Death Note – Netflix (2017) | Crítica

Imagine se você tivesse o poder de vida ou morte sobre qualquer pessoa? Inspirado no famoso mangá, “Death Note” acompanha a história de um estudante que encontra um caderno sobrenatural: ao escrever nele o nome de alguém e imaginar seu rosto, essa pessoa morre. Seduzido por esse novo poder, o jovem começa a matar aqueles que ele acha que não merecem viver.
É de se esperar que qualquer adaptação americana de algum mangá ou anime decepcione o público com um material que passa bem longe da versão original. Mas com a Netflix poderia ser diferente, afinal é uma produtores independente que vem trazendo algumas séries e filmes, que mesmo oscilando entre o que é bom e ruim, consegue dar às suas produções suas próprias características. Poderia ser interessante, talvez diferente… Muitas pessoas estavam curiosas para saber o resultado final que sairia… Contudo, o que nos foi entregue foi tão broxante que decepciona até mesmo aos que não tinham expectativa alguma.
Antes de fazer algumas comparações, irei comentar do filme como uma obra individual começando pela direção que no caso, está à cargo de Adam Wingard, conhecido pelos filmes “V/H/S” o terrível remake de “Blair Witch” e seu melhor trabalho que foi “You’re Next” (e é apenas um filme razoável). Não é de esperar nada, ele não saber impor um ritmo narrativo, construir uma cena convidativa e nem mesmo extrair boas atuações de seu elenco. Há alguns recursos visuais que usam a câmera lenta e músicas com uma sonoridade densa que acompanham o ritmo, que desestimulam e acabam causando um efeito retardatário – pois são usados antes mesmo que seja trabalhado qualquer desequilíbrio psicológico nos personagens. E as poucas cenas de ação no filme são confusas e proporções desequilibradas. Por exemplo, quando o L persegue o Light, horas ele está próximo e horas está distante, não fazendo muito sentido em relação ao estado físico e preparado que o L esbanja em contrapartida ao desastroso e lerdo Light.
 
O filme tropeça ainda mais em seu visual. Se era esperado algo mais dessaturado, a realidade foi agridoce. Há muitas cores, muitos brilhos, mesmo com boa parte do filme ambientado durante a noite e com cenários escuros, o longa contém muitos contrastes com cores vivas. Mas, ao contrário de filmes como, por exemplo, Neon Demon, Fight Club, ou até mesmo as próprias séries da Netflix (Jessica Jones e Stranger Things) aonde a estética é evocativa e os jogos de luzes e sombras acompanha o lado frágil ou perigoso de um ser humano… Em Death Note, ela apenas soa brega. 
 
Um dos principais fatores que vai contra a parte visual desse filme é a má utilização da iluminação, temos cenas tão escuras aqui que mal conseguimos ver os personagens direito, como o Ryuk que está o tempo inteiro escondido em alguma incomoda e irritante sombra… Por ser uma criatura das trevas? Ou conveniência de um baixo orçamento?
 
 
Parece que alguém andou faltando as aulas de Mise en scène! e.e
 
Entretanto, se ao menos houvesse um ator que carregasse o filme, suas características negativas poderiam ser amenizadas, no entanto o roteiro não destaca nenhum personagem e as atuações são muito ruins… Ao começar por Light, papel dado à Nat Wolff.

Nat começa mal por não saber definir o que seu personagem quer, até porque nem mesmo o roteiro define isso. Ele é apenas um jovem com cabelo tingido que usa algumas frases de efeito ou retruca com piadinhas o que é dito, mas ao longo do filme ele não consegue expor a evolução psique de Light para Kira, ou melhor dizendo, para um assassino em série. No fim, o que vemos é apenas um jovem revoltadinho. 

Já Margaret Qualley, que faz o papel da Mia (Namorada do Light), tem como maior barreira as limitações que seu papel tem dentro do roteiro, pois ela até é esforçada e consegue mostrar a outra faceta de Mia.
 
 
Por outro lado, Lakeith Stanfield, está tão preso à caracterização do L que esqueceu-se de dar naturalidade ao seu personagem, deixando sua atuação corporal nenhum pouco diferente da de um cosplayer em eventos de anime. E suas expressividades não condizem com a do personagem, aliás, qual parte do “detetive gênio e excêntrico” não entenderam? Esse L não passa de um adolescente irritado.

