5 Animes em que os personagens comem o pão que o diabo amassou

Às vezes a vida não se contenta em dar apenas uma rasteira em sua pobre vítima, ela tem que torturar o coitado diariamente. Por sua vez, a ficção não se contenta e multiplica o bullying da vida em dez, vinte, trinta vezes pra cima de algum personagem azarado. E nós, meros telespécs sofredores, acompanhamos horas a fio essa desgracera… Choramos, xingamos, roemos o braço inteiro, mas não conseguimos desgrudar o olho da tela (alguns um pouco mais sádicos ainda desejam um pouco mais de desgraça).

Então para os masoquistas de plantão – ou algum ser maligno escondido nas sombras que gostam de ver o sofrimento alheio, estou listando 5 animes em que os personagens comem o pão que o diabo amassou.

Mas antes, alguns critérios que foram tomados para a criação da lista:

*”Bora” evitar clichês – Todo mundo sabe que Homura de Madoka Magica e Guts de Berserk são pioneiros na arte da sofrência. Então procuramos algumas coisas um pouco menos populares.

*Sem filmes – Uma à duas horas de ceboladas nos olhos? Fraco! Sofredor que é sofredor tem que acompanhar o passo a passo de nossos heróis no chão de brasa. (Mas se você não tem tempo, veja Hotaru no Haka, Hadashi no Gen, Giovanni no Shima, Asura e divirta-se – ou não.)

*Ter um passado trágico ou passar por uma situação triste, não é o bastante – Esse ser que nasceu com o pé esquerdo tem que apanhar o anime todo. Mas um final feliz e bonitinho está valendo.

1 – Les Miserables (2007)

Baseado em um livro bem conhecido, Les Miserables já ganhou várias adaptações como musicais, animes, filmes. A história é clássico não só da literatura, mas no quesito “sofrimento”, afinal, o próprio nome já diz tudo.

Situado no século XIX, a série começa com Cosette, que bem pequena acompanha sua mãe numa busca por emprego. Por ser mãe solteira ninguém quer contratá-la, até que surge uma oportunidade em outra cidade, mas para garantir o emprego ela deixa Cosette com uma família aparentemente boa em um vilarejo, prometendo enviar dinheiro para pagar as despesas da filha.

Mas, os cuidadores fazem da menina uma empregada, deixando ela por vezes sem comer e maltratando a criança dia após dias, assim como a filha do casal. As coisas mudam quando a mãe de Cosette adoece e o prefeito da cidade aonde trabalha fica sensibilizado com sua história, decidindo então, ir ver a criança. Mas ao ver os maus tratos que a menina sofria, ele resolve assumir a responsabilidade sobre ela.

Les Miserables é uma obra que não se contém ao torturar seus personagens, pois um a um, todos terão seus altos e baixos na vida. Em especial, Jean Valjean (O prefeito que adota Cosette) convive com as dores de um passado obscuro que o persegue através de um policial que se dedica a capturá-lo. É perceptível a constante angustia na expressão de Jean e sua eterna busca por redenção.
Apesar de uma aparentemente pacífica passagem de tempo na série, a situação que melhora para alguns, piora para outros. Como por exemplo, a família que cuidava de Cosette que acaba ruindo na pobreza e se dividindo. Porém, tudo só piora depois que eclode a revolução francesa e muitos personagens são envolvidos nas lutas entre as ruas Paris.

O anime contém 52 episódios e foi lançado em 2007 pela Nippon Animation. Sua animação é simples e dentro do essencial, mas há uma melhora em sua qualidade ao decorrer do anime. A direção não se destaca muito, mas impõe um bom ritmo narrativo e extrai um bom trabalho de voz de seu elenco. Sem muitas alegorias técnicas, o que se sobressai em Les Miserables é sua excelente história e boa fidelidade com a obra original.

2 – Glass no Kamen (2005)

Escrito por Suzue Miuche em 1976, o mangá Glass no Kamen se tornou bastante popular no Japão, ganhando 2 séries para TV (Uma em 1984 e um remake em 2005) e versões em Live-Action.

