Promare e o fanservice da Trigger

OBS: Este texto possui spoilers do filme.

Quando Imaishi e o restante da equipe da Trigger anunciaram o longa Promare, boa parte do público reclamou pelas visíveis semelhanças entre Galo e Kamina de Gurren Lagann, questionando-se se o estúdio aplicaria exatamente a mesma fórmula que deu certo na Gainax para tentar atrair o público novamente. Mas isso nunca foi algo que o estúdio tentou esconder em primeiro lugar. Desde Kill la Kill, os criadores brincam com os clichês e com todos estereótipos criados pelas suas obras ou pela indústria em geral. Não seria diferente com o pretensioso Promare.

O longa-metragem dos criadores de Gurren Lagann é, repito, a nova aventura em que o estúdio zomba descaradamente de tudo que já foi criado ao reformularem e abusarem de vários elementos recorrentes em suas obras. Uma mistura entre artifícios de roteiro muito conhecidos com várias tentativas de surpreender ao público da sua própria maneira escrachada e propositalmente sem muita sensatez. O material promocional do filme, por exemplo, dava a entender que o vilão era o garoto loiro que lutava ao lado das chamas, mas o filme não demora a tomar medidas para mostrar que na verdade o grande vilão é o querido herói do protagonista que tem a voz inesperadamente mansa. Quem pensaria nisso?!
A premissa das chamas é uma prerrogativa para o que o filme realmente quer desenvolver e mostrar sob isso. Um governo tirano que oprime os “diferentes”, sem hesitação e ponderação, uma sociedade corporativista e autoritária com cenários urbanos que brincam ao misturar o modernismo com vagas lembranças que remetem aos regimes ditatoriais com seus blocos de edifícios e trechos totalmente semelhantes – apesar de ser uma sútil brincadeira com o abuso de simetria, em que as enormes casas de concreto tenham sido trocadas por edifícios modernos de figuras e cores semelhantes. A narrativa é construída para que aqueles, aparentemente vilões, ascendam como rebeldes lutando pela liberdade. Afinal, se não fizerem, ninguém o fará.

Toda essa pretensão da história é desenvolvida a partir de uma mistura elementos previsíveis junto daquilo que marca a identidade de seus criadores, que brincam e abusam das condições daquele mundo com total autoconsciência de si próprio: Uma explicação sobre mundos paralelos, formas de vidas alienígenas em chamas e a utilização de um Deus Ex Machina para derrotar o vilão quando tudo parece perdido. Não só pelos estereótipos, pelos personagens secundários do esquadrão de bombeiro mal explorados ou o beijo disfarçado ao final da trama, mas todas as referências também estão lá. Imaishi tem o costume de fazer a mistura de seus universos, não seria diferente em Promare com os Matoi Techs, o “ratinho mascote”, as construções faraônicas no subsolo como plano para salvar a humanidade, as batalhas de proporções absurdas entre mechas, que a cada segundo ganham novos aprimoramentos e transformações – com silhuetas muito conhecidas em vários momentos enquanto os cenários são degradados e a população esquecida – ou as brocas ao final
Promare não poupa esforços ao utilizar e celebrar tudo aquilo que os seus criadores têm a oferecer: uma grande bagunça pirotécnica com o estilo carimbado que fez Imaishi se tornar uma das referências pela sua animações de sequências rápidas e frenéticas, combinadas com storyboard extremamente elaborado e uma direção tão enérgica quanto. 
O primor desse filme está no fato de conseguirem unir toda essa bagunçada zombeteira de Imashi com a força de animação 2D3D que a Trigger tem a oferecer. O diretor retorna para animar e referenciar suas próprias cenas de trabalhos passados em batalhas insanas, envolvendo inúmeros talentos e nomes conhecidos da indústria (dale Nishigori, Toshiyuki Sato, BAHI JD…) em sequências de tirar o folego; todos os pontos marcam forte presença e deixam qualquer entusiasta empolgado pelo capricho de storyboard, filmagem com tantas triangulações e o ping pong entre o CGi e o 2D. A trilha sonora do Sawano é um plus para essas sequências, envolvente e eficiente para ser funcional em praticamente todas cenas, tornando ainda mais divertida toda a guerra de robôs gigantes, um espetáculo audiovisual, entretenimento irresistível.  

A computação gráfica trabalha condizentemente com os Mechas e com todas as composições geométricas que prezam pela simetria; suas colorações neon emergem em praticamente de todos os ângulos do cenários, todos os props do filme oferecem um apelo futurístico com uma uma imersão cibernética.
A paixão excessiva pela utilização triângulos e outras figuras geométricas em geral, além da coloração repetitiva e o abuso de reflexos coloridos e quadráticos (aqui e aqui de exemplo), transmitem uma singularidade para os eventos, seja nas batalhas frenéticas e incrivelmente coloridas, até nas composições mais sutis em que se nota um cuidado pela simetria e pela linguagem corporal dos personagens e da própria cena. 
É bem razoável acreditar que o estilo frenético e pirotécnico de Promare não agrada a todos. Contudo, compartilhando da minha experiencia com o filme, não sou capaz de julgar esse estilo de arte como uma peça vendida para o público ocidental ou com apelo aos desenhos americanos. É uma identidade singular misturada, balançada e satirizada de tudo que se tem por aí. Este filme é, acima de tudo, extremamente divertido para mim. É uma imersão para dentro da mente incrivelmente fértil e imaginativa de criadores, muito mais além do que as sátiras de Kill la Kill, tão pretensioso quanto Panty & Stocking. conseguindo expandir e acelerar o próprio ritmo de maneira sem igual em mais de 90 minutos de puro entretenimento – ao ponto de me deixar com vontade de assistir novamente. Promare é a identidade de Imashi e a cara da Trigger, um evento farto que celebra o fanservice aos fãs de animação.
***