O mundo mais incrível de Keep Your Hands Off Eizouken

Autor do texto: Wendel Santos.

Devo dizer que Keep Your Hands Off Eizouken! foi mais um grande acerto deste que já é um dos maiores diretores da atualidade. Aonde aqui ele novamente se reinventa, trazendo um novo projeto, com uma proposta totalmente distinta de seus outros trabalhos até então.

 
Tanto que o primeiro aspecto que eu irei destacar é sem dúvida, a narrativa. Masaaki Yuasa utiliza várias dinâmicas, estilos e abordagens contrastantes e mistura todos eles de uma maneira tão assustadoramente homogênea, que fica muito difícil de definir ou avaliar eles de uma forma separada, como se faz com outras obras. A própria linha tênue que a obra estabelece entre a fantasia e a realidade permite que seja possível não apenas transpor os sentimentos das personagens de uma forma muito mais poderosa e imersiva, mas também transitar por diversos estilos narrativos e visuais, como a quebra de quarta parede e metalinguagem. Exemplos nos episódios 4 e 7, em que a própria Tsubane se utiliza como exemplo para poder explicar todas as formas e estilo de movimentação e animação do qual ela discursa; ou nos balões de pensamento que aparecem em momentos chaves representando o pensamento dela; como a mescla da animação tradicional com as cenas imaginárias em rascunhos de uma forma assustadoramente verossímil. Mesmo com esses momentos, todo o processo de criação de animes das garotas soa genuinamente tangível. Não se parece em nenhum momento como uma paródia ou sátira sobre a mídia ou a indústria.
E isso se aprimora com suas protagonistas e suas personalidades peculiares, elas conseguem ser não apenas muito carismáticas, rendendo momentos muito cômicos seja na interação entre si, quanto nos métodos para resolver certas problemáticas, mas também conseguem ser profundas e até possuem algum nível de complexidade, já que também podem servir tanto como alegorias de profissionais da indústria, quanto uma representação de um processo criativo para um anime funcionar. É quase como o conceito de ID, Ego e Superego adaptado para esse processo de criação artística.
temos a Azasuka, que é extremamente apaixonada pela arte, com toda essa personalidade eufórica, agitada, e impulsiva, mas ainda sim insegura e ingênua em relação a interação com as pessoas. A Kanamori com uma composição extremamente fria, calculista, racional e cética, aonde ela não consegue enxergar as criações como nada mais do que um mero produto, mas que se faz necessária para conseguir conter e dar equilíbrio na parte burocrática da produção, na questão dos prazos e tudo que remete a gestão do projeto. E ainda temos Tsubane, que fica em um meio termo; por mais que ela tenha essa mesma euforia da Asasuka, ela também é um tanto perfeccionista em relação aos seus desenhos, com uma grande obstinação por desenhar movimentos e priorizar o máximo de detalhes na produção. Juntas, cada uma consegue complementar as habilidades uma da outra de uma forma muito eficiente. Isso é aprimorado ainda mais através de diálogos totalmente precisos, sutis e sensíveis, que vão desde da ode apaixonada pela arte e pela mídia e do porque delas insistirem em fazer o que elas fazem até constatações amargas que vão desde da desvalorização dos profissionais na indústria e o descaso do público com a própria mídia. Nenhum desses diálogos soa vitimistas, melodramáticos, clichês ou banais. Pelo contrário, já que isso é o que impede das passagens otimistas e amorosas de se tornarem utópicas ou fantasiosas, dando muita credibilidade as mesmas. 
E com isso, tanto comédia quanto o drama são mesclados de uma forma tão concisa e precisa que não só convergem entre si, mas como eles conseguem oferecer o equilíbrio perfeito para que ambos consigam manter a sua verossimilhança e consigam ser palpáveis a sua própria maneira. Ao ponto de nem sequer separarem isso em arcos de personagens isolados tradicionais, já que é como se todas elas estivessem sendo desenvolvidas ao mesmo tempo. Isso faz com que ela a série seja ainda mais ampla e homogênea, ao ponto de todos esses elementos se tornarem indissociáveis entre si, tamanha a harmonia e timing em que o enredo conseguiu juntar todos eles.
 
E isso tudo é ampliado ainda mais pela produção que Deus! É tão boa… Uma produção que mostra uma mudança de estilo do Yuasa, aonde as cores fortes e vibrantes, e suas cenas excêntricas e experimentais, dão espaço a cores muito mais suaves e pastéis, com um aspecto muito mais limpo. Tanto no design, que consegue dar uma expressividade tremenda a todos os personagens e permite ele e todos os jovens criadores que participaram a cada episódio possam brincar com isso, como também no cenário, que acaba realçando seus diversos detalhes, como os da lavanderia, os da escola ou dos armazéns. A própria arquitetura da cidade é bem elaborada, é como se fosse um imenso labirinto, com diversas casas, lagos, sistemas subterrâneos, campos e muitos mais, o que dá uma composição tão rica a ela, ao ponto dela quase virar um personagem na trama – não é a toa que é ela que serve como a grande inspiração para as criações da Azasuka. Isso tudo é somado com quanto sua trilha sonora é peculiar, pois consegue ser bem sutil, com um tom mais inócuo e suave, mas que nunca falha em entregar uma ambiência e atmosfera em cada cena, mais o trabalho de sonoplastia, aonde eles não apenas recriam cada um dos vários e vários efeitos sonoros presentes em toda a obra. O anime enaltece e consegue mostrar a importância e a diferença que cada trilha sonora faz no processo de criação de um anime de uma maneira prática, sem nenhum diálogo expositivo, como no começo do episódio 8, aonde a Asakusa acaba modificando alguns desses efeitos e você consegue ouvir e ver a diferença no resultado final. A direção do Yuasa em si, responsável por conseguir criar momentos tão vivos, tão orgânicos, tão fluidos, tão belos e tão legais, como todas as sequências envolvendo rascunhos, que davam a sensação de ser algo feito com efeito 3D. Além de toda a riqueza absurda de detalhes de movimentações corporais e tudo citado acima em relação ao enredo, como timing, metáforas e tudo mais. 
E, no fim, acho que mais do que ser o melhor anime da temporada, ou até mesmo do ano 2020, acredito que Eizouken é mais uma daquelas obras que são uma referência dentro da indústria. Seja pelo fato do quão acessível ela é para os mais diversos públicos, desde do casual ao mais exigente. Seja pelo fato dessa talvez ser a obra mais pessoal do Yuasa, aonde em muitos momentos, você consegue ver a opinião dele sendo transposta através dos personagens. Seja pelo anime ser uma grande ode a arte da animação, você consegue ver todo o esmero e paixão em cada cena, ou por extrapolar e explorar ao máximo todo o recurso que a animação pode lhe oferecer, conseguindo ser uma obra incrivelmente vasta em estilos, mensagens, narrativa, conceitos, e worldbuilding, mesmo em um curto período de tempo. Até hoje, não me lembro de ver algo parecido com Eizouken, aonde tudo transborda criatividade com uma execução muito peculiar, própria e distinta. Tão único ao ponto de eu estar disposto a dar uma nota 10, conquistando um espaço dentre o meu top 10 de animes favoritos da vida. Excelente.
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