FLCL – Furi Kuri (2000) | Animes de Estilos Artísticos Únicos #7

Sobre
A história segue Naota, um garoto comum de 12 anos de idade, que vive desolado, confuso, revoltado e sempre mal-humorado depois que seu irmão mais velho foi para os Estados Unidos jogar beiboll deixando-o com o pai e o avô. Porém, o garoto convive intimamente com a ex-namorada do irmão, Mamimi, que constantemente tenta assediá-lo como lembrança de seu antigo namorado enquanto os dois andam pelas ruas da cidade.
 
Certo dia, uma garota estranha chamada Haruko surge na sua vida, montada numa vespa (moto), acertando-o em cheio na cabeça com um baixo que também é uma motosserra. E a partir do enorme “galo” em sua cabeçá surge um robô e eventos aleatórios e nonsense vão acontecendo enquanto algo parece ameaçar a cidade.
 
FLCL é o resultado de uma parceria entre o estúdio Gainax, em seu tempo de glória que permeava o ano 2000, juntamente com o ambicioso Productions I.G. que crescia bem naquela época. Com a direção-chefe de Kazuya Tsurumaki essa produção original foi transformada em um anime de 6 episódios no formato OVA. A série, no entanto, é puramente característica da Gainax que emplaca metáforas com um grande subsequente nonsense e de linguagem sexual. FLCL (pronuncia-se Furi Kuri) é uma das marcas do então póstumo estúdio em expressar-se quase que livremente com seu estilo desajeitado e uma história aceleradamente maluca, praticamente incompreensível à primeira vista.
No que diz respeito a sua premissa, o que mais marca FLCL é o quão incoerente e insana a história é em sua estrutura – não só pelas aleatoriedades expostas a quase todos episódios, mas aos diálogos e personagens igualmente malucos. A trama se passa em uma cidade simples do Japão em que uma gigantesca fábrica, a Medical Meccanica – que possui como locação um estranho prédio em forma de um grande ferro de passar roupas – solta uma grande quantidade de vapor todos os dias. Vários incidentes estranhos e nada comuns começam a ocorrer principalmente em volta de Naota a partir do momento em que ele é atropelado pela loira que anda na sua moto com o baixo em suas costas, Haruko. A história tenta passar, de maneira bem nonsense, os receios de um adolescente em puberdade tentando lidar com questões corriqueiras da juventude, queixando-se da vida, dos adultos e de tudo mais que soar conveniente. Naota é inseguro em relação a vida adulta e desconhece a maturidade. Entender essa questão pode clarear pelo menos um pouco a viagem alucinógena que é FLCL
 
Parte da personalidade do protagonista se explica se o elenco que compõe sua família for observado: seu pai e seu avô são personagens bobos que agem com imaturidade o tempo todo com cenas estonteantes de mais puro nonsense (como é possível observar acima); isso faz com que Naota desconheça outras atitudes, senão essas sem noções de que tanto convive e está acostumado. Ele nem ao menos sabe como lidar com garotas – levando em consideração que a ex-namorada de seu irmão dá em cima dele sem levá-lo a sério. Seu irmão que viajou à América para jogar beisebol é seu modelo ideal do adulto que ele acha que deve se tornar, mas é difícil. E é aí que a chegada de Haruko na história tende mudar as coisas, com o início de uma aventura que nada mais significa do que os sonhos de um garoto de 12 anos em plena puberdade. Após o atropelamento, Haruka diz estar na cidade em uma missão espacial, e por ter batido na cabeça de Naota com seu baixo, o protagonista começa a ter robôs brotando de sua cabeça. Os robôs que saem da testa do Naota, além de fazerem paralelo bizarro com algum tipo de efeito da sexualidade do garoto na puberdade, tornam-se personagens importantes que servem desde televisão para a casa do garoto, até mechas utilizáveis em batalhas contra os cowboys especiais que tentam invadir a cidade. Referências não faltam em meio a toda essa maluquice aventureira que Furi Kuri se torna nos próximos episódios: South Park, Evangelion, Matrix e etc – várias abordagens humoradas acontecem em meio ao surrealismo insano que impregnam FLCL. A vida entendiada e chata e transtornada de um garoto comum de 12 anos se transforma em uma pura metáfora absurdamente criativa sobre crescer e ganhar maturidade. A série joga várias informações durante os episódios em um ritmo rápido o bastante para ser difícil realmente entender as analogias e conexões entre os eventos. Desde conflitos pessoais até as relações à puberdade e sexualidade; os episódios passam mostrando isso de várias formas distintas e ainda malucas: robôs ainda brotando da testa do protagonista, lutas contra robôs com meninas em forma de coelho, organizações secretas organizando conspirações e o próprios piratas espaciais querendo dominar a região para completar uma certa missão.

