Solanin – A catarse dos sonhos à realidade da vida

Solanin é o título que alavancou a carreira do glorioso Inio Asano, sendo composto por dois volumes que tiveram seus capítulos publicados entre 2005 e 2006 na Weekly Young Sunday, no Japão. Em 2011 a editora L & PM Pocket trouxe o mangá para o Brasil.

“Essa cidade está transbordando de pessoas, e cada uma delas tem suas preocupações, grandes ou pequenas. Quantas delas realmente podem dizer que são felizes?”
Meiko e Taneda são um casal que já se formaram da faculdade há dois anos. Estão juntos em uma vida que muito se afasta dos sonhos gloriosos da juventude. Ela trabalha em um escritório como secretária e ele é ilustrador freelancer de uma companhia de jornais, sem carteira assinada e sem ganhar muito, vivendo às custas do salário da namorada. Taneda se reúne duas vezes por mês com a sua banda formada por amigos da época da faculdade, relembrando os tempos em que seu sonho era viver da música. Seus amigos também vivem com seus próprios problemas e dúvidas, mas estão sempre apoiando o casal de forma divertida; entre eles está Kato, um estudante universitário que apesar de ter estudado junto com Taneda não se formou, sua namorada Ai que é amiga de Meiko e sempre está com o grupo, e Billy, um rapaz que aparenta ser bem mais velho do que realmente é, um homem que se sente fracasso por não ter conquistado quase nada do que queria na vida e que trabalha na farmácia da família.

A história toma partida de fato no desenvolvimento do casal e de seus amigos que o cercam quando a garota se demite do seu entendiante emprego por não aguentar a forma chata e monótona que os adultos se mantêm nesses serviços nada cativantes. A história se mostra verosímil e melancólica a partir daí diante de acontecimentos que podem acontecer com qualquer um. A garota anseia por uma liberdade para fazer o que deseja, mas aí somos desiludi-los pelo autor que mostra a realidade dua e crua sobre a sua visão de como a vida é. Ao invés de Meiko começar uma grande aventura que mostrará que podemos tudo se querermos, ao sair do seu emprego ela é pega pela realidade que cobra com seu relacionamento, com suas contas a pagar e com o próprio sentimento de inutilidade diante desse mundo. 

O mangá segue esse ritmo cotidiano, retratando a passagem de um dia para o outro, sendo justamente por conta dessa absoluta normalidade que ele consegue ser cativante e original. A obra não aborda fortes emoções ou aventuras, muito menos uma trama poderosa, até por isso à primeira vista a sinopse do mangá pode parecer bem chata. A história é sobre jovens indo ao caminho do amadurecimento como quaisquer outros, questionando a vida, a falsa sensação de liberdade, a forma monótona das coisas, a realidade de como se vive com os ideais da juventude sendo deixados de lado por contas a se pagar e um futuro incerto pela frente. A visão da Meiko sobre esses problemas todos criam uma profunda imersão à história e aos detalhes expostos de toda essa angústia

Há uma insegurança em ser jovem, em desejar algo em seu futuro e ter um convívio social saudável. É bem mais difícil lidar com a vida do que parece, quando viramos adultos podemos enfrentar um choque de realidade que é muito duro e desestimulante. As desilusões podem ser horríveis.

Apesar de brevemente parecer um mangá sobre conquistar seus sonhos, Solanin é o contrário. A obra demonstra o entendimento de que somos livres para sonhar, mas que a realidade é cruel e não podemos ficar presos a esse sonhos sem qualquer tipo de perspectiva real. Acompanhando as vidas sem graça de Meiko e Kaneda, você se identifica com a simplicidade dos protagonistas e sente que, entre suas esperanças e egoísmos, também vive com pouco e costuma ser feliz em alguns momentos, por mais ingênuos ou idiotas que possam ser. O mangá retrata bem isso com seu humor divertido das palhaçadas de Taneda e seus amigos de banda, por mais frustrados e entendiados que estejam com a vida eles ainda são capazes dessas pequenas coisas.

“Por que esse mundo é assim tão sem sentido? Enquanto você está andando calmamente na rua num lindo dia de sol, outras pessoas estão se matando, sofrendo e morrendo em outro lugar.”