A história gira em torno de Maya, uma garota de 13 anos fascinada por teatro. Um dia, seu talento para atuar é descoberto por Chigusa Tsukikage que irá treinar a garota e introduzi-la ao mundo teatral.

A estrutura do roteiro de Glass Mask provavelmente é a inspiração para muitas obras sobre “O mestre e o aluno”, em que o mestre é alguma lenda ou alguém premiado naquilo que faz; o aluno é alguém que não sabe nada sobre a futura carreira que irá seguir, mas tem algum dom; e o rival, um prodígio e futura promessa, que é um dos primeiros personagens apresentados ao aluno quando está sendo introduzindo à sua carreira. Já vimos isso, não? Hajime no Ippo, Ballroom e Youkoso, Little Witch Academia…

Apesar de não ser muito conhecido aqui no ocidente, o mangá e respectivamente a suas adaptações se tornaram um clássico do drama no Japão. E não é por menos! Gente que gosta de ver o sofrimento alheio não falta nesse mundo e Glass Mask sabe muito bem trabalhar com essa demanda. Maya, apesar de ser uma personagem com um dom natural para o teatro, não possui experiência em atuações, o que a leva a ter um árduo treinamento. Uma das principais características da relação entre a personagem e sua jornada como atriz é a determinação da garota em alcançar o mais próximo do real com seu papel, mesmo que isso implique passar por situações extremas como, por exemplo, passar dias sozinha em uma cabana com os olhos vendados para o papel de uma cega.

Diferente dos outros personagens desta lista, Maya aceita passar pelo violento treinamento de sua mestra e por situações bastante complicadas para entrar nos papeis em que são dados, mas há também fatores externos para judiarem da garota do primeiro ao ultimo episódio.

A versão de 2005 conta com 51 episódios, mas apesar de não adaptar o mangá inteiro (por conta do mesmo ainda não estar finalizado e em hiato até o momento) o anime termina em um bom ponto fechando seu arco. A animação, assim como Les Miserables, é funcional sem grandes caprichos. Já a direção consegue conduzir muito bem o ritmo do anime e exaltar algumas cenas especificas, mas entre seus acertos, foi dar destaque às peças de teatro retratadas no anime, trazendo a real sensação de estar vendo uma história à parte sob as atuações de seus personagens. Um dos poucos pontos negativos está nas seiyuus que não são boas atrizes de voz, o que acaba indo contra as personagens principais que exigiam isso. E vale ressaltar a lindíssima e dramática trilha sonora do anime que potencializa ainda mais todos os sentimentos que esse anime transpassa.

Glass no Kamen (Ou Glass Mask) é uma excelente obra com valores sobre determinação e trabalho duro que com certeza vale a pena a ser assistido, principalmente por nós que gostamos de sofrer junto com os personagens.

3 – Ie Naki ko Remi

Adaptação do romance francês Sans famille, de 1878, e escrito por Hector Malot (também teve uma adaptação anterior do anime Nobody’s Boy: Remi de 1977); esta versão fez grandes mudanças a partir do livro, inclusive mudando o sexo do personagem principal e o capítulo “Swan”, juntamente com muitos outros eventos principais.

Remi, uma menina alegre e de bom coração, vive com sua mãe em uma cidade francesa. Um dia seu pai retorna à cidade depois de um longo período trabalhando longe de casa. Seu pai lhe diz que ela não é sua filha real e tenta vendê-la para um comerciante de escravos. Vitalis, um artista de rua viajante, ajuda Remi e descobre que ela possui talento para o canto, então decide levá-la com sua trupe.

Se a expressão “nasceu com a bunda virada para a lua” se refere às pessoas sortudas, Remi muito provavelmente nasceu com seu traseirinho mirando o mais profundo e abissal buraco do planeta. O anime assim como vários outros da World Masterpiece Teacher (Nippon Animation) retrata a vida de crianças abandonadas por volta do século XVIII-XIX.

