Planet With e o Perdão

Com a temporada de inverno de 2019 basicamente já no seu fim, eu estive olhando em retrospecto para algumas coisas do ano passado – um ano de algumas genuínas dinamites – talvez, em analise, seja um ano descente em um escopo geral, mas coloco em um nível acima quando vemos suas peças de forma isoladas. Vislumbrando mais especificamente a minha lista de favoritos gerais, digo que existe tanto poder em cada nome mas todos poderiam muito bem encabeçar uma lista de “animes fantásticos que caíram atrás do armário”. Obras que estão embaladas em um nicho em seu próprio nicho. Nesses momentos eu diria entender a afirmação de que é raro os casos da popularidade de uma franquia ser totalmente justificada pela sua qualidade. E me voltado para esses materiais, desses destaques do ano, vejo que tenho muito trabalho pela frente – uma pilha gigantesca de ensaios me esperando para serem escritos. Um ano com muita coisa para ser desempacotada. Mas, para começar, eu não poderia neglicenciar a coisa entre as coisas – Deus, eu já falei isso algumas vezes durante a exibição do mesmo, ainda assim, que programa fantástico Planet With é! E é certamente o nome piscando quando falamos dos destaques de 2018 que no fim são underdogs.

Há uma serie de crises de assuntos pendentes, contas a serem pagas, no coração de Planet With; uma história em suas raízes mais profundas e fundamentais sobre o poder da empatia e do perdão para sobrepujar o ódio e a diferença. Hoje eu gostaria de explorar essa crise fascinante. Perdão é uma ponte, e em Planet With isso está em amostra. 

Dizer que você perdoa alguém que o prejudicou é apenas o começo. Alguns dias depois, você ainda sentirá essa raiva fervendo abaixo da superfície. Perdão não é algo que pode ser solicitado pela parte errada. Para que o perdão realmente aconteça, tem que ser dado livremente. Mesmo assim, essa sensação de libertação nem sempre estará presente. Alguns dias depois,  você se lembra e coloca sua raiva para ferver novamente. Então essa raiva, esperançosamente, passará. E isto é, se a parte lesada é outra pessoa. Se é você, se machucando – pela culpa de machucar outra pessoa, ou auto-sabotagem – essa é outra massa de complexos. 

Planet With me capturou com estas palavras, “eu te perdoo”. Elas apareceram como texto. Falado, mas não ouvido, elas vieram de uma ilusão mais jovem de Hideo Torai quando ele quebrou uma ilusão feita sob medida para embalá-lo em uma sensação de segurança. A princípio, parecia que Hideo teria que esmagar a ilusão de sua mãe, a quem ele achava que não conseguira salvar. No entanto, quando ele recua para dar o golpe final, seu eu mais novo aparece, sussurrando as palavras que Hideo queria desesperadamente ouvir – “eu perdoo você.”

Nunca foi sobre o perdão da mãe de Hideo. Era sempre sobre Hideo perdoar a si mesmo por seu assumido fracasso. Por perder sua mãe em um incêndio.

Planet With é uma série sobre muitas coisas. Para mim, era sobre a natureza do perdão, as menores facetas da auto-aversão que podem penetrar até mesmo no indivíduo mais confiante e bem-intencionado. Há inúmeras coisas que nos ainda não nos perdoamos por fazer. Alguns dias, podemos viver sem sentir a culpa. Outros dias, parecera um peso físico acima de você. Planet With mostra todas as facetas dessa culpa – a raiva, auto-aversão, desejo de vingança de uma parte relacionada e similarmente responsável – através de uma configuração de “meio ficção-científica, meio super-herói“ que inclui conflitos interplanetários e um único sobrevivente de uma raça inteira. Em todos os níveis, desde as batalhas robóticas em grande escala até as conversas entre personagens, o perdão é um tópico temático.

Como o último de sua espécie, Souya Kuroi está com raiva. Ele começa a série vendo coisas em absoluto – Bem, Mau. Enquanto outros tomaram sua decisão sobre ele devido a sua raça – apesar de seu planeta original, Sirius, ter sido destruído, os Sirusianos eram um povo que amava a guerra que destruiu outros planetas – seus dois guardiões visam mostrar que ele é capaz de amar independentemente disso. Um, chamado apenas de “Sensei” na série, é uma criatura gigante, semelhante a um gato, de um grupo pacifista chamado Nebula. A outra, Ginko Kuroi, é a princesa de um planeta que o povo de Souya destruiu.

Soya e Ginko compartilham uma conversa especialmente emocionante no penúltimo episódio que encapsula tudo o que Planet With acertou sobre como ele lida com seu tom, seus temas e a execução de sua narrativa. Souya pergunta a sua meia-irmã mais velha: “Por que você não nos odeia?” Ele está mais velho. Ele percebeu o erro de seus pensamentos e ações anteriores. Mesmo com uma perspectiva ampliada e mais conhecimento, suas palavras carregam culpa. Souya se culpa. Uma parte dele acha que seria mais fácil para ele continuar sua auto-aversão se Ginko concordasse em o odiar. Em vez disso, ela termina a conversa com um convite para que ele veja seu planeta e com – “você é meu irmão mais novo e tenho muito orgulho de você.”

Ginko assegura à Souya que ele sempre terá um lar na Terra, e que os Rielianos ficariam mais do que felizes em conhecê-lo algum dia também. Afinal, não apenas os Rielianos perdoaram Souya pelos crimes de seus ancestrais, mas Ginko pessoalmente o considera família. Em uma série repleta de declarações emocionalmente poderosas, acho que essa foi a que mais me atingiu. É fácil construir escudos emocionais contra ataques. Mas afirmações assim? Elas são indefensáveis e atravessam tudo que está na frente. Ginko é de longe o indivíduo mais forte desta série.

O perdão de Ginko não precipita Souya perdoando a si mesmo. Você pode facilmente argumentar que a culpa de Souya sobre a terra natal de Ginko era injustificável. Ele era um bebê. No entanto, todos podem entender como a culpa pode ser irracional. Como isso pode infeccionar e levar a pensamentos e ações muito piores. As ações e o amor de Ginko são uma ponte.

É simples demais sugerir que os problemas sempre podem ser resolvidos com o perdão daqueles que lhe causaram injustiça. Lançar essa raiva de lado é difícil. Isso deixa você se sentindo vulnerável. Alguns argumentam que isso faz você fraco, deixando-o aberto para ser aproveitado novamente por outras pessoas. Planet With e eu discordamos disso. Takezou Ryuuzouji, (que roubou o espetáculo diversas vezes) oferece os humildes, mas profundos, “ser capaz de suportar a injustiça do mundo e ainda permanecer gentil é uma coisa mais nobre do que a justiça”. Perdoar significa reconhecer que as coisas não são justas, e que às vezes devemos dar mais do que tomamos, e que abraçar os outros apesar da dor é uma aposta constante de sacrifício, uma estrada na qual a fricção da decepção pode um dia, talvez, desgastar a força do nosso amor. 

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