Meiko percebe seus dias entediantes, mesmo sob o calor macio do verão, e fica presa em desilusões sobre sua juventude e liberdade. A personagem mostra um impasse pelo qual inevitavelmente, aceitando ou não, todos nós passamos na vida, a de que temos todo o tempo livre que quisermos, mas quando percebemos não somos mais tão jovens para sonhar tão alto, para mostrar tamanha disposição. É muito mais difícil do que isso. É nessas incertezas da vida que os personagens e o leitor se desenvolvem com o passar da leitura.

Enquanto no primeiro volume Meiko não faz nada, literalmente fica parada enquanto o tempo e a vida passam, um dia após o outro com cada vez mais frustrações, contas para pagar, dinheiro guardado acabando, e desilusões vindo à tona sem ela aceitar seu próprio papel, o volume dois mostra um grande amadurecimento da personagem após um acontecimento importante – sem mais spoilers -, em que a garota percebe que esse tempo realmente não para e uma hora precisamos tomar alguma atitude, mesmo sem deixar de sonhar. Precisamos encarar a realidade um dia após o outro. Mesmo que alguns instantes de felicidades podem surgir durante nossa vida, tais momentos não são constantes, não podemos ficar parados aguardando algo bom acontecer pois não é assim que funciona. 

O charme da obra é levar essas questões tão realistas a nós leitores. Esses problemas acontecem e podem acontecer com qualquer um, não está muito longe de mim ou de você, e refletir sobre isso após tal leitura pode ser assustador. O sentimento que realmente fica é desconfortável quando pensamos nessas questões da vida que normalmente ignoramos para forçarmos alguma felicidade ou idealização; ao mesmo tempo que é um sentimento ruim, é agradável e desafiador.

A música se faz presente em Solanin com a banda de Taneda representando um grande símbolos de sonhos juvenis. Como o próprio personagem reflete, queria ele querer poder mudar o mundo com a música, ser aclamado e fazer sucesso. Porém, apenas depois Taneda notou que bastasse apenas tocar sua guitarra com os amigos, para quem queira ouvir e sentir sua verdadeira expressão embutida naquelas letras – ele percebeu a realidade e o quão impotente é. O mangá utiliza desse meio principalmente para mostrar o desenvolvimento e o crescimento da personagem principal, ao mesmo tempo do fracasso de seu namorado.

Os designs e os cenários super realistas do autor contribuem muito para a imersão certa que uma obra com esse calibre deveria dar, colocando-nos muito bem no dia-a-dia em que os personagens simplesmente vivem e observam o meio em sua volta. As expressões também são muito bem feitas pelo bom uso de sombras e a forma refinada dos personagens. Inio Asano nunca decepciona com sua forma de desenhar.

Esta pode aparentar ser uma obra triste, sobre um dramalhão envolto de personagens jovens, mas não é isso. É melancólico, e isso se deve por todos aqueles sentimentos que são passados aos personagens, pelos curtos momentos de felicidade morna e pela demonstração da realidade e de nossa impotência. Há páginas e mais páginas de silêncios, de momentos a respeito dos quais nada precisa ser dito, em que os personagens apenas existem sem que haja outro sentido para a vida senão viver. Assim, embora não pretenda ir muito longe, a trama não perde o ritmo e não fica parada. Não há ápice nem momento de banalidade, apenas o curso normal das coisas.

Solanin pode comover, a obra é linda e divertida, mas sobretudo nos faz refletir. É excelente. A história não possui uma resolução final, pois os personagens simplesmente continuam vivendo sua vida, o tempo não para e não teria como colocar um final feliz ou triste e simplesmente dizer que não acontece nada depois. Os personagens continuam seguindo sua rotina, com seus sonhos, medos, dores e angustias. Assim como eles, estamos seguindo nossas vidas com toda essa bagagem junta, com muitos ou poucos problemas, com muitos ou poucos momentos felizes. A obra de Ino Asano proporciona uma leitura leve e dinâmica a qual não obscurece ou impõe seus dramas para que pareçam mais profundos ou complicados, mas os ilumina com um escaldante calor de verão e um pouco da morna felicidade, até que se tornem evidentes os personagens vivendo sem se estagnar ao caos dos sentimentos perante à vida.

Extra


Há uma versão em Live Action do mangá que foi lançada em 2011. Além disso, a famosa ASIAN KUNG-FU GENERATION toca o single “Solanin“, muito importante na história que dá nome à obra, nesse filme. Recomendo ouvi-la após ter lido o manga, será bem mais impactante.

A banda também fez uma canção original em homenagem a protagonista do mangá, a Meiko – intitulada Mustang:

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