Mamoru Hosoda – Mirai no Mirai, Papeis de gêneros, Identidade no Japão e mais | Entrevista Traduzida

Mamoru Hosoda é mais conhecido por ser o diretor de Summer Wars, Wolf Children e outras obras famosas. E foi durante a produção de Wolf Children que ele montou seu núcleo de animação, o estúdio Chizu, que veio a lançar em 2015 The Boy and the Beast. Esta é a tradução da entrevista de Mamoru Hosoda publicada pela Anime News Network.

Entrevistador: Você esteve falando sobre como é uma decisão incomum ter um menino de 4 anos de idade como protagonista, mas acho que talvez seja mais estranho ter uma esposa trabalhando fora de casa com seu marido ficando em casa, ainda trabalhando, mas em casa (e majoritariamente cuidado da sua criança). O que te levou a essa decisão?

Mamoru Hososa: Eu fui ouvi várias vezes esta pergunta, especialmente na Europa. Acho que é porque a sociedade japonesa é vista como um tipo de conservadorismo quando comparada ao Europa, mas considero que nossa sociedade está mudando pouco a pouco.

Mesmo olhando para os meus amigos e colegas, este tipo de papel invertido está se tornando padrão. Seis anos atrás, quando fazia Wolf Childen, pais carregavam seus bebes contentes, mas agora é tão comum que eles nem ligam. Isso pode não ser muito na Europa, mas no Japão é desafiar os padrões.

Então sim, o papel inverso no filme ainda é incomum, mas nós estamos chegando lá, então queria representar esta mudança no filme.
Entrevistador: Você disse que seus colegas que são pais agora estão mais suscetíveis a cuidar das suas crianças. Isto é uma mudança que você tem visto na indústria da animação ao longo desses últimos seis anos?

Mamoru Hososa: Mais que a indústria mudando para acomodar seus pais, é mais como… acho que uma mudança antes disso é que os casais se tornaram mais propensos a ir além de seus papéis tradicionais, ou trabalhar mais na relação e ser menos limitada aos costumes antigos. Na indústria dos animes, por exemplo, há alguns poucos criadores que ficam em casa e trabalham nas suas mesas de jantar, e eu estou incluso. Acho que há muito mais pessoas trabalhando como o pai da Mirai.

No entanto, isto não é algo apenas para a indústria de animes. Atualmente é possível trabalhar de qualquer lugar, e as pessoas não estão presas a regras por causas do gênero. Como as pessoas trabalham estão mudando em resposta as mudanças na sociedade. Eu acho.
Entrevistador: Você que quando estava promovendo Wolf Children que você sentia que a protagonista mulher deu a você mais que liberdade artística porque eles não tinham metas altas e era mais sobre a família. Você ainda se sente desse jeito, ou sua visão sobre isso mudou?

Mamoru Hososa: Aquele filme, Wolf children, é sobre minha mãe atrasada e como ela me trouxe de volta, então é algo pessoal. Enquanto o fazia pensava “Se o gênero fosse diferente, digamos que o protagonista fosse um homem e uma mulher loba se apaixonasse por um homem e então ele tivesse duas crianças, tenho certeza que ele faria tudo diferente”. Acho que a mulheres tendem a serem mais liberais com ideias e mais corajosas, menos conservadora.

Também, penso que na verdade minha mãe não tem este tipo de liberdade. A vida dela foi limitada, foi como tinha que ser na época. Então queria dar essa liberdade à personagem. Não queria que ela fosse o tipo negativa de pessoa, mas era um tempo onde isso era como ela tinha que ser. Eu realmente queria fazer a personagem baseada na minha mãe tendo a liberdade e também sendo muito positivo.
Entrevistador: A experiência de produzir Wolf Children, quando você não era pai ainda e era apenas uma criança – como isso se comparar com a produção de Mirai, onde você é um pai de duas crianças que são do mesmo gênero (as crianças em Mirai), então provavelmente foi mais fácil trabalhar as crianças no filme? Como foi a experiência dessas duas produções diferentes?

Mamoru Hososa: A mão em Wolf Children é a minha visão ideal sobre a minha mãe. Minha mãe morreu, então a imagem dela é a mãe que eu queria que ela fosse, de certo modo. Mais com Mirai, tudo é muito realista. Eu queria mostrar o melhor possível o que é e era realmente ser para mim e minha esposa se tornar pais daquelas jovens crianças.