Para quem não conhece a WMT, é uma série de animes que começou lá em 69 com a Mushi Productions e seu primeiro título: Dororo, e depois de passar para o estúdio Zuiyo, se firmou na Nippon Animation. Seria possível montar uma lista igual esta daqui apenas com os animes da WMT, pois esta aparentemente inofensiva e familiar série de animes é na verdade uma trituradora voraz de corações. Tanto é que, Les Miserables que também se encontra presente aqui, faz parte do programa.e marcou o seu retorno em 2007.

Como já esperado, Remi é a vítima da vez com um alvo marcado em suas costas e constantemente caçada pela vida. Sequestrada, vendida, abandonada e ainda lidando com a perda de alguém querido, fome, violência e exploração… A personagem é chutada durante a série inteira, mas se levanta sempre com um sorriso e seu dilema “siga em frente”. No final, chega a ser questionável a sanidade de Remi e se seu sorriso é ainda algo natural ou uma obsessão… Ou a personagem já se encontra psicologicamente destruída… Fica a dúvida!

Apesar dos fortes acontecimentos ao decorrer do anime e a violência infantil, ele ainda tem um roteiro parcialmente infantil, principalmente quanto aos vilões, como o último que acaba tornando-se um ponto negativo para a obra. Mas no geral o anime é muito bom, há seus momentos leves e outros emocionalmente pesados que são de rasgar nossos kokoros ao meio. Além do mais, há um romance muito bonito e bem desenvolvido. A animação assim como os demais animes da lista, fica dentro do normal, tendo como característica natural da WMT a naturalidade e sendo um entretenimento familiar.

4 – Candy Candy

Candy Candy de 1979 é um anime do estúdio Toei Animation, conhecido por ter experiência em séries gigantes, por isso temos 115 episódios adaptando o mangá de 9 volumes escrito pela Mizuki Kyoko, obra premiada em 1977 com o Prêmio de Mangá Kodansha. O anime ainda foi exibido em diversos países como Coréia, Espanha, Chile, China e Dinamarca, porém devido a divergências internas Candy Candy nunca foi lançado oficialmente em DVD no Japão, sendo apenas lançado pelas redes de televisões de alguns lugares, onde provavelmente a versão mais conhecida seja os DVDs coreanos.

Candy White é uma menina do orfanato “Pony’s House”, uma daquelas mais bravas e briguentas que corre junto dos garotos e sobe em árvores o dia todo (infância dos seus avôs), a estória acompanhará os diversos dilemas e situações da vida comum, como a sua vontade de querer pais, um namoradinho e outros desejos normais – a diferença está na sua abordagem real, cruel e sentimentalista.

A série traz algo raro hoje em dia e comum nas séries antigas: não existe pudor ou censura em demonstrar os preconceitos e maldades da sociedade, por isso nossa querida Candice sofrerá preconceito por ser pobre, será vendida como escrava, é vista como um objeto pelos ricos; em resumo a vida a tornará casca grossa sem com isso deixar de ser a doce Candy.

Claro ela não passa só por sofrimento, existe vários aliados a ela no meio do caminho que tentaram a ajudar e serão iguais a ela, mas saiba que estes são minorias, e por isso aos poucos todas as situações vividas, seja algumas perdidas ou vencidas, começam a demonstrar o porquê dessa série ter sido tão popular na época em que se passava- algumas pessoas se reconheciam nas diversas situações, e nesse ponto o anime brilha, quase todos crianças ou adultos tem empatia por ela e sentem no drama um exemplo de vida.

Culpado por isto é a Mizuki Kyoko pensando na perda do pai aos 12 anos de idade e escrevendo aos 21 quando perdeu a mãe e ficou sozinha no mundo, visto isto não é por que ser protagonista que existirá certeza de tudo, eles estão lá e podem no outro segundo morrer, não é só um personagem secundário servindo para uma cena, é uma vida perdida e a dor é sentida para sempre, dando aos sofrimentos da escritora vida novamente. Ela ainda optou por uma estória sem plot principal, não existe o objetivo final, o importante é o caminho percorrido ou seus plots secundários na sua forma que se interligam e na evolução da Candy, lições apreendidas. A animação é nível médio para época e sua trilha sonora é funcional, somente sua abertura tem uma música memorável e representa a personalidade e situações do anime dizendo “Sorria Candy” várias vezes. Em suma, este anime é uma joia perdida no tempo – e até mal tratada.

