Marchen Madchen e os Problemas de uma Pós-Produção Morta


O anime para televisão Marchen Madchen sofreu um cancelamento prematuro, fazendo a série ser encerrada em seu 10º episódio, enquanto o 11º e 12º estão sob uma data indeterminada para lançamentos através de seu BD/DVD. Tudo isso por um terrível mal-planejamento em um sistema por si só falho.

Os problemas da indústria de animes são bem documentados, mas por medo de perder seus trabalhos, membros da equipe raramente revelam quem são e quais companhias fazem a situação piorar. O SakugaBlog fez um artigo – do qual este se faz como uma adaptação traduzida – com uma pessoa da produção da série que relatou bem detalhadamente a bagunça que a atual produção está sofrendo, servindo como uma experiência valiosa de como não se fazer as coisas.

A estória de Marchen Madchen é, em certo grau, a de muitos animes atualmente: uma série de TV laçada como parte de estratégia de mídia mix (vários formatos), mas sem recursos o suficiente para ser sustentável. A ideia de que todos os animes são uma ferramenta de promoção não é correta, mas é verdade que muitos produtores sonham com a cooperação entre os diferentes lançamentos. No entanto, ao mesmo tempo, é bem comum que eles não consigam investir o suficiente nos projetos para garantir que eles tenham um cronograma e orçamento decente para o anime. Mas enquanto uma visão mais conservadora limita o projeto desde o início, não é suficiente para matá-los completamente, como já vimos em muitos casos. 

A maioria dos animes de TV são produções muito modestas, muitas vezes elevadas pela habilidade de artistas individuais envolvidos. É o caso também de títulos desorganizados como Marchen Madchen, que havia promovido jovens interessantes e fez a estreia de um novato brilhante com Kiyori Rikuta Aka Kerorira, cujas sequências inspiradas em Tanaka (acima) se destacaram.

Infelizmente, o momento isolado de animação estilizada se tornou uma exceção invés de regra, especialmente com o show genuíno de decadência na produção.

Quando tudo deu errado, então? Todos estão cientes dos problemas no sistema dos animes, mas algo deve ter acontecido neste caso para resultar em um pesadelo mal feito  de animação, mesmo depois da série ser forçada a uma pausa por várias semanas devido à preocupação com animação. Contudo, o problema geral de Marchen Madchen se aplica a outros títulos, a verdade é que nós podemos traçar alguns problemas específicos de concepção. O plano original de fazer um anime de TV original ser o centro de uma mídia mix remontam a 2014, e era suposto para ter o popular ilustrador Kantoku ajudando a dar forma ao cenário escrito por Tomohiro Matsu de Mayoi Neko Overrun. Naturalmente, aquelas ideias foram arquivadas em 2016, quando Matsu tragicamente morreu de câncer, mas o projeto retornou um ano depois quando eles começaram a publicar a light novel baseada em seus rascunhos, com a assistência da StoryWorks, a companhia fundada por Matsu. Isto foi seguido pelo anúncio do anime que era o que eles haviam planejado, da qual também respeitou a ideia de Matsu ao ponto de ele ser colocado nos créditos como co-compositor da série e roteirista nos seis primeiros episódios. Com a benção de todas as partes envolvidas, parecia ser uma boa forma de referenciar o trabalho de Matsu, mas essa pré-produção problemática era sinal do que estava por vir.

O problema que a equipe passou nunca foi segredo, sendo franco. Desde do começo da transmissão do anime, você podia encontrar facilmente o público reclamando nas redes sociais, o suficiente para incomodar os fãs. Críticas sobre os cronogramas de produção condenados estão sendo infelizmente uma comum realidade, mas quando esses problemas são acompanhados de raiva pela incapacidade da série em creditar os artistas por seu trabalho, a situação se destaca; é muito incomum ver um diretor de animação reclamando com direito sobre ser obrigado a receber créditos de supervisão num difícil episódio que sequer trabalhou, ainda os roteiristas foram creditados por algo que não fizeram. Tão ruim quanto as reclamações do público, estávamos pessoalmente cientes de que a situação era ainda pior, por conhecer alguns funcionários que deixaram comentários mais severos em particular. Vendo o como a situação estava prestes a piorar, com o episódio 9 mostrando nada de além de uma animação ruim mesmo tendo duas semanas extra, os membros do SakugaBlog de fato decidiram ir até eles e perguntar sobre esta tragédia. Enquanto eles estavam contentes de uma plataforma iria espalhar a dura verdade, por favor entenda o desejo deles em permaneceram no anonimato – numa indústria dominada por freelancers e redes de contatos, reclamações públicas podem ser muito arriscadas, que é o motivo de raramente vermos pessoas envolvidas reclamando. Tudo que puderam dizer foi que “falaram com um membro importante da equipe que está totalmente ciente dos pormenores da produção”, e embora não possa falar por toda a equipe, seus comentários refletem os sentimentos de muitos de seus colegas.

