Houseki no Kuni – A pérola perdida entre 3D e 2D (TV – 2017) | Review

Sobre: A história se passa em um futuro distante, em que uma nova forma de vida chamada Houseki nasce. Os 28 Houseki, as garotas que são pedras raras ou quase raras em formato de garotas, devem lutar contra os Tsukijin, o “povo da lua”, que querem atacá-los e transformá-los em “decorações”. Assim para cada gema (ou jóias, ou pedras) é atribuído um papel, como um guerreiro, ou um médico. Apesar de que ela espera lutar contra as pessoas da lua, Phos é umagema que não recebe nenhuma atribuição por seu nível muito baixo de dureza, até que o mestre das gemas, Kongo, começa a arrumar mais trabalhos para ela.

Análise

Houseki no Kuni é um anime de outubro de 2017 que merece os mais notórios reconhecimentos por simplesmente ser um grande ponto fora da curva pela sua grandeza de produção que a equipe do estúdio Orange conseguiu conceder. Um majestoso uso de CGi, que ao contrário do que a maioria pensa, teve muito apoio da arte 2D com uma mescla muito interessante de 3D em sua produção — tornando o anime peça única na indústria atual. Mas antes de falar das nuances da produção, vou me estender um pouco para a história e desenvolvimento.  

Embora a primeira ideia que possa vir à cabeça sobre a história de Houseki seja a de um anime completamente bizarro sobre pedras antropomórficas que parecem um grupo de garotas (mesmo que todas elas não tenham um gênero definido), o anime se mostrou cada vez mais interessante pela própria temática da sua construção de mundo. A ilha isolada do resto do mundo em que as tais garotas-pedras ficam, os seres aparentemente divinos batizados de “povo da lua” e a própria existência das joias e do seu mestre eram questões que trabalharam muito bem com a nossa curiosidade. Praticamente um ponto a mais de partida para se continuar a ver a história e entender sobre essas questões.

Logo nos quatro primeiros episódios já há uma breve saciação de informações com os enigmas sobre o que aconteceu naquele mundo há muito, muito tempo. Um mundo em que os humanos deixaram de existir, a vida praticamente acabou, mas que do fundo do oceano algumas substâncias começaram a se desenvolver, tornando-se as próprias pedras em forma de garotas, a mais divina representação da parte corporal dos antigos seres humanos, como bem explicado entre um dos diálogos do episódio 4. Logo após, também se torna um pouco mais clara a nossa percepção sobre aquele segundo grupo, o do “povo da lua”, os Tsukijin. Eles são representações (divina?) sobre o cérebro e todo o psicológico humano, não é nem um pouco a toa que aqueles seres surgem sob um cérebro flutuante.

O que também é evidente sobre os Tsukijin é que em todas às vezes começam a surgir, manchas pretas muito semelhantes aos do teste psicológico de Rorschach aparecem (acima), para então as criaturas darem as caras. Esse teste é uma forma de projeção composto por 10 manchas de tinta impressas em cartões (cinco em preto e branco, cinco em cores), criado em 1921 por Hermann Rorschac (daí o nome). A ideia básica é de que tais manchas de tinta são mostradas ao paciente, uma a uma, e a mente da pessoa trabalha bastante para dar um significado a este estímulo. Essa atribuição de sentido é gerada pela mente. Ao perguntar ao paciente o que ele identifica na mancha de tinta, ele está, na verdade, falando de si mesmo e como eles projetam um significado sobre o mundo verdadeiro, sobre sua própria concepção do que considera realidade. Ou seja, uma mancha que se parece muito com uma borboleta vai ser vista por pessoas em estados mais estáveis emocional e psicologicamente como uma borboleta. Já pessoas com personalidades violentas e agressivas poderão ver uma cadeira elétrica até alguma forma semelhante a um cadáver. 

Essa representação nos Tsukijin poderia muito bem representar que tais criaturas são frutos da própria imaginação dos humanos que já não existem. Coisas como deuses, anjos e outras entidades que se dariam por explicadas se lembrarmos os visuais que tais indivíduos possuíam. Ou quem sabe pode ser algo muito mais complexo que isso, uma referência ainda maior do povo da lua, com uma evolução à parte, daquilo que um dia já foi o cérebro humano. Qualquer explicação a mais sobre essas criaturas acaba não sendo mais que palpites ou interpretações minhas para o que o anime representou, alguém que não leu (ainda) o mangá só sabe que existe um grande mistério por trás disso tudo, e o anime não deixou tantas pistas assim pelo seu final aberto. Vale dizer também que a obra conversa com a cosmologia budista, então seria fazer uma análise falando apenas sobre os elementos da obra sob esse aspecto.

