A meticulosa farsa de Great Pretender

Fazendo a sua estreia em meados da temporada de primavera de 2020, Great Pretender é mais uma nova empreitada da Netflix na indústria de animes, associada a uma obra original. E que por mais que essas tentativas sejam bastante instáveis, e acabem rendendo obras não tão boas assim, eu devo dizer que nesse caso ela não só conseguiu ser um acerto, mas como um dos mais notáveis até aqui. Já que mesmo sendo uma obra com uma trama bem direta e personagens um tanto simples, consegue compensar isso com um trama bastante dinâmica, envolvente e, acima de tudo, bem divertida, ao ponto de suas falhas surgirem justamente quando eles tentavam almejar algo mais profundo e dramático.

A obra começa muito bem em seu primeiro arco, o caso de Los Angeles, conseguindo estabelecer toda a sua premissa de uma forma bem ágil e instigante, conseguindo nos situar sobre toda a motivação do Edamura e o porque dele fazer o que ele faz, que por mais que seja um tanto básica, consegue ser eficiente. E principalmente conduzindo a trama através dessas séries de acontecimentos que fazem com que o Edamura seja jogado no centro do submundo do crime americano, conseguindo prender atenção de uma forma quase que imediata. Não apenas por você querer descobrir mais sobre quem são o Laurent e a Abby, e sobre como eles vão conseguir executar o ambicioso plano de roubar o Cassano, mas também ao questionar-se por como eles vão resolver todos os percalços e imprevistos que surgem durante a execução do plano, e de como eles irão escapar dessas situações com vida. A obra consegue ser muito esperta em mostrar não apenas o quão habilidosos os protagonistas são por conseguirem driblar todos esses obstáculos com bastante lábia e criatividade, mas também por manter a trama em constante movimento, visto que quanto mais o caso avançava, maior é o perigo e mais complexos os empecilhos que eles tinham que contornar. As diversas reviravoltas que ocorre durante todo o caso são inesperadas, despertando curiosidade para ver o desfecho da história e de como ela vai se desenrolar. Tudo isso com uma narrativa bem fluída, dinâmica e enxuta, que faz com que o arco se torne muito cativante até o seu final, tornando-se facilmente um dos melhores arcos da obra.

Em seguida, entra o caso de Singapura, e por mais que eu tenha gostado, foi o arco em que a obra começou a apresentar algumas fragilidades. O anime tenta explorar o passado da Abby através de flashbacks e um suposto trauma de aviões que ela possuía, mas, infelizmente, nenhum desses momentos me soou tão bom quanto poderia ter sido. Tanto pelo fato do trauma dela não dificultar ou interferir na execução do plano de uma forma mais constante ao ponto das grandes problemáticas partirem de outras situações além dessa, o que diminui o senso de perigo e urgência em relação a Abby, e faz com que fique a impressão de ter sido algo subaproveitado, quanto pela própria resolução sobre o passado dela. Por mais que eu tenha achado válido o tema ser abordado, não acho que o anime conseguiu abordar a instabilidade e o conflito mental dela de uma forma tão crível ou impactante como poderia ter sido. Tanto que o confronto dela com um determinado personagem, que deveria ser um momento de grande clímax emocional, não me soou tão emocionante, marcante ou catártico como eles tentaram insinuar, ao ponto de até mesmo o desenvolvimento dela como um todo são apressados e abruptos. Mesmo com essa tentativa de aprofundar um personagem, o que acaba se destacando no fim é o desenrolar do roteiro e a execução do plano, que foi bem eficiente. mesmo não sendo tão tenso e surpreendente como o primeiro caso.

Com isso, chegamos ao caso de Londres. Este é facilmente o pior arco da obra, que infelizmente tropeça em várias aspectos e acaba deixando de lado aquilo que fazia ela ser divertida e atrativa ao decidirem dar ênfase a Cynthia, explorando um antigo caso romântico dela. É muito monótono e agrega pouco na composição da personagem como um todo. Não mostra ou contextualiza as motivações do porquê dela ter se tornado uma golpista de uma forma satisfatória, criando esse conflito de que ela nunca teria superado o término dessa relação por completo e que ainda estaria ressentida por isso, fazendo com que tivesse uma postura mais fragilizada. Isso acaba interferindo no grande apelo da personagem, e por mais que eu entenda que isso tenha sido uma tentativa de humanizá-la, acredito que o anime podia tomar abordagens muitos melhores para explorar isso, pois até o próprio desenrolar do plano e toda a trama do roubo também acaba se tornando bem simplista, básica, previsível, e sem absolutamente nenhum momento genuíno de tensão, surpresa ou qualquer aspecto de criatividade presente nos casos anteriores. No fim, é como se toda a intenção do arco fosse apenas reafirmar que por mais que eles sejam golpistas, eles também são pessoas com princípios e com um senso de justiça, sendo que isto já era algo que a obra tinha deixado muito claro nos arcos passados através do subtexto. E quando isso é transmitido de forma tão expositiva como foi feita, infelizmente só soa redundante. É o caso mais esquecível e sem inspiração de toda a obra.