FLCL, no entanto, é uma história de um menino que tenta tanto ser adulto que ele, ironicamente, parece ainda mais como criança. O personagem principal está sendo cercado por um mundo de emoções conflitantes e confunde-se com ele, e a maneira da narrativa de FLCL reflete essa massa de emoções engarrafadas dentro de Naota. A história é fragmentada, mas, obviamente, feita intencionalmente, e esse tipo de aleitamento intencional cria uma atmosfera muito surrealista em meio a doses cuidadosas de auto-paródia que torna FLCL espirituoso e bem-humorado. Não é uma história direta com um ponto claro A seguido pelo ponto B, é uma história simbólica e insinuante com um ponto vago e confuso A que pode ou não levar ao ponto B. É uma história que precisa ser assistida novamente para que o espectador perceba muitas coisas que podem voar pela na primeira vez (e elas voarão pela primeira vez). A história é reconhecidamente confusa e aparentemente incoerente, até que uma segunda visão inicie sobre o espectador que cada detalhe “irrelevante” foi feito, discutido e feito por uma razão muito precisa de prefiguração, caracterização, etc.Ainda pode-se alegar ainda que seu ritmo alegoricamente rápido em seus únicos seis capítulos de série não permite que a história tenha um desenvolvimento tão complexo e profundo assim, podendo ser o desperdiço de um potencial não explorado. Porém, isso não é nada que duas novas temporadas não possam resolver.

O humor é outra das marcas registradas no anime, que se sobrepõe com todo seu elenco carismático e bizarro de personagens que fazem maluquices ou agem de maneira não esperada o tempo todo. A produção de Furi Kuri chama atenção neste momento, não só por fazer cenas cotidianas bem animadas, batalhas e cenas de ação em geral muito bem feitas e fluídas, mas também por usar vários estilos e conceitos técnicos de animação para variar em sua comédia ao longo dos 6 episódios. A experimentação da produção para com os conceitos cômicos da série vai longe, desde a rica movimentação de câmera com movimentos mais parrudos muito bem intercalados até a estética brincalhona e abstrata. E não era de se esperar menos, com uma equipe que envolveu grandes talentos e estrelas do estúdio da época em um projeto de nonsense contemporâneo, como a presença de Hiroyuki Imaishi para layout, direção de animação e storyboard de vários episódios – o que inclui as cenas malucas na casa do protagonista em que transecionam e dão vida à páginas do mangá para a realidade de maneira muito expressiva e cômica, como consta um no primeiro vídeo dessa análise.
O último, mas não menos importante ponto fortísimo da obra é sua magestral trilha sonora. A banda The Pillows consagrou Furi Kuri com ótimas músicas durante todo o show. O hard rock da trilha sonora é constante durante todos os episódios, e com isso quero dizer que, diferente dos animes atuais, as músicas tocam durante todo o episódio; não importa o momento, ou os diálogos, as músicas perpetuam de fundo aos eventos dando uma imersão e sonoridade notáveis que não mais vemos em animes hoje em dia. O controle de ajuste é tão bom que as músicas diminuem e “surgem” nos momentos mais oportunos, ficando idealmente alocadas durante diálogos para não haver nenhum tipo de atrapalhamento. Todas as faixas são ótimas, a Gainax fez muito bem em licenciar os três primeiros álbuns de The Pillows para que as músicas fossem tocadas ao decorrer do show e de suas aberturas. 
 
FLCL é um prato cheio para fãs de nonsense, de humor abstrato ou do próprio estilo de animação expressivo da Gainax feat Productions I.G. Caso contrário, Se você não é o tipo de pessoa que é capaz de pensar lateralmente, ou está intimidado pela perspectiva de ter que descobrir algo por si mesmo – vendo e revendo como em muitos outros animes já analisados por aqui – então é improvável que o FLCL seja atraente para você. Eu tentei não me estender muito em uma análise mais profunda sobre a abordagem das aventuras malucas da série para simplesmente não dar spoilers e acabar com a graça dos delirantes seis episódios que constituem o anime; entender FLCL fica a cargo da interpretação de cada um: você pode querer enxergar uma profundidade psicológica dos personagens, reverenciar o humor alucinado da série ou simplesmente pode assisti-lo como entretenimento rápido e bem produzido que é. Optei apenas por dar uma breve contornada na história para focar mais nos pontos relevantes da produção extremamente criativa e de sua estrutura de roteiro como forma de apresentar para quem não o conhece, e servindo como interpretativo básico para os que já assistiram. FLCL é um divertido anime de 6 episódios que reúne “adolescentes, sexualidade e rock n’ roll” e retornará com duas novas temporadas em 2018 e com certeza vale a pena assistir.
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