A explosão catártica de Fruits Basket: Final Season

É bem curioso pensar que mesmo o mangá de Fruits Basket sendo uma obra bastante conceituada dentro de sua demografia, o lançamento de seu remake em 2019 não ganhou tanta visibilidade ou popularidade quanto outras obras daquele ano; mas que com o passar do tempo, acabou criando uma sólida legião de fãs bastante fiéis e apaixonados que perduram até hoje, o que é compreensível, considerando que também gostei bastante da primeira temporada. A primeira temporada conseguia ser uma obra que conseguia esbanjar simpatia com o seu senso de humor leve e descontraído, somado ao seu elenco bem peculiar. Ela também tinha a habilidade de abordar temas bem espinhosos e delicados como relações abusivas, preconceito, traumas, depressão e luto de uma forma bastante inspirada, sensível e até um tanto poética, fazendo do remake uma obra bem agridoce – além do tom místico e misterioso envolvendo os zodíacos que fazia ela se tornar bem intrigante, mesmo que um tanto melodramática.

Mas eis que veio a segunda temporada, que particularmente eu não gostei muito. Visto o quão bagunçada e sem inspiração ela era comparada a anterior. Não só parecia que a obra entrara em um estado de estagnação com um ritmo um tanto arrastado, somado a ausência de desenvolvimento de certos personagens, mas como determinados arcos me soavam sub desenvolvidos; isto quando você não tinha momentos como o arco romântico da Uotani com o Kureno que eram ruins desde do princípio ou os diálogos e a escrita nem de perto serem tão tocantes e interessantes quanto os da primeira temporada. ao ponto de que mesmo com algumas cenas de destaque, eu só tinha a sensação de estar assistindo uma versão inferior e vazia da temporada anterior. Mas, mesmo com isso, eu ainda estava bastante curioso para assistir este terceiro ato. Não apenas por querer saber como seria o desfecho de todos aqueles personagens, mas por ainda ter a esperança de que a autora poderia voltar aos eixos e trazer de volta toda a essência que fez com que a obra se tornasse tão atrativa para mim. E após assisti-lo, eu devo dizer que ela não só apenas conseguiu cumprir esse objetivo com louvor, mas como também acabou me entregando muito mais do que eu estava esperando.

A primeira grande mudança é ela conter apenas 13 episódios ao invés de 25 episódios. Isso acabou sendo algo bom, já que com essa quantidade comprimida, não é como se tivesse espaço para inchaços ou gorduras como aconteceu na anterior. Além de que o grande foco narrativo aqui não só parecia estar muito mais focado em aparar e juntar os arcos de desenvolvimento para culminar em uma grande conclusão, fazendo com que ele tivesse uma narrativa um tanto mais linear, mas como também todo o clima da obra pareceu passar por uma mudança bem significativa, focando em um tom bem mais sombrio, cru e direto do que o habitual. Esses pontos ficam claros logo no primeiro episódio, em que durante todo o diálogo do Kureno explicando o porquê dele continuar fiel a Akito, nós temos a aparição da mãe dela e o confronto da Akito com a mesma; e isso acaba resultando em uma cena deveras impactante da Akito estrangulando a própria mãe, após a Ren fazer um ataque psicológico direcionado a ela. Um momento tão forte que fisga a nossa atenção de uma forma quase que imediata e nos deixa curiosos para sabermos o que desencadeou tudo isso, ao mesmo também que representa o primeiro sinal daquilo que faria esta temporada ser a mais intensa e emocionalmente desgastante de toda a série.

Com isso, o anime decide resgatar e fechar os arcos de certos personagens secundários iniciados na segunda temporada, tendo desfechos surpreendentemente incríveis. Como o episódio com a Minagawa, cuja escrita está anos-luz a frente de tudo aquilo que eles fizeram com ela na segunda temporada, mostrando não apenas que ela precisa aceitar que terá que se desprender do Yuki, e deixar de ser essa tiete obsessiva que foi durante toda a série para se tornar uma pessoa melhor, mas também como toda a declaração que ela faz para o Yuki é fantástica. Não apenas a postura dela muda, com ela assumindo um tom bem mais sério, mesmo sendo uma personagem que na teoria era um alívio cômico, mas também como os diálogos em si fazem com que toda a cena seja bastante sincera, tocante e verdadeira.