5 – Juuni Kokuki

Juuni Kokuki (Ou, The Twelve Kingdoms) é um anime produzido pelo estúdio Pierrot com 45 episódios, baseado numa série de novels da escritora Fuyumi Ono, que também teve outras duas obras que ganharam adaptação para anime: Ghost Hunt e Shiki.

Youko Nakajima é uma colegial exemplar, que se faz de boazinha para agradar os outros. A garota estava sofrendo de pesadelos com estranhos monstros, mas ela no entanto não sabia que esses sonhos iriam se tornar realidade. Um dia, é encarada na sala de aula por um homem estranho chamado Keiki, que jura sua total lealdade perante ela e diz que precisa levá-la para um lugar distante para protegê-la. Após um ataque de pássaro youkai, Youko e dois colegas de escola que acabam se envolvendo, Asano e Sugimoto, são levados por Keiki para outro mundo – o mundo dos 12 reinos. Lá, acabam todos se separando sem saberem exatamente o porquê de terem sido levados a este estranho mundo cheio de monstros.

Dentro do universo dos 12 Reinos, há um rei para cada reino e eles são selecionados por criaturas místicas chamadas Kirins. Se um reino for mal governado, a desgraça cai sobre eles e este começa a ser atacado por youkais.

Keiki (um Kirin) foi encontrar sua rainha em outro mundo (o Mundo Humano), mas o reino dela já se encontra em desordem, o que será um grande desafio para alguém salvar. Principalmente alguém que, alem de ser de outro mundo, possui uma personalidade bastante miserável. E é aqui que Juuni Kokuki começa a entrar na nossa listinha.

Youko é obrigada a aprender a se defender e a governar um país, tendo que enfrentar como maior desafio, a sua personalidade… Mas se tornar uma pessoa forte da noite pro dia é impossível, pra isso ela vai ter que vivenciar o caos que seu reino se encontra e compreender a sua importância. Entretanto, o anime não segue apenas Youko, todos os personagens recebem seu destaque dentro da história e alguns passam por situações muito tensas, literalmente comendo o pão que o diabo amassou. Assim como Youko, essas personagens terão que crescer mentalmente para aprenderem a viver nesse mundo.

A direção é de Tsuneo Kobayashi, ele não é um diretor muito bom e tem poucos trabalhos nesta função, mas fez um trabalho eficiente aqui; extraiu um trabalho de voz bem feito do elenco e conduziu bem o anime. Apenas as cenas de ação que poderiam ser melhor coreografadas e terem enquadramentos melhores, pois não são empolgantes. Assim como a direção, a animação é eficiente, tem um paleta de cores vivas e bons cenários, apesar de ter bastante cenas paradas, também contém bastante movimento quando necessário.

O grande destaque dessa obra fica a cargo do excelente roteiro que carrega, ao começar pela construção de mundo que conta com sua própria mitologia e tudo é muito bem detalhado. E temos personagens bem fora dos padrões de personalidade, como a Youko que é detestável no começo e vai se desenvolvendo ao longo da obra de uma maneira incrível.

A lista se encerra por aqui, mas a tristeza de lembrar desses animes permanece. Haja coração (ou sangue frio) pra ver esse povo todo sofrendo. Mas, vejam pelo lado bom, essas pequenas jóias trazem consigo importantes lições sobre superação e determinação e certamente não são animes esquecíveis.

Agradecimento especial ao Aria, que contribuiu e escreveu sobre Candy Candy na lista. E não deixem de comentar, caso gostarem, pois pretendo trazer mais listas um tanto diferentes como essa, hehe!