Como Tokyo Mew Mew New acerta em retornar

Algo cada vez mais comum nos dias de hoje são as tentativas de reviver obras antigas, seja por continuações improváveis ou remakes que dão arrepios àqueles mais agarrados as suas nostalgias. Muitos clássicos já passaram por esse processo, que acabou gerando resultados duvidosos em muitas ocasiões, mas de vez em quando nós temos alguma grata surpresa. Hoje iremos falar sobre um clássico que está no meio desse processo, visto que há uma continuação (ou segunda metade, se preferir) já anunciada para abril de 2023.

Tokyo Mew Mew é um mangá muito relevante para o subgênero mahou shoujo que foi lançado entre 2000 e 2003, criado pela Reiko Yoshida e a Mia Ikumi, que infelizmente nos deixou esse ano. A obra teve uma adaptação em anime de grande sucesso, lançada entre 2002 e 2003 com um total de 52 episódios. Tanto o anime (dublado como “As Super Gatinhas”) quanto o mangá (através da Panini) chegaram a alcançar o Brasil.

Logo, quando se trata desse novo anime de 2022/2023, a primeira dúvida para os interessados provavelmente seria o quão acessível a obra é para quem nunca viu nada de Tokyo Mew Mew. Felizmente, nesse quesito o novo anime não deixa nada a desejar. Ele é uma nova adaptação do mangá, o que significa que você pode assisti-lo sem problemas. Mas também é um anime produzido tendo os tempos modernos em mente, o que é importante até pelo contexto da obra em si. O principal exemplo sendo a contagem de animais em risco de extinção, tópico muito relevante na trama, que é citada no mangá com um número referente a época (2000) e no novo anime é citado com os números referentes aos dias atuais (2022). Mas também se estende a detalhes menores, como a presença de redes sociais como o Twitter ou o uso de tecnologias mais atuais. Por essas e outras, se você tem interesse em conhecer Tokyo Mew Mew, pode sim começar por esse novo anime.

Claro, vale salientar que não é uma obra que vai agradar todos os públicos. Fãs de mahou shoujo, mangás shoujo ou obras de romance no geral tem muito mais chances de gostarem de Tokyo Mew Mew em comparação a outros públicos. Sobretudo por ser uma obra que abraça muito esses nichos, uma vez que a própria série nasce de um apreço por esse tipo de narrativa. Se você não se vê gostando desse tipo de obra, muito dificilmente Tokyo Mew Mew New te trará uma outra perspectiva.

Com essas arestas fora do caminho, Tokyo Mew Mew New é um anime que entrega o que ele se propõe a fazer, com algumas derrapadas provenientes de ideias muito batidas, algumas conveniências de roteiro e uma certa indecisão na forma da abordagem de tópicos um pouco mais complexos. Pois há momentos em que o anime prefere recorrer a diálogos/monólogos expositivos desnecessários para elaborar um tema que seria perfeitamente compreensível só com o que vemos na tela, em outros momentos a abordagem é mais minuciosa e bem elaborada. O que dá a impressão de um potencial que a obra tinha, mas que teve medo de buscar pelo receio de sair da sua zona de conforto.

Ainda assim, é uma inconsistência que transita entre algo legal e algo muito bom, raramente chegando a ficar ruim. A simplicidade da trama ajuda muito, nesse caso. A protagonista, Ichigo, consegue conduzir a narrativa de uma maneira harmônica, por também ser uma personagem simples, mas conseguir ressoar com cada um dos personagens relevantes. Dessa forma, a Ichigo permite a trama evoluir conforme ela interage com cada evento.

A participação da Ichigo é relevante pois, como o mahou shoujo que é, Tokyo Mew Mew New segue muitos padrões do subgênero, tal qual o “monstro da semana” ou os famosos “episódios de recrutamento” que os mahou shoujos de equipes costumam ter, aqui inclusive levando metade dessa temporada para que o time se completasse. As Mew Mew são todas bem carismáticas e, apesar de ter apenas 12 episódios, todas elas foram eficientemente caracterizadas. O que não necessariamente se traduz como desenvolvimento, aspecto esse que faltou para 2 e sobrou para outras 3, incluindo a Ichigo (ao menos nessa primeira metade).

Devido ao fato de ser apenas a metade da história, não há uma resolução para o grande conflito. Mas o anime nos municiou com tópicos o suficiente para que saíssemos satisfeitos com o que temos até então. A começar pelos antagonistas, os alienígenas, que querem destruir a Terra através da poluição. Em um certo episódio, onde explicavam as atividades dos alienígenas para agredir o meio ambiente, eu até cheguei a pensar “hmm, entendi, literalmente igual os humanos já fazem”. Algo que é até dito pelo interesse romântico da Ichigo, o Masaya, ainda no primeiro episódio, enquanto explica os danos ao meio ambiente causado pelos humanos e como isso leva aos animais em risco de extinção. É um apelo para prezarmos pelo mundo em que vivemos, feito lá atrás, no início do século, mas que claramente não surtiu muito efeito.

