.
 
 
Ao longo do filme, a cidade tende a “incomodar” pelo seu clima e sua forma de ser, as pessoas frias passavam pelas ruas sujas enquanto a Major procurava por si mesma. A água, umidade, garoa ou chuva formam cruelmente o clima dessa território que diz muito com seus cenários e sua ambientação. As referências dentro da cidade e na composição ajudaram na imersão, facilmente qualquer um que não entender a história irá se maravilhar ao ver a qualidade impecável da arte, ação e fluidez que acompanha a nossa busca incansável pelo Ghost.
 
Quem leu a análise de Tenshi no Tamago lembra de eu ter dito que,  para Oshii, a água é o catalizador de religião, sentimento e renovação. Ele sempre aborda os clímax e revelações sobre a chuva – mesmo na cena da Major renascendo ao flutuar até a superfície, independente do estilo, a água é a forma do diretor contar e demonstrar os mais diversos sentimentos e angustias.
 
A nudez
No início do texto, comentei sobre “subverter a sexualidade” em algo importante, logo nos primeiros segundos há cenas de nudez sem a menor conotação sexual, Oshii buscou ressaltar que ela é mulher e isso se deve ao que ele entendeu sobre a religião – perceba, é a visão pessoal do diretor -, mais especificamente o budismo.
 
 
Ele poderia ter criado um personagem masculino, mas então ele só estaria reforçando tudo o que lhe foi ensinado, portanto e propositalmente se decidiu formatar toda a crença sobre a mulher dessa forma, veríamos assim tudo por um novo ângulo, como de fato ocorreu. E ao meu ver, o exercício de mostrar o corpo robótico dela se deve ao fato de que assim não restaria dúvidas sobre o que ela é. E de modo simples, as cenas não deveriam roubar a atenção de quem assiste, mesmo para um sessão de filme com a família não haveriam problemas, é um tipo de nudez justificada e madura com pleno significado no filme.
 
Conclusão
 
Ghost in the Shell aborda um plano mais racional e comum do universo cyberpunk, diferente de Tenshi no Tamago, pois seu grande diferencial na história é a capacidade de agregar os principais elementos da cultura da época em demonstrar com mastreia sua mensagem sobre os intocáveis assuntos do cerne dos seres humanos, suas dúvidas sobre si mesmos enquanto criaturas vivas e sobre a religião e o vazio existencial.
 
Os outros elementos claramente são superiores e de qualidade também. É um filme de 1995 que ainda hoje em sua versão 4K apresenta beleza e fluidez juntamente de uma ótima trilha sonora. Esse é um filme que vale a pena recomendar para qualquer pessoa, seja fãs ou não de animes.
 
Direção: 10 – Sem dúvidas, o melhor trabalho de Oshii. 10
Roteiro: 10 – Bem complexo e cheio de diálogos profundos, é uma das melhores coisas que já vi.
Produção visual: 10 – O filme exige e proporciona um puro capricho que praticamente não existe mais.
Trilha Sonora: 9 – A trilha sonora, apesar de excelente, é curta. 
Entretenimento: 9- Pela alta complexidade e seu ritmo talvez não seja um filme para puro entretenimento como é Matrix, mas tem seu valor.
 
 
Nota Final: 9.6 (Excelente)

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