Hinamatsuri (2018) | Review

Sobre
Uma noite, um estranho objeto cai na cabeça de Nitta, membro da yakuza. Dentro da caixa há uma jovem e estranha garota chamada Hina. Ela possui enormes poderes sobrenaturais, e Nitta se encontra relutantemente a levá-la consigo. Seus poderes podem vir a calhar para o seu negócio da yakuza, mas ele também corre o risco de ela usá-los para ele próprio. E se ela não usar seus poderes, ela acabará por perder as estribeiras e irá estruir tudo à sua volta.

Análise
Séries com espectros cômicos normalmente tentam lidar com o entretenimento do público de inúmeras maneiras e formatos para o humor, mas poucas conseguem chegar em um auge para que – além de fazer alguém rir, sejam capazes capturar toda a magia do que realmente é uma comédia. Fazia tempo que eu não tinha uma impressão tão viciante sobre um anime de comédia como foi com Hinamatsuri.

É realmente raro encontrar uma série do gênero que sabe desenvolver tão bem relações, mensagens, personagens e algo muito maior do que apenas fazer quem assiste dar algumas risadas. Alguns podem argumentar que Gintama faz isso ao decorrer de seus inúmeros arcos -, mas entre os mais recentes títulos animados lançados pelas temporadas de anime nos últimos anos, Hinamatsuri veio para trazer ao público uma execução de humor bem fundado e com raízes em exemplos clássicos do gênero em relação á temática.

É difícil colocar em pauta o assunto “humor” dentro de uma análise. O senso de humor é subjetivo e cada pessoa pode ter sua própria releitura do que é ou não engraçado, devido a n fatores relativos que variam de pessoa para pessoa; porém, não há como negar que existam técnicas fundamentadas para como se criar piadas, quando e como usá-las para tornar um momento hilário. Desconsiderando o subjetivismo existente para como a comédia funciona para cada indivíduo, e indo ao ponto de como Hinamatsuri trabalha o seu cômico, é possível dizer que essa série possui uma execução brilhante para comédia, e não menos inteligente. 
O contato de um yakuza com uma garotinha com habilidades sobrenaturais poderia soar repetitivo e genérico, ainda mais com a garota abordando o famigerado uso do “não possuo sentimentos, o que é ter emoção ou empatia?”. Qualquer ação genérica dessa prerrogativa poderia ter sido um grande erro para fazer a série cair em uma possível mesmice de temas sendo usados para as piadas padrões ou forçadas. Mas, aqui, a exposição do ridículo dos personagens é expressa de maneira direta e sem remorso do que poderia dar errado. Não é todo dia que se vê uma cena bem projetada de uma garota em um casulo de metal sendo teletransportada para um apartamento ao pousar na cabeça de um agente da yakuza. A partir do momento em que há um protagonista de meia idade fanfarrão e uma garotinha ingênua com poderes psíquicos, cria-se uma relação de humor na série para o qual obras antigas do gênero remetem ao visual do yakuza. 

As combinações estranhas; os personagens de origens diferentes se interagindo com a fenomenal linguagem e atuação de personagens; o uso do timing cômico para as gags e toda a curiosidade em saber o que tais personagens farão em determinadas situações são exemplos elementos da atividade cotidiana de uma diversificação de personagens que formam um vinculo incrível com quem assiste – como aprofundarei com spoilers mais à frente. O ponto é que a obra tem consciência dos seus próprios absurdos, e é por isso que todos elementos são bem trabalhos de forma o espectador assista todos episódios como se tivesse mergulhado de cabeça nesse universo maluco, e depois retornando com um provável sorriso no rosto e uma grande satisfação de ter sido entretido. 


