O Problema dos Personagens em Jojo Golden Wind

A partir da chegada dos stands, Araki assumiu um novo (des)compromisso narrativo, entregue a experimentar os mais diversos tipos de situações e poderes. Ideias digeridas rapidamente, sem apego, explorando toda sua potencialidade em poucos capítulos. Tanto o bebê que ataca durante os sonhos quanto a ameaça que assombra a cidade de Morioh através da água são exemplos de ideias que poderiam facilmente contar uma história por si só, mas têm um uso muito mais descartável. Em suma, Jojo entrou no formato “stand da semana”. 

Não que deva ser tratado somente como isso, mas Jojo é, primordialmente, experimento. Isso é muito mais evidente em Diamond is Unbreakable, quando a história transita por diferentes estilos narrativos: bebe do caráter episódico da parte anterior, usa duma narrativa mais tradicional, linear, e chega a flertar com o slice of life. Tanto é que o vilão principal só aparece no episódio 21 (de 39) e, mesmo no meio do plot principal, Araki recorre ao formato episódico. Seria muito bonito falar disso – soa até libertador para um autor quando se olha algo extremamente minucioso como Hunter x Hunter – se os fãs não considerassem DIU a parte mais controversa da obra. 

Nesse sentido, Golden Wind mostra um amadurecimento (ou segue um caminho mais palatável pro público): desvia da monotonicidade de Stardust Crusaders, que estabelece a relação de causa-consequência logo no início da obra e insere dezenas de batalhas aleatórias até enfim chegar ao prometido vilão final, nem cai na liberdade excessiva de DIU. A parte 5 de Jojo encontra um meio termo e traz equilíbrio para o jogo de Araki ao apoiar-se em pequenas metas no caminho dos protagonistas.

O sonho de Giorno Giovanna é o gatilho principal da história e o encontro com Bucciarati, embora seja por acaso, é um primeiro passo importante para conquistá-lo. Sticky Fingers costura o útil ao agradável ao unir esse sonho a um capo peculiar que precisava só de um empurrãozinho para assumir igualmente o compromisso de livrar as crianças italianas do tráfico de drogas. Enfrentar o teste de Polppo, o stand das sombras Black Sabbath, é a porta de entrada para o Passione, grupo de Bruno, a ponte definitiva entre Giorno e seu objetivo. E, se eliminar Polppo é mais um dos movimentos friamente calculados de Giorno, o novo inimigo da semana é gerado pela busca à fortuna desse capo, agora morto. São pequenos objetivos justificando as lutas. Eles – a chave, a tartaruga, a ideia de proteger a filha do chefe – ajudam a criar algo fundamental, que é a sensação de urgência na trama. 

Ademais, o fato de que Giorno ainda não é bem-vindo no grupo pelos demais membros provoca as lutas a não somente esbanjarem o banquete louco e ousado de Araki, mas a, também, trabalharem as relações dos personagens, sobretudo a de cada um com Giorno. Man in The Mirror proporciona uma das melhores do show justamente por como consegue conciliar o velho conflito de um poder misterioso assaltando os protagonistas selecionados com a tentativa de alcançar um objetivo (a chave), enquanto cria brechas tanto para conflitos internos quanto para Giorno conquistar Fuugo e penetrar o duro coração de Abacchio através da resolução do conflito central. 

Entretanto, esta talvez tenha sido a primeira vez que Araki tenha tido que tão compromissadamente arranjar em conjunto o desenvolvimento de personagem (e de grupo) e uma narrativa linear. DIU tem a força de seu conjunto e de seu ambiente como motor, mas a liberdade para episódios focados apenas nisso facilita o sucesso de sua escrita. Em Vento Áureo fica claro que alguns dos maneirismos de Jojo caminham na direção oposta do que a série realmente precisava.

Por exemplo: as lutas de Araki tem personagem, poder e hora marcada. Em Jojo, não existe função para todos num mesmo momento; na verdade, antes de “qual será o novo poder bizarro a aparecer?” a pergunta é “como Araki vai isolar o usuário do restante do grupo?”. Essa estratégia pode ser conveniente para a eficácia e coerência das táticas nas batalhas de stand, no entanto existem riscos nessa escolha. Sem uma boa distribuição de tempo de tela, o autor esconde o potencial de seus personagens embaixo de batalhas espaçadas e pequeníssimas interações. Voltando na parte 3, só lembrarmos que o Avdol morreu sem quase lutar e, mesmo depois de ressuscitar, continuou sem protagonizar confrontos. Ou que o Kakyoin ficou longe do grupo principal por um longo período por conta de um ferimento no olho. 