O resto pertencente ao elenco de apoio estão ligados no piloto automático e são totalmente descartáveis. Um deles é Shea Whigham que faz o papel de Detetive Turner, o pai de Light, e seu trabalho é realizado com tanta falta de vontade que sua atuação se resume à recitar textos decorados e fazer alguma expressão facial pra provar o que estava sentindo e depois sair de cena.
 
E se contras não faltavam, chega a vez do roteiro, que é sem sombras de duvidas, o maior vilão do filme.

O primeiro ato é completamente desastroso, a ligação dos personagens é feita de forma apressada e sem fazer sentido algum, entre elas, há o vergonhoso diálogo entre o casal que resumidamente o Light diz: “Olha que legal, eu mato gente” e ela aceita isso numa boa! Tudo bem, ela pode ser louca, mas quem em sã consciência revelaria um segredo desse como se fosse algo que pode ser dito há qualquer pessoa, principalmente alguém com quem nunca conversou? E se não bastasse essas conveniências, ainda há algumas cenas fora de hora que entram apenas para explicar uma cena anterior. Porém, mesmo permanecendo nos mesmos erros, o filme ganha um pouco de gás no seu segundo ato com a entrada de L por finalmente andar para frente e seu terceiro ato melhora um pouco mais por causa de algumas reviravoltas. O pior de tudo é o filme não consegue construir seus personagens e muito menos desenvolver eles, há muita contradição entre “o que eles são na história”, “como nós vemos” e “como deveriam ser”, deixando tudo apenas confuso e superficial.
 

Remake x Original

Adaptar um filme de outro pais geralmente vem em todos os sentidos, como ambientar a obra dentro dos costumes e da cultura onde a história vai se passar. Porém, há os casos em que uma obra é facilmente aplicável em alguns lugares, nesse caso, Death Note não precisa passar por uma americanização. Mesmo com atores ocidentais e com a diferença temporal de uma década, DN pode ser encaixado desde que não sofra mudanças em seu roteiro, como os ideais de cada personagem e a narrativa que usa muito a linha de raciocínio do L e do Kira para mostrar ao público que eles são inteligentes. E o que o Remake faz é tudo ao contrário, ao começar pela linha de raciocínio, que é essencial para uma obra onde o que cada personagem está pensando se torna o ponto alto para a narrativa ser tão interessante, e o filme simplesmente descarta isso. E se não bastave a série de mudanças no enredo e a inserção de Mia (Falsa Misa), o filme toca na parte mais delicada e intangível da obra original que é toda a composição de seus dois personagens principais.

Se alguém estava esperando um Light sociopata e inteligente, esqueça, o que vemos é um menino bem “who” na escola que tinge o cabelo e grita igual uma bicha louca quando vê o Ryuk pela primeira vez. Os seus resquícios de estrategista só são realmente vistos no final (é um tanto quanto questionável), e ele se contradiz em diferentes pontos do filme. Aliás, seu primeiro nome no caderno é o de um aluno de sua escola que pratica o bullying para depois ele definir como alvo bandidos perigosos. 
E o que dizer do L? Muito sobre o personagem é dito através do jeito e aparência desleixadas, no entanto o filme se apega apenas as características mais marcantes (sua forma de sentar, seu vicio por doces e insônia) esquecendo de atribuir essas características também à sua aparência e aplicar o motivo para elas, principalmente, aplicar isso à sua personalidade que deveria demonstrar genialidade e excentrismo, ao contrário de apenas um jovem esquisito e irritado.

Death Note da Netflix é um filme que foge muito e caminha para outra direção em relação ao que o original é, além de mexer muito em quase todos os pontos da obra. Entregando um resultado “teen” e descabeçado que perde qualquer conceito que deveria ter preservado. Até mesmo a ambientação acinzentada e Dark perdeu espaço para o coloridinho e falso sombrio deste péssimo filme.
 
Por fim, não é de mim recomendar que algo não seja assistido, fica por conta e risco pessoal de cada um, afinal, sempre haverão aqueles que vão gostar e achar que é o melhor filme do ano. Mas, se por acaso você for uma pessoa que tem intenção de ver o anime ou ler o mangá de Death Note, deixe para ver esse filme para depois para não correr o risco de estragar sua experiência ou até mesmo te desanimar de conhecer a obra original.