Detetive Pikachu – Acredite nas tripas | Review

SINOPSE: O desaparecimento do detetive Harry Goodman faz com que seu filho Tim (Justice Smith) parta à sua procura. Ao seu lado ele conta com Pikachu, o antigo parceiro Pokémon de seu pai, que perdeu a memória recentemente. Juntos, eles percorrem as ruas da metrópole de Ryme City, onde humanos e Pokémon vivem em harmonia… por enquanto.

ANÁLISE
A prerrogativa de ser voltado para o público infantil não isenta um filme de receber um olhar atencioso. Criticar, nesses casos, é razoável – com o cuidado de não exigir da obra algo que ela nunca prometeu (seja pelo nicho ou pela própria coerência interna). O consumidor da franquia Pokémon quebra barreiras etárias, fato, mas, falando de filmes infantis no geral, há exemplos de sobra de narrativas capazes de impressionar qualquer um, independente da idade. Existe um foco, um público-alvo e, naturalmente, elementos naturais para fisgá-lo, que, para eu ou para você, podem dificultar a suspensão de descrença, mas isso ocorre de diferentes formas em diferentes tipos de história – os próprios animes têm seus maneirismos únicos que afastam uns, atraem outros e nos faz criar listas com “animes assistíveis para quem não gosta de animes” (e dá-lhe Cowboy Bebop e Neon Genesis Evangelion). Enfim, cada tipo de obra tem suas características, atraentes ou excludentes. 

Quem vai assistir Detetive Pikachu nos cinemas está ciente (ou pelo menos deveria) de que compartilhará a sessão com crianças, que, empolgadas, vão falar, comentar, fazer perguntas (talvez até chorem) no meio do filme; porque criança é assim. E elas são um brinde incluso nesta experiência, tal como o uso do humor, da fofura, das cores, do dinamismo, estes, elementos necessários na composição da estética que as atrai. Ainda assim, o longa oferece uma história, nos moldes das que tanto consumimos – com início, meio, fim; um herói, um vilão etc. Para ser franco, uma história até bem ousada, com uma trama um tanto complexa, de muitos desenrolares e reviravoltas. Portanto, sinta-se à vontade para sair do filme exigindo amarras melhores para o roteiro, sem culpa no coração. 
 

A parte inicial de Detetive Pikachu é boa até demais. Desde a escolha sensível em colocar o protagonista, um jovem solitário, sem mãe e distante do pai, diante de um Cubone (pokemon cuja a história é de perda da progenitora) à ambientação geral do filme, a execução impressiona. Vale lembrar a presença de um brasileiro na gestão desta parte visual da obra. O Fellipe Beckman e os demais responsáveis pela computação gráfica do filme arrasaram. Os pokémon ficaram muito bem feitos e em harmonia com o cenário (destaco os Torterras, critico um pouco os Machamp), fora os efeitos das cidades, lembrando bastante cidades modernas do Japão ou da China. 

O mais impressionante é, no entanto, como o live action se aproveita positivamente de um elemento mal utilizado pela franquia. Pokémon insiste em discutir a reciprocidade dos animais quanto ao desejo de batalhar. Pertinência nisso existe, mas não adianta se no fim a resposta correta abate o alicerce da obra, o que obriga as abordagens a sempre concluírem com um “Eu sou amigo dos pokemon, então tudo bem!”. Mérito dos escritores, portanto, em olharem para isso e inverterem os papéis: e se não batalhar fosse a essência de Pokemon? Assim nasce o palco principal do filme: Ryme City, o lugar onde humanos e pokemon vivem em harmonia, com direito mútuo à paz. 

Ao capturar a ideia certa, Detetive Pikachu apresenta uma base confiável, mais que isso, a esperança de ser além de só uma aposta no que já dá certo para lucrar no abalado mercado cinematográfico através do fanservice. O problema é quando a pokebola se abre, revelando um pokemon pouco obediente e treinado (uma espécie de Charizard do Ash, que cospe fogo no próprio treinador). O longa envolve com emocionantes cenas de ação, mas falha ao esquecer de dar a elas sentido dentro da trama. Uma show de conveniências e coisas sem sentido uma atrás da outra (a cena dos Bulbasaur no gif acima é a pior aplicação disso). 