Em determinado ponto, o espectador de Golden Wind se dá conta de uma certa desconexão, de que pouco foi realmente visto sobre aqueles personagens – momentos em que se importar com essas pessoas, ou não, interfere na qualidade da cena. A Trish é vítima de uma das maiores falcatruas, quando ganha um desenvolvimento muito interessante num episódio mas, logo em seguida, fica muitos outros distante dos principais acontecimentos. No fim, ela é colocada numa posição cliché para uma personagem feminina e faz absolutamente nada de relevante. Fosse ela ou fosse uma pedra, não seria muito diferente… 

O Giorno é outro personagem que Araki também não conseguiu conciliar com sua proposta. O arquétipo da determinação imbatível e do calculista o sustentaria na liderança da série, não fosse Bruno Bucciarati ofuscando sua luz (ou a ilimitada bagagem de poderes do Gold Experience o transformando em um Deus ex machina ambulante). A dinâmica desafiadora de estabelecer um frontman e o Giorno precisar conquistar sutilmente sua posição como uma outra possível liderança não funciona, em primeiro lugar, pelo problema anteriormente relatado nas lutas do anime, e, em segundo lugar, porque Araki não foi corajoso o suficiente para tirar Bucciarati de cena. Podem me tacar pedras: Bucciarati devia ter morrido quando violentamente atacado por Diavolo. 

E falando nele, o defeito mais decepcionante de Golden Wind foi certamente o fracasso inesperado do vilão final. Não que Jojo nunca tenha feito vilões ruins. A parte 2 é excelente, mas tem um carisma limitado por parte dos Pillar Men. A questão é que o Diavolo tem uma vitrine extremamente atraente, dentro do padrão Jojo de qualidade. A sua dupla personalidade é prato cheio pro humor excêntrico da obra e as conversas entre Doppio e o Boss ainda oferecem um recheio extra nos conflitos. Claro, como esquecer Doppio usando um sapo como telefone?

Kira Yoshikage e Dio travam uma luta intensa pelo top 1 de vilões (falo por quem acompanha apenas as adaptações para anime). O Dio tem uma irreverência única. O Kira eu considero mais completo. Grande parte de sua força reside em que, como qualquer morador de Morioh, ele ganha um bom tempo de tela… como protagonista. A perspectiva da história fica bastante por seus olhos e isso é perfeitamente crível e não nos desconecta dos protagonistas, ao mesmo tempo nos conectando com ele, de tal maneira que chegamos a considerar sua mudança. O Diavolo ganha a mesma oportunidade e sem sombra de dúvida conquista o público, travando uma das melhores lutas de Jojo, onde ele, assim como Kira contra o Stray Cat, é o personagem em desvantagem.

Entretanto, a história descarta a parte boa, conflituosa do personagem para assumir um arquétipo, o típico vilão, como Dio. Um Dio falso e ruim. Mixuruca. Com um stand que do momento que apareceu até o que se foi não ficou evidente qual o poder… Misture isso a uma escrita bem contestável da reta final desta parte e você tem um incrível desastre, que se engole pelo tempero de uma excelente direção e produção – mais um bom trabalho de Tsuda Naokatsu à frente da franquia.

No fim das contas, nada que tenha livrado Diavolo de ser substituído por uma pedra no episódio final – que, francamente, foi bem melhor e bem mais carismática que ele. Na verdade, Rolling Stones é um perfeito atestado da escrita dessa parte: um plot que pareceu vir do nada pra encerrar tudo depois de uma resolução bastante confusa (e conveniente) da luta final, bom por trazer a interação de grupo da qual o anime careceu, ao passo que reforçou o fracasso do antagonista e do subtexto da história. Sem pretender desapegar de alguns maneirismos, Araki estava desde o início se condenando a um destino inescapavelmente desastroso. Jojo Golden Wind foi um potencial arruinado.

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