Ambiente como ferramenta dramática em Tsurune S2 #09

Um mundo construído de tal forma que contassem histórias não em palavras, mas em imagens” parece ser como eu sempre enquadro a Kyoto Animation — e fico feliz em sempre reiterar isso. Continuando a busca do estúdio por uma vibração mais real que a real, expressa em programas como Hibike! Euphonium, a primeira temporada de Tsurune! foi uma maravilha visual, além de, felizmente, contar uma história pessoal comovente. Estando aqui no brilhante episódio 09 de sua segunda temporada, KyoAni já deixou bem claro que está realmente determinada a ir além da majestade estética de seu antecessor, trazendo para a mesa truques de iluminação e composição que fazem cada cena parecer sobrenatural, hiper-realista e onírica.

Tudo o que mencionei abrange os fundamentos e elegância sempre forte da KyoAni enquanto uma marca, mas seu episódio 09 se intensifica e se cria em seus próprios termos. Embora este seja o primeiro episódio de Mei Isai (ela foi promovida anteriormente para lidar com o episódio 5, onde era assistente de direção, mas sim, o episódio 9 foi seu primeiro episódio como única diretora de episódio), os layouts impressionantes e as belas cores já causaram uma forte impressão, criando um mundo onde a majestade do arco e flecha parecem claros em sua paisagem.

As cenas de abertura deste episódio, com os protagonistas praticando kyudo, oferecem uma amostra conveniente da intensidade de direção de Isai que está por vir. Abraçando uma paleta de cores saturada, abrindo constantemente a tela para enfatizar o ambiente e usando truques de iluminação e pós-processamento que deram a toda essa sequência aquela sensação de um pequeno momento rico em beleza evocativa que apenas os artistas da KyoAni sabem fazer – e que este episódio está cheio até a borda. No final das contas, não é a cena em si que é ótima, olhando seu storyboard, é o tratamento composicional e a visão artística que a eleva a uma verdadeira experiência cinematográfica.

Essa acuidade em capturar pequenos momentos continua sendo exibida nesta parte, com a excelente animação de personagens e linguagem corporal demonstrando grande personalidade em todos os personagens. Quando Eisuke se levanta para atirar, sua impaciência e confiança ficam evidentes pela forma como seus pés se movem sem hesitação — a animação do tecido tem aqui um papel fundamental, afinal é ela que transmite a “raiva” que existe no movimento. Ou o uso deliberado de animação e composição para umedecer o tecido da máscara de Aragaki.

Atenção ainda maior aos detalhes de temperatura pode ser vista ao longo de todo o episódio. Isai leva-nos numa viagem para outro mundo, um local quente, azul e intenso, mas às vezes melancólico e nostálgico, revelando alguns dos truques estilísticos envolvidos na evocação das atmosferas específicas da KyoAni. Desde a cena da gangue a olhar para o pôr-do-sol, ao close-up da garrafa de chá e ao breve plano de flores e de uma montanha no horizonte — tudo se resume ao ritmo, ao enquadramento do plano e, mais importante, à filosofia geral do que uma cena valoriza e precisa retratar. Suas cenas começarão mais cedo do que em outros animes, ou se estenderão por mais tempo, porque o objetivo não é apenas articular alguma reviravolta narrativa, mas criar um contexto emocional.

Grande crédito para Isai, mas principalmente para o storyboard de Tatsuya Ishihara, que obviamente teve muito peso com seu trabalho no episódio em si (embora eu esperasse que um diretor de Osaka como Kawanami ou o próprio Yamamura fossem os únicos a supervisionar Isai mais de perto, já que é onde fica a mesa dela), mas falaremos mais sobre quando chegarmos a uma cena específica. 