Além da trama principal, o anime também trabalha em várias subtramas relacionadas a cada uma das personagens, que não só agregam as próprias personagens pois elas se desenvolvem nesse processo, como também engrandece a experiência quando trás mensagens que são necessárias não só para o anime, mas também para levarmos para nossa vida. A Lettuce e a Mint são duas personagens que tiveram episódios focados nelas que foram bem impactantes, que passam por temas que podem ser até espinhosos como a solidão causada pela padronização da sociedade, os danos da falta de amor próprio, a desumanização das crianças ou a necessidade da autoconfiança. Outras personagens, como a Zakuro ou a Bu-Ling, não tem muito desenvolvimento nessa temporada e acabam ficando um pouco para trás nesse quesito, mas o roteiro consegue tornar a presença delas relevante durante todo o tempo, seja através da relação que a Zakuro e a Mint tem ou da alta capacidade de conduzir o humor da obra que a Bu-Ling tem.

A Ichigo e o Masaya, o casal principal, também passam por muitas etapas ao longo do anime. A Ichigo cresce muito desde a adolescente apaixonada que não sabe para onde vai, até a super-heroína que entende a responsabilidade que carrega e aprende a amar o planeta em que vive e todos aqueles que ali habitam. Seu foco é sua relação com o Masaya, óbvio, mas existe um amadurecimento que ocorre de maneira muito natural ao longo dos episódios, até ela se tornar uma líder digna para as Mew Mew, uma figura que consegue elevar a moral do time e que carrega uma determinação que, embora desenfreada, inspira nos momentos difíceis.

O Masaya talvez seja a surpresa, pois interesses românticos em mahou shoujos mais antigos muitas vezes acabavam sendo personagens unidimensionais, com muito pouca presença e que só existiam pela necessidade de se ter um romance em obras do tipo. Quando essa necessidade foi se perdendo, em meados dos anos 2000, os mahou shoujo simplesmente começaram a descartar esse tipo de personagem. Mas, no caso do Masaya, ele é surpreendentemente presente na trama. Tem um episódio muito focado nele e, a partir dali, ele passa a ter bastante destaque, mas mesmo antes disso, durante episódios focados nas outras Mew Mew, vira e mexe ele tinha alguma cena de poucos segundos que iriam se mostrar relevantes eventualmente. É um personagem emotivo, que se envolve com a Ichigo sem saber da sua identidade como Mew Mew e inevitavelmente passa por situações confusas ou que deixam suas emoções afloradas. O anime acerta muito bem na forma como demonstram as emoções dele, ainda que em um momento forçaram uma queda colossal de qi no personagem (ou então ele mentiu muito bem para si mesmo) para que ele não descobrisse a identidade secreta da Ichigo.

Nisso, o fator romance deixa de ser uma mera isca para atingir alguns públicos e passa a ser um ponto muito forte na narrativa, o que é uma decisão correta visto que faz o objetivo da Ichigo em relação ao Masaya se tornar algo muito mais palpável. Com isso, o anime vem acompanhado de um cast muito sólido, ainda que tenham alguns personagens não mencionados que não sejam tão notáveis assim.

Falando rapidamente da produção, é um anime tecnicamente bem limitado. O diretor Natori Takahiro faz o que pode para contornar a animação pouco destacável, e em partes consegue. Tem um punhado de takes bem inspirados e o anime se sobressai bastante quando se trata de expressões faciais, sobretudo nos momentos de humor. Ou seja, acredito que dê para assistir sem se incomodar muito, mas também sem muito o que elogiar. A trilha sonora do memorável Yasuharu Takanashi (Naruto Shippuden, Fairy Tail) é bem 50/50. Algumas músicas são muito boas, outras você mal nota o impacto e algo me diz que isso é até meio que proposital. Eu gosto de como eles souberam adaptar a obra, mantendo um ritmo que consegue sempre movimentar a trama em todo episódio sem parecer corrido, o que sem dúvidas fará o anime completo, lá em 2023, ser muito agradável de se maratonar. O mangá já é meio curto, mas ter 24 episódios é o que eu chamaria de “duração ideal” para fazer uma adaptação completa. Algumas mudanças pontuais da adaptação em relação ao mangá foram todas decisões bem acertadas, que até resolveram alguns pequenos problemas que o mangá tinha. É de se deixar confiante como a equipe de produção soube lidar com o material original, mesmo com as limitações técnicas.

Tokyo Mew Mew New acabou se mostrando um bom anime. Nada espetacular ou inovador, muito pelo contrário, é conhecimento comum para quem é fã de mahou shoujo, mas mahou shoujo demais para quem não é muito interessado no subgênero. Se você gosta ou não se importa em assistir esse tipo de anime, então Tokyo Mew Mew New é uma recomendação que eu daria. É um anime que consegue te entregar aquilo que ele oferece e até mais um pouco, como algumas reflexões mais profundas acerca de questões até bem relevantes na nossa sociedade atual. Seus defeitos, em sua maioria, são problemas pequenos, que talvez te incomode na hora que você os detecta, mas que não deixam aquela impressão forte e duradoura. Salvo talvez alguns clichês de mangá shoujo antigo que hoje em dia já não funciona tão bem. No saldo geral, eu diria que foi um baita de um acerto essa grande volta de Tokyo Mew Mew New!

Caso decida se aventurar com as Mew Mew e queira a companhia de uma perspectiva mais elaborada dos eventos do anime, eu analisei isoladamente cada um dos 12 episódios no meu blog pessoal. É um anime divertido, certamente tradicional e que, vejam só, provavelmente terá um início, meio e fim até meados de 2023. Então ainda que não seja aquela obra que você tem que assistir de tão incrível que é, acredito que ela vai te entreter e te deixar bem aquecido se você estiver ou se permitir estar no alcance do público que ela almeja. E, olha, a segunda metade promete, então, se estiver disposto, dê uma chance e, se gostar, te esperarei na análise da segunda temporada!


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