O mesmo para a Machi, em que mesmo ela não chamado muita a atenção em sua primeira aparição, o passado dela acaba se tornando um dos mais relatáveis de toda obra. É mostrado o quanto ela ficou destruída por não ter conseguido cumprir as expectativas que seus pais forçaram nela, mesmo ela se esforçando ao máximo para isso – e como consequência, descartando-a e a substituindo por outra criança. Essa é uma situação bastante revoltante, mas infelizmente também bem crível e bastante presente na nossa sociedade. Além disso, a autora consegue fazer o Hiro se tornar muito mais humanizado e amadurecido em um mero episódio do que todas as outras aparições dele nas temporadas anteriores somadas, chega a ser algo um tanto bizarro, mas que funciona muito bem. Tal qual o Kureno, que não só deixou de ser uma casca vazia como era na segunda temporada, mas como se tornou um dos personagens mais gentis e admiráveis dessa temporada; é bastante difícil você não torcer ou se simpatizar com ele conforme a trama progride, especialmente por esse desejo genuíno de tentar ajudar a Akito mesmo com o comportamento tão problemático dela.

Outro ponto positivo nessa temporada final é que, mesmo tendo demorado bastante, a obra finalmente consegue desenvolver e explorar o lado mais triste e melancólico da nossa protagonista, a Tohru, criando dilemas e conflitos que fazem com que ela tenha que lidar com seus próprios traumas, desenvolvendo mais camadas e nuances para a mesma. Desde a questão dela perceber a impotência em não conseguir resolver os problemas da Uotani ou dos outros zodíacos, passando pela cruel revelação do porquê ela agir tão parecida com o seu pai. Até o enfrentamento dela ter que se libertar do fantasma da sua mãe em prol do seu romance com o Kyo.

E falando nele, Kyo é o principal responsável pelo episódio 8 não apenas ter se tornado um dos melhores episódios da temporada ou de toda a série, mas também de todo o ano até aqui. Temos um imenso desabafo de quase 20 minutos com ele revelando não só a antiga história que tinha com a mãe da Tohru, mas também o fato dele ter hesitado em oferecer a ajuda que poderia ter evitado a morte dela. A autora não apenas consegue fazer com que todos os diálogos sejam completamente crus, intensos e potentes, fazendo com que toda a sequência se mantenha consistentemente dolorosa, mas consegue criar também uma representação bastante profunda e detalhada de toda a psique do Kyo e do imenso trauma psicológico que ele carregou desde da primeira temporada. Toda a transição que o personagem passa durante o monólogo, começando com o grande senso de pavor, que desencadeia em culpa, e que termina na mais completa auto aversão, só faz com que todo o episódio se torne absolutamente devastador. Do início ao fim.

Porém, o grande ponto alto do anime acabou sendo o arco da Akito. Mesmo a narrativa se colocando em uma tremenda saia justa, visto que se a redenção dela fosse feita de uma forma imprudente ou desleixada poderia comprometer a qualidade da obra inteira, conseguiu criar aquele que é um dos arcos de personagens mais bem feitos e bem escritos de toda a série. Chega a ser incrível como o diálogo que ela fala quando confronta a Tohru no início do episódio 9, perguntando se ela está feliz por ela estar perdendo tudo, já que ela é a vilã, chega a ser quase como uma quebra de quarta parede, ao ponto de parecer que essa pergunta não está voltada apenas para a Tohru, mas também para nós que estamos assistindo à obra; visto que para quem acompanhou a obra até aqui, creio que em algum momento, mesmo que inconscientemente, acabamos torcendo para ver a Akito sofrendo e pagando por todas as ações hediondas e horríveis que ela cometeu durante a história. Mas quando nós finalmente temos essas cenas, elas não passam nenhuma sensação de satisfação, conforto ou alegria.

E isto acontece por dois motivos chaves: primeiro pela autora ter bastante consciência de que os traumas e dilemas de todo o elenco não podem ser resolvidos de uma forma tão fácil. Visto que a trama chegou em um ponto em que cada personagem parece estar passando por uma espécie de provação; eles precisam lutar contra os seus medos e traumas ferindo a si próprios ou outras pessoas no processo., ao ponto dessa ideia de libertação da Akito não significar uma solução definitiva para todos os zodíacos, como acontece no ótimo diálogo do Momiji com ela, por exemplo. O discurso dele carregue um grande senso de esperança, ele também está envolto por bastante incerteza. Ao mesmo tempo em que ele possui a tão sonhada liberdade, ele não sabe o que fazer com ela, revelando estar bastante perdido e sem uma ideia concreta de como alcançar a própria felicidade, fazendo com que toda a cena seja melancólica, mesmo que ainda otimista. E isso também acaba se expandindo para outros personagens do elenco.