Há um bordão do Pikachu, algo sobre “acreditar nas próprias tripas”. Um jeito elegante de dizer instinto. Talvez seja uma dica para o espectador. Desligue o cérebro e “confie nas tripas”. Sinta o filme ao invés de buscar entendê-lo, quem sabe assim a lógica absurda dos acontecimentos passe despercebida. Só que o esforço vai ser grande, porque o leque de coisas negativas só começou. 

Se o declínio do filme se dá conforme o progresso da narrativa, já desde o início há vislumbres de detalhes que incomodam durante toda a experiência. A atuação de Justice Smith como Tim Goodman é pouco convincente. Ele muda bruscamente de um estado emocional para o outro – de uma tristeza falsa (porque a direção de Rob Letterman pesou um pouquinho a mão) a uma alegria exagerada. A repórter Lucy Stevens, interpretada por Kathryn Newton, é uma personagem cuja função na história beira o aleatório, uma vez que ela não funciona como investigadora, nem par romântico, nem nada de forma realmente consistente. O restante das atuações não tem defeitos, mas também não compensa.

Mesmo um dos maiores trunfos do filme, as batalhas conseguiram ser também um defeito. Ou melhor, sua ausência. Numa cidade onde batalhas não têm vez, sua existência se dá clandestinamente. Isso, a história oferece de maneira orgânica e inteligente, aproveitando sua premissa, e a execução fascina crianças e adultos. Um Gengar e um Blastoise brigam num campo clandestino enquanto Loudreds e um DJ fazem o lugar ferver. A animação estupenda da luta aliada à ambientação competente faz dessa uma das melhores cenas do filme. Mas parece que a produção não compreendeu isso. Em outros momentos era possível ter contado com esse recurso, tinha espaço, mas eles não usam. Na parte final, por exemplo, encaixaria perfeitamente, mas temos de contar apenas com cenas pouco emocionantes do Pikachu em perigo. 

Incontestavelmente lindo…

Outro tiro na culatra é o humor. A base da piada é a quebra de expectativa. Se não há uma expectativa bem criada, a quebra é apressada e a risada sai meio abafada – se é que sai. A execução do humor aqui pende para esse errôneo caminho, uma vez que em muitos momentos as falas que vão quebrar a expectativa acontecem antes da hora ou a direção da cena não fez o esforço suficiente para nos fazer acreditar num rumo (que seria futuramente quebrado). Cenas como a do Magikarp no campo clandestino ergueram breves e modestas risadas. Contudo, há momentos sensacionais, que merecem destaque, como a piada do cara com o pikachu falante e o momento impecável do Mr. Mime (o pokemon mais bem aproveitado no filme ao lado de Ditto cujo). 

Em conjunto, há um problema mais delicado: o Pikachu. Provável que varie do dublado para o legendado, afinal ninguém mais ninguém menos do que Ryan Reynolds dá voz ao camarada Pikachu no original. Na experiência dublada, a sensação é de que o dublador Philippe Maia não pegou tão bem o ritmo. As falas não ficaram tão dinâmicas quanto deveriam para um rato amarelo viciado em café. Mas, talvez, o maior problema do Pikachu seja sua relação com o Tim. O roteiro não foi capaz de sustentar o conceito de unicamente o Tim entender o pokemon; isso é usado em duas cenas apenas e acaba por não agregar tanto poder quanto poderia para a identidade do filme. É, em suma, um desperdício de ideia boa, como boa parte das ideias. 

Prepare-se para máximas como “Eu não tenho medo do medo” ou “Você não pode derrotar o futuro. Eu sou o futuro” e outras pérolas desse roteiro que tem tanto poder para o riso por vergonha alheia quanto para o choro. Mas também esteja pronto para se divertir com um mundo muito bem ambientado e uma tentativa animadora de originalidade. Vale pagar para ver? Se você tiver filho, se gostar da franquia, se bater a cabeça três vezes na porta do cinema, garanto que será fácil meter a mão no bolso sem titubear.