Nós não somos pais perfeitos. Somos inexperientes, Nosso filho tem três anos, mas isto significa que estamos fazendo isto por três anos. E então temos o trabalho, temos que criar aquelas duas crianças, temos eventos e amigos… Estamos lutando. Nós não podemos ser apenas uma pessoa, não podemos apenas ter um único papel, porque temos muita coisa acontecendo.

E penso que não somos os únicos, é assim que são as famílias modernas, qualquer família, eu percebi isto quando me tornei pai. Então a figura paterna em Wolf Children e em Mirai são totalmente diferentes por causa desta experiência, mas que também é exatamente o motivo de pensar que seria mais interessante mostrar a vida paterna de um modo diferente desta vez.

Entrevistador: E você já sabe que as reações aos dois filmes e suas representações de vida paterna tem sido diferente?

Mamoru Hososa: É mais interessante para mim exibir diferentes tipos de famílias, do que produzir filmes sobre o mesmo tipo de família todo o tempo, seria cansativo, então sim, você pode ver o filme meu com grandes pais, com diferentes tipos de crianças como personagens, talvez com diferentes tipos de relacionamento entre homens e mulheres. A mudança da sociedade, os valores sociais estão mudando, e penso que o filme reflete essa mudança na vida em geral. Como um artista você é influenciado por onde a sociedade está indo.

Por este motivo, eu recebi críticas por como eu representei um casal em Mirai. “A mãe não está fazendo o seu trabalho! O que ela está fazendo? ” e também “O pai, não está trabalhando! O que ele está fazendo em casa? ” Não concordo com isto. É bom ter este tipo de debate. Acredito que a sociedade está mudando para melhor, com todos não tendo mais papeis fixos, porém, como ainda estamos em transição, penso que é saudável instigar a discussão.
Entrevistador: Você tem dito que o nome (do protagonista de quatro olhos de Mirai) “Kun-chan” é pretenso a ser um pouco ambíguo, incluindo ambiguidade no gênero. Você pode falar um pouco mais sobre essa decisão?

Mamoru Hososa: Não é apenas o gênero ambíguo, dei a ele este nome para implicar o seu sentido sobre si mesmo ambíguo. Usar o nome “Kun-chan” significa algo ambíguo no Japão (Kun é o sufixo usado para homens, enquanto Chan é o sufixo usado para mulheres). Kun-chan é um garoto, mas você não pode chamar ele de “Kun-kun”, soa muito engraçado, mas colando “chan” no final o seu nome significa que você não tem certeza do seu gênero.

Kun-chan não sabe quem ele é, e isto é o que eu queria representar: ele não tem o sentido sobre si, ou identidade. Agora ele tem sua irmã mais nova, e então ele tem um papel a fazer, mas ele não sabe como lidar com isto tudo. O certo era ele amá-la, mas ele não sabe o que fazer e nem como. A história é sobre ele descobrindo a si mesmo. Então realmente queria que tudo fosse ambíguo, que é na verdade o estado mental dele. A existência do “Kun-chan” é ambígua. Por isso eu dei este nome a ele.
Entrevistador: Você disse nas entrevistas que muito dos seus filmes são sobre identidade, mas o Japão não está interessado em identidade. Você pode explicar isto melhor?

Mamoru Hososa: Sim, eu disso isso, e ainda me pergunto o porquê de isso ser assim.

Não tenho certeza do quanto os japoneses consideram o que define você como você. Penso que há uma tendência para as pessoas no Japão a estarem confortáveis com seus papeis, mas o papel e a identidade são duas coisas diferentes.

Penso que é considerado mais importante em outros países que você se questione “quem você é?” e “onde você está?”, mas no Japão há esta suposição que todo mundo é igual. Penso que fora do Japão há a ideia que “Todo mundo é diferente, então temos que respeitar cada um”. Dentro do Japão é mais “Todo mundo é igual, então temos que respeitar cada um”. Penso que isto é bem incomum, e a razão é que o número de pessoas que não sabem sua identidade no Japão é maior.

É exatamente por isso que eu queria fazer uma história sobre Kun-chan descobrindo sua identidade. Realmente queria enfatizar a importância de si mesmo, mas não tenho certeza do quantoa a audiência entendeu do que eu realmente queria dizer.

No entanto, isto está mudando no Japão. Eu quero acreditar que está mudando. Minha geração cresceu nos anos 70 e 80, e conformismo era a chave da educação, mais importante que individualidade. Nós viemos para rejeita isso, e é onde está o Japão hoje.

Fonte: Anime News Network