Kingdom e o panorama estrutural da guerra.

Autor do texto: Wendel Santos.

 

Já faz bastante tempo desde do momento em que eu decidi começar a ler Kingdom. E por mais que recentemente, eu tenha dado uma pausa na leitura, já que eu preferi esperar mais capítulos se acumular para retomar, eu não consigo deixar de pensar no quão bom e cativante ele é, mesmo que a imensa quantidade de capítulos que ele possuí possa assustar.
 
O engraçado é que por mais que a obra seja classificada como um Seinen, ele tem vários resquícios de um Shounen, como os dois protagonistas terem um grande sonho (com um sonhando com o posto de grande general, e o outro, com a unificação de toda a China, em uma época em que o pais estava totalmente dividido com os vários estados entrando em constantes guerras), aonde um deles tem uma personalidade bem padrão dos protagonistas da demografia (como uma coragem e determinação inabalável e impulsividade típica desses personagens) e a questão dos obstáculos e da própria conquista perante os outros estados que lembra muito a estrutura do mesmo. Mas acaba que o grande diferencial dele é que mesmo com tudo isso, ele ainda faz questão de lembrar a você que ele é um Seinen, e que logo, as coisas não são tão simples como normalmente seria em uma obra tradicional desse tipo.
 
Mesmo com as citações acima, os personagens de Kingdom consegue ter um diferencial que a maioria dos Personagens Shounens padrões geralmente não possuem, que é a construção e o desenvolvimento dos mesmos, já que eles são bem graduais, logo extremamente plausíveis e condizentes com a personalidade dos mesmos. E por mais que eles aparentem ser clichês, isso consegue ser contornado conforme o mangá avança, já que se tem algo em que a obra conseguiu se destacar é a forma absurda como eles conseguem humanizar os seus personagens, não apenas o elenco principal e o estado dos protagonistas, mas até mesmo personagens de outros estados, e os supostos rivais ou vilões. Já que vários possuem motivações tão plausíveis quanto e até mesmo existem horas aonde as situações acabam se invertendo e você percebe que o estado do protagonista nem sempre será o que terá as intenções mais nobres ou o general mais honrado, ou que eles tem que tomar decisões um tanto quanto questionáveis em prol da sobrevivência, trazendo um ambiguidade bem interessante a trama.
 
 
E falando em sobrevivência, ainda tem a própria guerra e a construção da mesma, que de longe, é o grande ponto alto de todo o mangá. É simplesmente absurdo como tudo em Kingdom é grandioso e colossal, ao ponto das batalhas mais simples serem compostas por milhares de soldados, com esse número podendo ser aumentado em dezenas e até mesmo centenas de milhares de soldados. E mais o incrível fato do autor conseguir deixar o leitor situado sobre todas elas, ao ponto de ter batalhas simultâneas e conseguirem fazer um panorama detalhado sobre cada uma, aonde você consegue ver o quanto cada batalhão é importante em determinada situação, e de como cada característica do mesmo pode ser utilizada em funções chave, com estratégias bem plausíveis e convincentes desencadeando diversas viradas e reviravoltas durante as mesmas. E isso sem contar, a própria questão política e conflitos internos de um estado, que consegue ser tão plausível e detalhado quanto, mostrando como cada movimento político pode influenciar o estado como um todo.
 
E quanto a arte, creio que dispensa comentários, já que as fotos acima falam por si só. O mais absurdo é pensar que Kingdom é um mangá da Young Jump e que a publicação dos capítulos são semanais, e mesmo com isso, o autor ainda consegue manter um nível de detalhe simplesmente absurdo em cada cena de batalha, expressões faciais e backgrounds. Tanto que se for ter que citar uma “falha” é a forma como em certas cenas o autor exagera ao demonstrar o quanto um personagem (em sua maioria, generais) é forte, criando cenas que pedem sua suspensão de descrença, o que para mim, não foi nenhum incômodo, mas que de certa forma, pode acabar incomodar outros. Mais o fato do protagonista ter uma resistência bem fora dos padrão em alguns momentos, mas que comparado aos acertos, se tornou o de menos.
 
 
Enfim, Kingdom ainda está distante de seu fim, já que o autor já falou que a previsão para o fim da obra é em torno do volume 100 (sendo que até o momento, a obra conta com 56 volumes lançados), mas com que foi lançado até agora, ele já se tornou a obra que melhor conseguiu retratar um guerra que eu vi até hoje, tanto no aspecto das batalhas, quanto o âmbito político das mesmas. Se por um lado, a obra não possuí reflexões profundas, intimistas e filosóficas como Vagabond e Vinland Saga, ele conseguiu reverter isso ao explorar a política de um país completamente tomado pela guerra de uma forma extremamente ampla e rica. Por mais que possa ter elementos que não agradará a todos, já que envolve bastante diálogos sobre política, fora a imensa quantidade de capítulos já citada, caso você consiga criar interesse pela proposta da obra, acho muito difícil não ir se envolvendo com o enredo e seus personagens e não ficar na expectativa de como será a conclusão de cada arco. Recomendadíssimo.
 
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