O segundo motivo é quando nós percebemos o quão tóxico e totalmente desestruturado é o ambiente que a Akito cresceu e a forma como ela foi criada. O que obviamente não justifica as atitudes tenebrosas que ela fez, mas que nos mostra a fonte e a razão por trás de toda essa postura tão egoísta e controladora dela. A obra mostra com maestria o quanto que essas atitudes partiam de uma imensa fobia da solidão, que em algum momento acabou se tornando uma obsessão, alimentada ainda mais pela relação completamente distorcida com a sua mãe.

Quando finalmente vemos a Akito sofrendo, a obra transmite isso de uma forma tão pesada, sombria, sinistra e lúgubre que soa como se nós também estivéssemos sendo dragados para essa espiral de loucura e desespero com ela, ao ponto de ser algo tortuoso, se tornando uma cena bem angustiante e um tanto desconfortável de se ver. Além dela também colocar todas essas cenas como o resultado de um interminável ciclo de ódio, tristeza e frustração que só poderia ser parado com a libertação da Akito não apenas em relação à própria família, mas como a si mesma, tendo que enfrentar não só a constatação de que os laços que ela cria podem acabar sumindo em algum momento, e que não existe nenhum método que possa impedir isso, mas também percebendo a gravidade de suas ações e tendo que lidar com a imenso sentimento de culpa desencadeada por elas. Isso culmina na belíssima cena dela cortando os laços com todos os zodíacos e finalmente os libertando, e quando você percebe toda a jornada até aqui, acaba tendo um imenso peso simbólico; ao mesmo tempo que a cena soa como uma grande despedida, também significa o primeiro passo de mudança para que eles possam se libertar das amarras do passado e, dessa forma, finalmente seguirem em frente. Encerrando o arco de uma forma sublime.

Então, o resumo da ópera: basicamente esta é a versão mais focada, coesa, enxuta, polida e bem amarrada de todas as ideias e conceitos que a autora trabalhou durante a obra até aqui. É como se ela tivesse pegado essa fórmula agridoce que fez Fruits Basket se destacar em seu início e tivesse aprimorado ela em seu ápice, ao nível de ter tido melhorias em praticamente todos os aspectos. O ritmo está no ponto. A progressão da trama é fluída. O desenvolvimento de personagens são contínuos e constantes. A forma como ela consegue amarrar as pontas, somado com os desfechos de todo o elenco é bastante satisfatório. Mas, acima de tudo, a escrita se tornou tão imaculada que ela não pode nem sequer ser comparada com a de nenhuma temporada anterior em nenhum nível. Pois é a autora simplesmente refinando a sua habilidade ao máximo, conseguindo entregar um episódio emocionante e marcante após o outro, de novo, de novo e de novo. Fazendo esse ato final se tornar equivalente a um rolo compressor que destrói absolutamente tudo que está na frente.

Não apenas devido aos monólogos como o do Kyo no episódio 8 e 10, da Tohru no episódio 9 ou da Kyoko no episódio 12 serem tão dilacerantes quanto profundos, mas também pelos momentos de confrontos dentre os personagens como o do Kyo e do Yuki no episódio 10, além de outros que citei acima que também são bastante intensos. Ainda há outras cenas, como a visita do Kyo ao seu pai biológico, que é absolutamente triste e devastadora, ou a incrível conexão que a autora faz da lenda do zodíaco com todas as mensagens e temáticas que a obra trabalhou até aqui, sendo definitivamente um dos momentos mais espertos, poéticos, sensíveis e deslumbrantes que eu vi em todo o show. Não houve um episódio sequer que eu pude sequer considerar mediano, já que são todos bons. Isso quando não tem episódios como o 7º, o 8º, o 9º e o 11º que são verdadeiras pérolas, praticamente irretocáveis. Eu não consigo pensar em um final melhor ou mais satisfatório para a obra do que este que eles entregaram aqui.

Mesmo elevando o sofrimento dos personagens a um nível nunca antes visto, e abordando esses temas sombrios com uma abordagem bem mais seca e impactante, a narrativa nunca conduz isso com o cinismo ou deboche que geralmente vemos em outras séries. Isso faz com que toda a sua mensagem de mudança, redenção, libertação e esperança se mantenha tão intacta, palpável e genuína a ponto de se tornar algo bastante inspirador – como nos é mostrado em seu episódio final. Eu não tenho muito mais a dizer além de que esse foi um dos animes mais emocionantes que eu assisti no ano até aqui. Apenas fantástico.

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