A forma como Nitta deixa Hina ficar em seu apartamento, logo depois se surpreendendo ao descobrir que a garota é apenas uma criança preguiçosa, gera conflitos cômicos e experiências divertidas. O yakuza aprende que a garota quer muitas coisas porque foi negada a elas no mundo estranho de onde veio; Nitta acaba se tornando um espécie de “pai solteiro” que divide o sentimento de compaixão e arrependimento pelo contato com a menina, a qual tentá ajudá-lo com seu serviço de yakuza de forma a – tentar – retribuir tantas gentilezas inesperadas.
O elenco se expande ao decorrer dos episódios, outros yakuza aparecem, outras garotas fazendo bizarrice com habilidades sobrenaturais surgem e as interações formam uma comédia elaborada em cada evento específico. Cada ação e reação de um personagem mostram uma construção sincera de si mesmo e do próprio humor que cresce em meio a todos esses elementos naturais que amadurecem com a obra. A direção acerta em cheio em usar gags nos momentos corretos para o estilo mais escrachado da comédia vendida, além de trabalhar os diálogos adaptados de maneira tal para o anime tornar-se uma comédia projetada, construída, como se cada momento e diálogo cômico fosse meticulosamente planejado para estar ali. Ainda que, obviamente, o senso de humor de alguns possam não ter dado oportunidade a essa execução.
Algumas obras de comédia tentam manter uma linearidade apenas com seu próprio elemento de humor, por mais repetitivo e estúpido que seja (ou não); essas séries normalmente se prendem ao elemento-chave do humor que as fazem chamativas, de maneira a ficar nítido como essas obras evitam sair dessa zona de conforto para estabelecer um desenvolvimento a mais, seja em seus personagens ou em algum outro tema que cerca a narrativa. É aí que Hinamatsuri consegue se destacar e brilhar ainda mais. A série não só consegue transmitir um humor literalmente no ponto, que mesmo sem exagerar como certos títulos de comédia como KonoSuba fazem em expor do ridículo e do sensacionalista para fazer humor, causa risos mais honestos e ainda busca grandes evoluções de personagens. Mas, não me levem a mal. Não estou dizendo que todas as obras focadas em comédia deveriam explorar tanto seus desenvolvimentos de temáticas e personagens (ou que KonoSuba não seja relevante para com o seu humor), até porque se uma obra dessas recebesse uma produção mesquinha poderia sair uma bagunça desastrosa. Hinamatsuri, porém, é um caso singular de uma comédia que soube se aventurar por estas bandas, e se saiu muito bem.

Esse título com certeza é maior. O anime traz um plano de fundo e consegue se concentrar em vários personagens, trazer seus desenvolvimentos e ainda conectá-los de forma casual e orgânica. Você não precisa gostar de todos personagens, mas certamente deve gostar das interações causadas, dos diálogos pontuais para o cômico, e do próprio contraponto ao argumento que séries de comédia não deveriam explorar outros alcances senão o próprio humor. Quem esperaria que um anime de temática inicialmente aleatória e maluca abordasse um episódio para mostrar, com muita realidade, a dificuldade que é em não ter uma moradia? As lindas mensagens passadas pela humildade dos personagens envolvidos com Anzu, ou pela simplicidade das coisas para o esboço de um sorriso mesclam ideias diversas para o show, que em algum momento durante seus 12 episódios acaba fazendo uma harmonia incrível de personagens.  
Anzu aprende o valor do dinheiro com os sem-teto que a orientam e lhe dão um lar entre eles no parque. Anzu aprende quanto vale a pena gastar seus dias coletando latas, oferecendo muito crescimento para sua personagem que começou como um ladrão de ladrões. A vida mais simples que ela vive é detalhadamente imaculadamente crível; quanto dinheiro ela ganha, que alimentos ela pode comprar, como pode ou não gastar seu tempo livre, não poder ir à escola. Esta é uma área mais dramática do show, e nem por isso destoa do resto. Os sem-teto que se tornam “mentores” de Anzu são incrivelmente humanizados como o resto do elenco. No início, eles não a aceitam por razões óbvias, é perigoso, mas depois que ela canta [bem mal] para eles, aqueles homens se tornam queridos por ela e são lembrados de seus próprios netos ao ver a imagem da garota. No final desse arco, eles genuinamente passaram a querer que ela tivesse uma boa vida. Vendo o impacto que ela teve sobre eles uma vez que eles são expulsos da região, sendo removidos para fora do parque, é verdadeiramente emocionante, da mesma forma que Anzu passa a lidar com sua nova casa em um restaurante de lamen.

Outros personagens “secundários” também ganham devido espaço e elaboram as mais difusas ideias e situações hilariantes. Hitomi, colega de Hina, trabalhando secretamente em um bar que adultos frequentam também traz cenas difíceis de se esquecer – seu enfrentamento sobre a conquista do emprego e a difícil relação com os adultos não deixou de ser interessante e sempre caminhou lado a lado com o humor; ou mesmo o episódio em que o foco é Mao e sua vida de isolamento é um bom exemplo. O próprio Nitta fazendo uma reportagem sobre sua vida de yakuza, tendo suas falas manipuladas para parecer muito pior do que ele realmente é – para decepção do repórter, é mais um exemplo das grandes mudanças de humor bem trabalhados e inseridas que a série consegue ter durante seus episódios. A variação e a criatividade não faltam.