O grande momento do episódio foi definitivamente o flashback de Nikaido. Nikaido é mais um dos personagens perfeitos para uma produção KyoAni, pois sua recusa em expressar seus próprios sentimentos significa que eles devem ser transmitidos por outros meios, como o próprio ambiente. Primeiro, acompanhamos uma importante lembrança dele, quando criança, com seu tio — um lugar tão cheio de emoção que parece existir apenas como um sonho. Tsurune se destaca como um anime verdadeiramente único por sua capacidade de expressar os sentimentos de seus personagens através dos mundos que habitam e das cores que os cercam. Então, apenas através do trabalho de cores, fica instantaneamente claro o quanto esse lugar e tempo impactaram a alma de Nikaido.

O espaço mais uma vez é importante nesse episodio. Yamamura realmente fez um ótimo trabalho de profundidade de campo nesta temporada, mas esta semana em particular isso foi levado ainda mais longe, e acredito que seja devido a Isai; este episódio efetivamente parecia um caso atípico a esse respeito. Não só isso, a segunda temporada como um todo envolveu muito mais as composições, mas este episódio ainda é um claro destaque. 

Nas mãos de Isai, as técnicas de pós-produção parecem menos enfeites ornamentais do que fundamentos de composição, com os planos não “se beneficiando”, mas sendo concebidas e construídas tendo em vista da câmera ou como a luz criará um brilho evocativo na tela — como quando o plano abre e vemos Nikaido agarrado ao seu tio, ou seu encontro com Fujiwara e então sua corrida final. Mesmo em tomadas onde o foco quase não muda, Isai frequentemente emprega uma profundidade de campo incomumente estreita, mantendo o olho focado em elementos específicos da composição enquanto enfatiza uma sensação de distância entre o primeiro plano e o fundo. Como esta preciosa memória de Nikaido demostra, ao explorar o movimento da câmera e do controle focal, Isai consegue criar uma sensação de impulso mesmo em uma composição em grande parte imóvel, enquanto também consegue criar uma sensação de profundidade na composição.

A composição na 2ª temproada de Tsurune definitivamente parece mais intensa do que o normal, com algumas escolhas específicas como uma profundidade de campo mais pronunciada e lineart tingido de branco sob fontes de luz intensas.

A parte final do episódio foi muito mais pesada e deixou os sentimentos de Nikaido dolorosamente claros através de seu céu nublado e do contraste com o que veio anteriormente. Esta segunda temporada foi construindo discretamente sobre o tema da desigualdade, até então chegarmos à história de Nikaido e como ele sentiu que seu tio foi injustamente abandonado e desprezado; e sua determinação em tentar vencer sem o que aparentemente lhe foi negado e melhor redirecionar seu senso de injustiça. No entanto, nenhum desses seus sentimentos foi ilustrado diretamente — como sempre, tornaram-se tangíveis por meios das composições e do uso inteligente do ambiente como ferramenta dramática. 

O storyboard de Ishihara era o que você esperaria de um grande fanático por lentes de câmera como Naoko Yamada (ele foi o mentor dela no estúdio, mas também foi influenciado por ela), com a cena da conversa de Nikaido com seu tio sendo possivelmente a maior de suas contribuições essa semana. A cena abre com Shigeyuki apertando as mãos em sinal de ansiedade. Ele afirma que precisa mudar de estilo, Nikaido odeia, mas concorda dizendo ser uma boa ideia — ele está mentindo, então a câmera aponta precisamente para onde sua energia emocional pode ser melhor retratada: em suas mãos e pés. Os olhos se agitam e se movem, refletindo naturalmente que ele não está confortável em seu comportamento atual. Sequências como essa demonstram quanta paixão pode ser extraído de pequenos detalhes da forma humana. 

Enfim, Tsurune essa semana só me fez pensar o quão incrível foi a primeira temporada e o quão ambiciosa e incrível é: essa segunda temporada, esse estúdio, esses diretores, animadores, artistas, essa filosofia de estúdio… *suspiro*. A 2ª temproada de Tsurune é dirigida com precisão, cheia de humor visual e cenas enquadradas para definir uma atmosfera geral ou evocar emoções específicas dos personagens, e com Isai provavelmente dirigindo e fazendo o storyboard no próximo anime que eles já produzirem, estou ansioso com o que vem pela frente!


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