A segunda parte do anime se torna ainda mais intensa pela carga dramática e os cliffhangers de cada final de episódio, além das viradas que ocorrem mais ao fim do anime (sem mais spoilers). Houseki no Kuni faz isso brilhantemente em praticamente todos os episódios, principalmente na sua segunda parte, com inserções de grandes conflitos para a protagonista e as outras meninas, com uma ótima direção auxiliando para que esses ganchos realmente se saíssem de maneira à não ficar tão óbvio o que viria depois. Mas não é só isso. O desenvolvimento da protagonista Phos se faz por um incrível crescimento da personagem que no início é mais boba e sem motivações para saber o que fazer, mas que depois se fortalece tomando em conta as próprias virtudes. Praticamente todas as outras garotas (prefiro usar esse termo para ficar menos confuso) ganham espaço e certa história de fundo. O anime faz bem em mostrar qual é a função de cada uma ali, além de seus sentimentos, virtudes e desejos. 

O ato final do anime é engajado com um cliffhanger onde o mestre vai falar com Phos e não sabemos de fato se é por um motivo ou outro. É gracioso e muito impactante, souberam fazer-nos querer esperar mais. Embora a série tenha acabado com um final aberto, a direção soube muito bem trabalhar com esta questão parar tornar este ponto forte e um final enfim impactante.

Agora, finalmente falando dos aspectos dessa incrível produção. Começando pela direção: o diretor da série, Takahiro Kyougoku, em entrevista na Online in Animate Times, mostrou o quanto ele percebeu a ambiguidade intencional da obra como um dos seus principais recursos de direção, notou que na adaptação algumas ideias deveriam ser mais claras e para serem facilmente analisadas. Entre sua brilhantes constatações, chegou ao genuíno entendimento que apenas com os recursos 3D da Computação Gráfica ele conseguiria lustrar tão bem as pedras antropomórficas na forma de seus respectivos minérios, tornando seus designs literalmente lustrosos e brilhantes. A própria caracterização foi afetada pela visão que Kyougoku tinha pela série, uma vez que no mangá as garotas possuem uma esterilidade emocional, o que faz sentido já que se trata de “pedras”, já no anime elas demonstram muito mais o que sentem. 

Também é interessantíssimo ressaltar os incríveis storyboards usados em Houseki no Kuni. O anime conseguiu ângulos e movimentações incríveis de câmera com as melhores técnicas e layouts que a utilização de CGi permite, ótimas composições simétricas, espelhamentos e dinamismo nas sequências dramáticas ou mesmo na ação. Embora Kenji Mutou não tenha sido o único storyboarder da série, ele foi quem desempenhou o papel mais incrível por aqui. Foram brilhantes e inovadoras as formas de se animar 2D com CGi com as diversas técnicas de câmera utilizadas durante a adaptação.
 
Se notarem, há muitas cenas com excelentes cortes de animação 2D inseridas em meio a tantos efeitos e angulações em computação gráfica. A cena abaixo é um bom exemplo.

Embora o 3D tenha sido essencialmente bem feito e tenha sido até certo ponto inovador para sua utilização em série anime para televisão, muita da tradicional animação apareceu anime, ela que desempenhou o papel particular, por exemplo, das expressões únicas e da excelência de muitas cenas-chave. E Naoki Kobayashi foi um dos conhecidos key-animators (2D) que colaboraram para isso.

O último, mas não menos importante destaque, vai para os incríveis cenários expostos no anime, principalmente os que foram mostrados nos episódios finais. O estúdio auxiliar Aoshashin, de Yuji Kaneko que já trabalhou em Kill la Kill, Madoka e outros como artista de background e diretor de arte, desempenhou papel fundamental nisso — além do próprio artista de artes conceituais Yohichi Nishikawa e alguns outros artistas ex-Ghibli que participaram de algumas pinturas. Além disso, a trilha sonora do anime surtiu bons efeitos e foi muito bem trabalha na perspectiva do anime e da direção, foi outro bom trabalho.  

Houseki no Kuni é um anime muito singular, diferente e super bem produzido. Uma das únicas séries para TV até o momento que soube fazer um trabalho tão decente com CG, junto do grande auxílio dos desenhos e da animação 2D para deixar a tão interessante história ainda melhor. É uma das melhores produções do ano, sem dúvida alguma, e todo mundo deveria dar uma oportunidade ao anime sem preconceitos do estilo da animação ou da história que inicialmente parece tão diferente.


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