Mesmo mencionando alguns personagens e algumas situaçõe hilárias dessa série episódica que é, com vários episódios trabalhando na abordagem de alguns temas ou desenvolvimentos específicos, que se completam em algum momento, é importante também avaliar que o show dá valor suficiente aos seus personagens para que o público se importe com eles. Enquanto alguns personagens podem não se destacar tanto, consigo afirmar sem problemas que o elenco principal vale toda a pena pelos seus papéis. Teria sido fácil simplesmente deixar os personagens falarem, mas em vez disso, a série exibe notavelmente suas personalidades da maneira mais engraçada possível. Um senso geral de fatalismo também pode ser sentido como alguns deles que estão destinados a encontrar algo, ou mesmo sobre eventos aparentemente destinados a acontecer. Embora alguns elementos narrativos possam ser previsíveis em episódios posteriores, eles não se limitam a como os personagens se conectam uns com os outros.


É importante ressaltar também que há algum fanservice, ou melhor dizendo, cenas de “personagens sendo retratados de maneiras inapropriadas” durante o show, mas não é como se isso se tornasse um problema ou diminuísse valor à série. Em seu núcleo, Hinamatsuri serve para entreter seu público através de comédia criativa. O fanservice (não no sentido erótico do termo) existente é apenas uma forma de aumentar o combustível para esse fogo que a série possui. Tratando-se de um anime de comédia, esse é o ponto mais próximo de uma crítica negativa que consigo pensar para a série agora, e olha que não é lá tão relevante. A questão é que, como já dito nos parágrafos introdutórios, comédia é subjetiva, e Hinamatsuri além de ser brilhante como comédia, é ótimo em outras abordagens.

Agora ,voltando um pouco mais para os aspectos da produção. O estúdio Feels fez uma espetacular produção, em que o diretor Oikawa Kei e o roteirista Keiichirou Ohchi possuem total mérito pelo anime ter sido dessa forma que foi. Apesar dessa construção tão boa da obra ser advinda do mangá, seu material original, foi necessária uma adaptação da sua narrativa para que a série chegasse a esse nível como produto de animação; A estilização do humor com o bom timing já citado, além das gags e da coloração exemplar -, a staff soube trabalhar a ramificação de acontecimentos episódicos para a construção de uma narrativa própria. Como já informado no Guia de Final de Temporada, a série deixou passar vários outros acontecimentos, vários capítulos foram pulados para a adaptação em anime; porém isso de forma alguma tira o mérito e a consistência incrível que a série apresentou em seu decorrer. Hinamatsuri teve sua própria cara nessa mídia, e isso apenas contribuiu para que os mais empolgados também fossem procurar o manga para ler.
A animação da série foi espetacular. Oikawa soube chamar grandes nomes como Ryo Araki e Tetsuya Takeuchi para esse projeto, de modo que o anime tenha esbanjado animação fluída, fosse em cenas de ação ou não – esse é um feito realmente memorável para uma animação de TV, ainda mais se tratando de uma comédia. O primeiro episódio se iniciou com uma luta incrivelmente bem animada e fluída na China e então voltou 3 anos antes, para o anime de fato iniciar sua história; como se não fosse pouco, o episódio final completou a piada em refazer o time skip e continuar essa brilhante sequência de ação, dando maior ênfase na personagem que está na China e deixando um final diferente – porém não menos divertido como um episódio cômico -, que  alimenta a esperança daqueles que anseiam por uma nova temporada. 

Não só por esse truque da direção para esbanjar uma luta cheia de sakuga no episódio inicial e final, mas por toda a movimentação e atuação orgânica de personagens durante a série que essa produção deixa sua marca. Os detalhes dos personagens para as gesticulações e expressões, tanto nos momentos mais cômicos de reações e das caras e bocas, mas também para os momentos emocionais em que as mensagens conseguiam ser passadas e os sentimentos dos personagens chegavam até quem assistia – sem parecer bobo ou forçado, eram de se impressionar para um show de TV. Pouquíssimos animes conseguem tal feito a cada vários anos de lançamentos – e é de surpreender o tamanho aperfeiçoamento trabalhado aqui.


Como seria bom se Hinamatsuri tivesse mais alguns episódios. Afinal, se eu entrei e mergulhei nessa experiência absurda que o anime proporcionou a cada episódio, e voltei com um sorriso e boas memórias, eu quero fazê-lo de volto. Esse trabalho todo foi bem impressionante, e sinceramente duvido que uma comédia conseguirá trazer abordagens tão amplas e bem trabalhadas pelas próximas temporadas. Essa daqui é uma obra merecedora de melhores do ano sem sombra de dúvidas, a química dos personagens à narrativa peculiar, Hinamatsuri se realizou muito bem como um exemplo da subjetiva “comédia completa” que se comprometeu a ser. E conseguiu.

Direção: 9 (Excelente)
Roteiro: 9 (Excelente)
Produção visual: 9.5 (Excelente)
Trilha Sonora: 8 (Ótima)
Entretenimento: 10 (Excelente)

Nota Final: 9 (Excelente)

***