Dinalmente temos o último arco, o caso do Extremo Oriente, não apenas o mais longo, mas também o mais ambicioso da obra até aqui. Depois da recaída do arco anterior, o anime retorna a boa forma trazendo de volta a narrativa frenética, mirabolante e surpreendente, agregado com grandes cenas de impacto e tensão que fez a obra ser tão cativante no seu início, utilizando o arco também para interligar as supostas pontas soltas e terminar de explorar alguns de seus personagens. O passado Laurent é até básico e meio clichê, mas assim como o do Edamura, a narrativa consegue fazer um bom trabalho em humanizar o personagem, principalmente nos momentos focados em mostrar a entrada dele para o grupo de vigaristas e a relação dele com a Dorothy. O arco conecta todos os acontecimentos do passado com os do presente e mostra o porquê deles terem feito o que eles fizeram e de como isso cada ação fez com que cada personagem se encontrassem em sua situação atual, além de ter as suas características reviravoltas, que fez com que seja bem interessante. O único ponto que me incomodou neste arco final foi o fato deles não terem explorado o Oz como deveriam; deixaram de explicar o porquê dele continuar sendo um vigarista mesmo tendo uma família; também não justificaram tão bem o porquê dele ter se sacrificado e ter abandonado a sua família em prol do grupo, isso me soou um tanto forçado e não tão bem executado. No fim, ainda teve aquela cena pós-créditos absurdamente desnecessária, que acabou não agregando absolutamente nada na trama.

Outro grande destaque da obra, além das suas qualidades de roteiro e narrativa em alguns arcos, é a sua produção. Ao lado de Eizouken e Kaguya, compõem a trinca dos animes mais bem produzidos do ano. Contando com um aspecto visual muito rico e deslumbrante, que vai desde sua palheta de cores extremamente forte, vívida e vibrante, passando pelos seus incríveis cenários com uma abundante de detalhes, até aos designs dos seus personagens, feito por ninguém menos que o Yoshiyuki Sadamoto, que faz com que possuam uma estética bem característica dos anos 90, dando um tom um tanto clássico e retrô. Sua animação não apenas consegue ser bastante consistente, mas também consegue entregar fluidez tanto em cenas que exigem uma maior movimentação dos personagem, como bastante expressividade nas feições faciais em momentos emocionais, o agrega ainda mais a composição visual. Somado com a sua trilha sonora, o melhor trabalho até então de Yutaka Yamada, que também compôs par animes como Tokyo Ghoul e Vinland Saga, tornando-se a minha trilha sonora favorita do ano. Parecer que as trilhas foram bastante inspiradas pela icônicas trilhas de Cowboy Bebop, em uma mistura de diversos estilos mais clássicos como jazz, soul e funk, mas também inserindo elementos de pop, eletrônico, e até mesmo trap de uma forma muito bem encaixada, conseguindo fazer com que cada cena se tornasse ainda mais imersiva. Isso também a tornava uma trilha bastante versátil, visto o quão rica era a sua instrumentação que contava com baterias, baixos, saxofones, sintetizadores, pianos, violinos, dentre outros instrumentos para criar desde faixas mais enérgicas, empolgantes e agitadas, até as mais lentas, suaves, minimalistas ou melancólicas – além de várias inserts songs presentes que conseguiram agregar ainda mais a trilha como um todo.

Great Pretender conseguiu terminar com um saldo bastante positivo para mim, por mais que tenha tido alguns momentos falhos, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento e a construção de alguns personagens. Ainda sim, consegue compensar pelo seu enredo empolgante, agitado, sagaz, e surpreendente, além da química criada pela interação entre os seus protagonistas, que consegue fazer com que eles tenham carisma e personalidade ao ponto de você querer torcer para consigam sair vivos de cada plano. Somado a sua bela produção, Great Pretender é um belo destaque e provavelmente o melhor anime original do seu ano. Muito bom.

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