A fonte explicou que a situação era caótica mesmo desde o começo. “Desde do início até agora, quatro membros da produção se demitiram, incluindo a equipe original de produção para a série e o gerente settei.” Os detalhes sobre a produção atordoam, como o episódio 6 por exemplo trocando de gestor três vezes antes de ir ao ar, e até a transmissão do episódio 7 eles não tinham encontrado um assistente de produção para gerenciar o episódio 9. “Nem um dos assistentes de produção exceto Kitamura, que se transferiu da 3Hz, tinha experiência em anime de TV”, eles adicionaram, o que ilustra o quão as probabilidades estavam contra eles; perceba que os assistentes de produção enfrentaram talvez o posto mais estressante de todo o anime, assim trabalhando nisso pela primeira vez numa série sem tempo para nada e carente de mão de obra é suicídio. Quando perguntado sobre o que levou a esta situação extrema, eles se tornaram cautelosos com as palavras enquanto ainda apontavam o dedo para aqueles que supostamente causavam essa bagunça maciça. “Eu não gostaria de dizer que o (Masaru) Nagai [CEO do estúdio, produtor e membro de planejamento da série] é o único culpado, o problema recai principalmente no estúdio Hoods Entertainment” não é uma afirmação aberta à interpretação, e eles levaram aquela acusação além completando que a decisão deles em oferecer baixas taxas mesmo pelos padrões desse setor, foi o prego que faltava de um projeto apressado e sem pessoal.
Depois de notar que era muita difícil discutir aqueles problemas com o Nagai no começo, como havia se tornado comum para ele gritar com os outros nas reuniões, ele explicou como o pessoal da equipe tentou remediar isto: “Pelo outono de 2017 nós estávamos preocupados que a transmissão poderia estar em perigo, assim Kitamura, como assistente de produção, veio com um plano de terceirização que foi então rejeitado pelo CEO por razões financeiras. No final de janeiro, o CEO finalmente aprovou a proposta de subcontratação, mas neste ponto estávamos com o prazo tão apertado que nenhum estúdio estaria disposto a pegar a oferta. Mesmo depois disso, o CEO planejou continuar com entrega de episódios inacabados para fazer a transmissão, mas o lado da distribuição [NBC Universal?] Nós forçou a adiar por duas semanas.” O fato é que eles estavam garantindo uma breve pausa, que poderia ser o único ponto positivo, mas é claro que isso teve que dar errado: “No episódios 6-7, o fardo no diretor (Shigeru) Ueda era tão grande que ele acabou saindo depois do #8. No meio disso tudo, perto antes do prazo de entrega para o episódio 8, nós perdemos contato com equipe de produção, no fim nós terminamos aquelas duas semanas resolvendo a situação da produção dos episódios restantes” talvez agora você possa entender porque, apesar do grande esforço da equipe, a pausa para melhorar a qualidade na animação não teve o efeito desejado.

A consequência de tudo isto sobre a equipe criativa tem sido devastadora como você pode imaginar, ao ponto dos funcionários arriscarem a sua saúde para manter o projeto funcionando. “Os problemas começam desde o início do primeiro episódio, como o key animador de fora do estúdio tendo que refazer muita coisa. A qualidade dos desenhos no episódio três eram tão baixas que o diretor do episódio e supervisores tiverem que corrigir praticamente tudo (isto marca o começo de vários atrasos) Mesmo os roteiristas estavam atrasados naquele episódio, como eles tiverem que ser redesenhados pelo (Hisahi) Saito, pois o diretor original adoeceu, e seu substituto era um assistente sem qualquer experiência em direção de episódio”. Mesmo a bagunça acerca dos créditos tem sua origem naqueles problemas de produção: “Conforme a produção ficava mais caótica, o episódio 7 terminou indo ao ar sem consultar os membros do estúdio sobre os créditos (os animadores no estúdio estavam ocupados com o episódio 6 e 8 que estava sem diretor de animação, e por isso eles tiverem que falsamente creditar alguém para o episódio). Como resultado, (Kioyoshi) Tateishi [o único supervisor creditado no episódio 7] somente corrigiu cerca de 20 cortes – todo o resto foi corrigido pelos key animadores, sem reconhecimento, ou passou inteiramente sem correções”. No fim, foi afirmado que enquanto a falta de pessoal e orçamento para a produção era dita como problemas, escondia-se a real raiz do problema: “Por fim, muito dos problemas que nós enfrentamos poderia ter sido resolvido rapidamente com a ação de [produtor de animação e CEO da Hoods] (Masaru) Nagai.” Os problemas estruturais afetando a produção do anime eram óbvios, mas neste caso, o comportamento de certo indivíduos pode ser criticado também. E este é o tipo de verdade que costuma a ser silenciada.
O pessoal do SakugaBlog deixa claro que o artigo foi formado para servir de megafone para aqueles completamente ignorados que fazem seu trabalho na produção, mas que sofrem de péssimas condições e não possuem tanta liberdade para dizer o que está acontecendo. O interesse da comunidade por saber o que os animadores pensam está crescendo, e eles têm bastante a dizer. As entrevistas formais no mundo dos animes, que são as mais fáceis de se ver, só envolvem produtores ou são aprovadas por eles, e neste ponto você deve ser capaz de dizer que eles nem sempre têm as melhores intenções.

Manter a consciência de quão problemática é essa indústria é totalmente necessária. A maioria dos problemas é do sistema e não pode ser resolvido com a exclusão de certos indivíduos, mas estes indivíduos muitas vezes erguem um muro de defesa pessoal fingindo que está tudo bem e escondendo a condição deplorável de uma produção ruim. Dito isso, o HGS Anime se posiciona da mesma forma e por isso sempre haverá material desse tipo por aqui, como também é fácil encontrar no nosso marcador sobre a indústria.

*Texto traduzido e adaptado do artigo original da SakugaBlog.