Rilakkuma to Kaoru-san (2019) | Review

Direção: Masahito Kobayashi | Roteiro: Naoko Ogigami (Kamome Shokudou, Megane) | Estúdio: Dwarf (Domo-kun) | Episódios: 13

A Netflix trouxe um novo show para seu catálogo que, segundo o seu material de marketing, é mais um produto voltado para o público infantil, mesmo sendo obra que carrega consigo o desconforto e a angústia de uma geração ao entrar em questões existenciais — afinal, todo anime infantil bom carrega algumas camadas a mais de compreensão. Rilakkuma to Kaoru-san é uma série original em stop-motion, produção japonesa do estúdio Dwarf em parceria com a San-X, baseada nos colecionáveis da empresa sobre esses bichinhos que existem desde 2003.

A verdade é que, essa história de apenas 12 minutos por capítulo, trata-se da gerência da ansiedade e de todas as incertezas e agonias da vida adulta. Apesar dos designs confortavelmente fofos e a ambientação pacífica, íntima e alegre, há uma verdadeira melancolia por trás dos temas que cada episódio relaciona com as dificuldades da vida adulta para uma geração de pessoas que não tem certeza de quase nada. A maior parte dos eventos do anime trata-se de Kaoru, a protagonista, trabalhando ou cuidando de seus amigos animais; ou apenas momentos descontraídos deles juntos. Em todo esse ínterim, ocorrem vários pequenos conflitos que propõem reflexões internas sobre “nós” enquanto pessoas, além de propostas descontraídas de soluções que são executadas da maneira mais deleitante. Abordarei essa questão mais abaixo, mas primeiro, vamos aos personagens.

Kaoru é uma mulher que trabalha em um escritório em Tóquio e está lutando para encontrar seu valor na vida. Felizmente, ela tem alguns amigos para oferecer-lhe uma perspectiva única sobre seus dias: Rilakkuma, Korilakkuma e Kiiroitori. Apesar da estranheza inicial de ver uma mulher vivendo com dois grandes ursos de pelúcia e um pássaro bem habilidoso, ninguém daquele mundo parece se incomodar com isso. Essas três companhias de Kaoru não falam, mas suas personalidades são bem transmitidas por suas ações e pelos pequenos sons que fazem. E ao mesmo tempo que são fofos e divertidos, esses animais conseguem passar sentimentos que são inerentes à protagonista em seus conflitos, apresentando uma abordem que é tolerante à vida, como nos momentos em que Kaoru não lida direito com alguma situação, demonstrando não haver problemas em cometer erros e que é preciso ser bom consigo mesmo. O episódio onde um vídeo deles viraliza, resultando em uma viagem para o Havaí em que ela não é convidada só de vingança, não só é um bom exemplo disso, mas também acaba sendo um dos eventos mais divertidos. Ninguém questiona o porquê desses bichos de pelúcia estarem vivos, eles simplesmente aceitam que isso faz parte da vida (afinal é um anime infantil). Esse aspecto fantasioso e bem delicado torna a experiência ainda mais íntima, pois esse é simplesmente o mundo de Kaoru.Existe um sentimento caloroso de intimidade na casa da protagonista, a atmosfera difere do que é em seu trabalho, e a brisa sempre suave das estações são detalhes apresentados para serem apreciados pela sutileza de sua execução. Os conflitos apresentados, apesar de relativamente pequenos em sua maioria, carregam reflexões acerca da experiência de vida dos humanos. Kaoru é uma mulher solteira que luta contra os sentimentos de ser indesejada e inútil à sua companhia e ao mundo ao seu redor. Às vezes, está desesperada por uma falha e reflete para si mesma sobre o problema a ser corrigido. Às vezes, ela só está com um humor melancólico temporário pela chuva lá de fora, pelo deboche de alguma colega de trabalho ou pela forma diferente como é encarada socialmente. No meio de todos esses pequenos conflitos, há uma aflição interna, uma ansiedade e indecisão que faz Kaoru refletir sobre qual é seu papel no mundo, do que ela vale e qual é a diferença que ela faz para todos aqueles ao seu redor — ela é uma personagem na qual não é nada difícil se enxergar pelo menos em um ou outro momento, da mesma forma em que é possível perceber seu crescimento a partir das suas experiências. Esse tipo de desespero existencial está dentro das pessoas, por mais que escapismos diários façam com que se tente deixar essa rígida questão de lado. A série consegue abordar bem os momentos em que envolvem tal angustia, característica dos seres humanos, que ressoa fortemente de dentro para fora; porém, isso ocorre de uma maneira inusitadamente mais tranquila e mais leve, pois Rilakkuma to Kaoru-san desenvolve essas questões junto de cenas mais agradáveis e divertidas de assistir. A experiência dessa série é um fio muito tênue entre o confortável e aquilo que é relutante em nós.

A cada capítulo há um tema a ser abordado e uma lição que fica através dos pequenos conflitos simplistas de Kaoru e seus amigos que fazem a dinâmica girar. Eles trabalham em cada pequeno problema juntos, como uma unidade familiar amorosa, onde os ursos e o pássaro costumam salvar o dia da protagonista e fazer as cores da vida serem realçadas. Um dos primeiros conflitos, mostrando Kaoru sendo ignorada por amigas de longa data, abandonada em um encontro anual no parque, enquanto famílias chegam e saem em volta dela até que ela decide voltar para casa e fazer o próprio piquenique com seus amigos de pelúcias, é um exemplo logo no início do show. É graças a essas interações que cada episódio de Rilakkuma to Kaoru-san fará o espectador se sentir um pouco mais esperançoso apesar de todas as inquietações.

A série apresenta uma produção em stop motion muito bem executada. É relativamente comum ver certo receio por produções que utilizam dessa técnica pela baixa aceitação e pelo que é considerado “bizarro”. No caso de Rilakkuma to Kaoru-san, isso é praticamente impossível pelo aperfeiçoamento dos detalhes e por todos os outros aspectos da produção que tornam o show mais alegre e vivo. Os animais de Kaoru parecem verdadeiros plushies para se comprar, e a animação é bem atenciosa aos detalhes, como nos momentos dos personagens usando hashi para comer ou quando estão preparando comida passo a passo. A textura dos personagens humanos não é tão um diferente como as dos animais nos modelos de stop motion, mas ainda assim é bem feita o suficiente para que, em alguns momentos, dependendo do posicionado e da iluminação, dê uma impressão de que Kaoru não é uma personagem em stop motion. Claro, uma produção em stop motion não tem o objetivo de parecer perfeita nesse sentido, mas isso faz parte do charme e estilo da série.

A utilização da iluminação nas composições é outro ponto forte dessa produção. O uso das luzes, ou sua ausência em certos momentos, é funcional para florescer sentimentos que os personagens querem passar e os elementos ou cenários bem iluminados passam uma ampla atmosfera de imersão e aderências às experiências dos personagens. Há um sútil detalhamento nas projeções das maquetes que criam ótimos ambientes iluminados, vivos e mais realísticos, enquanto outros momentos são incrivelmente apaziguadores, revigorantes ou mesmo frios e indolentes dependendo de qual experiência a série está tentando reproduzir no momento.

Rilakkuma to Kaoru-san é uma ótima série que trata dos problemas, confusões, angústias e solidão da vida adulta de maneira agradável, com uma ambientação e personagens divertidos apesar de sua contrastante melancolia eminente. Mesmo sendo um show que se caracteriza pelo marketing para crianças, é uma peça de arte recreativa que serve muito bem para se contemplar e ainda despertar um sentimento inerente à nossa própria existência. Viva os desenhos infantis!