Animes de Estilos Artísticos Únicos #4 Tenshi no Tamago


Peço a compreensão de quem for ler o texto pelo fato do anime tratar de religião, apoiando ou a criticando em certos momentos.

De início, é importante compreender o autor Oshii Mamoru e seus interesses, passando por seus trabalhos e por sua evolução como diretor, juntamente de seu parceiro Amano, o responsável pelo belo art desing em Tenshi no Tamago (Angel’s Egg) de 1985 pelo Studio Deen; pois de acordo com a afirmação que nem Oshii saberia o que o filme significa, ele nos responsabiliza de interpretarmos essa obra e ainda não refuta nenhuma ideia, então nos convida a fazermos nossa própria reflexão.

Oshii Mamoru tem certo interesse no cristianismo, e em suas obras temos referências a passagens da bíblia, como a história de Noé em Angel’s Egg. O autor também aprecia os filmes europeus, logo vemos cenas longas, belas trilhas sonoras e poucos diálogos, visto a sua preferência em mostrar.

Seu primeiro grande trabalho foi Urusei Yatsura, uma série de 195 episódios de muito sucesso durante seu início em 1981; sua segunda obra é Angel’s Egg que surpreendentemente não foi bem recebida pelo público no seu lançamento, e só atingiu sua “glória” depois de anos. Isso possivelmente se deve a dificuldade em entender a mensagem nesse filme, ele então aprendeu e se aperfeiçoou lançou mais duas obras Twilight Q 2 (1987) e Patlabor (1988–93), e finalmente chegou na obra que todos conhecem, Ghost In The Shell de 1995.

Contudo isto não desvaloriza a obra mais artística e religiosa dele, Angel’s Egg. A obra é uma cooperação então de duas grandes mentes Oshii e Amano, em que ele foi diretor e cuidou da adaptação enquanto e Amano desenvolveu a arte, sendo sua inspiração uma tentativa de visualizar o mundo interno de Oshii – com ambos trabalhando na história.


O estilo de Amano pode ser visto nas cores do filme. Há o uso das cores mais frias, mais tonalidades e menos variações, dando um lado mais oculto e ousado. Ele que também é conhecido por fazer os design e capas do jogo Final Fantasy do I ao X*, fez um ótimo trabalho dando a arte do anime um estilo único, lembrando os níveis de artes vistos nos artbooks devido ao esforço empregado.


Dessa combinação nasce um filme praticamente mudo que é sobre, uma menina e um ovo? Um universo pós-apocalítico? Uma paródia da arca de Noé? Uma explicação do que é Fé? A primeira beleza em Tenshi no Tamago é sua possibilidade de qualquer um construir suas hipóteses e estarem certos, sua interpretação é limitada por quem assiste e quem definirá o significado dessa obra será cada espectador. Baseando-se nisso, compartilharei minhas interpretações e opiniões, que não serão inflexíveis e nem definitivas, similar ao conhecimento científico, podendo ser expandida ou refutada por quem ler este texto.


O primeiro aspecto presente são as construções com arquitetura gótica, iguais as catedrais no século XIX e seus vitrais de mosaicos formando normalmente figuras religiosas de Jesus, ou um peixe, das quais serão quase as únicas fontes de cores. No restante só existem cores mortas, frias e escuras, a tonalidade da pele é branca sem vida, os personagens são pouco desenvolvidos de propósito e nem possuem nomes, pois eles se esqueceram.


E o segundo maior aspecto nesses personagens são suas memórias. A história se passa como se a missão de Noé não tivesse terminado, e como se ele ainda estivesse esperando pela pomba que trará o ramo de árvore indicando terra, eles então são descendentes de Noé e estão aguardando a resposta que nunca viera. Já se esqueceram o que estavam esperando, os animais se fossilizaram na arca, é a partir daqui que a história evolui e começa a fazer diversos questionamentos e mostrar seus simbolismos.

É importante citar que temos apenas dois personagens The Man que lembra Jesus, por diversos motivos, sendo o maior deles as suas mãos escondendo ferimentos e sua cruz carregada durante todo o momento, e The Girl, a garota com o Ovo, que portanto carrega o “protagonista”, pois ele é cheio de significados. O fato disso nos leva ao um enredo simples, às frases curtas, à pouca história com essa ausência de diversos aspectos comuns em outras obras. Se cria um jogo de imagens, uma nova forma de contar e de se questionar, aspecto esse evidente durante a pescaria ou a busca do homem por diversas sombras de peixes, destruindo a cidade no processo, que na verdade tenta dizer o quão errado a busca do homem pela fé pode estar destruindo o nosso próprio mundo.


Isso acaba por destacar a qualidade metafórica nos atos ou cenas e é por esse uso expandido de diversos elementos comuns que se atinge as diversas interpretações. Ou seja, Oshii tenta ao máximo falar de vários assuntos e temas corriqueiros para o espectador, e por isso ele combina várias ideias, terminando por dar um significado a quase tudo dentro do filme, mesmo que em alguns instantes seja ambíguo – como o próprio Ovo, do qual muitos devem se questionar qual o valor dele na obra. (Não seria justo esquecer do Ovo).


Saiba antecipadamente que o Ovo não importa, ele está vazio, o que realmente tem valor é os significados que transcendem-o, valores e ideias que são passadas no filme ao lado dele, o afeto e cuidados exagerados da garota, os motivos do The man ajudar, a forma sútil como eles se lembram das coisas, pela ajuda da Água ou chuva, levando ao segundo item estrelado no filme, a Água. Talvez seja estranho, mas ao se pensar no valor dela na religião e na forma de Oshii significar quase tudo em sua obra, ela não poderia deixar de encenar e alterar o rumo da história, portanto “encenando” juntos dos personagens temos objetos, não somente esses, mas outros exemplos são a arca e a cidade.


Não menos importante do que isso tudo, a trilha sonora é bem utilizada, não sendo utilizada em momentos para construir certos sentimentos, e nos corretos construindo o clímax. Temos músicas diferentes voltado ao aproveitamento do instante e não da música em si, com um estilo clássico, onde conseguem completar bem seu objetivo e o silêncio.


Completando Tenshi no Tamago me trouxe grandes questionamentos, e é com certeza umas das obras mais difíceis de se interpretar concretizadamente, eu não poderia no espaço que tenho e nem deveria escrever todas as repostas, pois algumas são pessoais e cabem a quem vir responder. Portanto, me atentei à qualidade da obra e algumas dicas de rumos na interpretação, sem contudo limitar, visto isso essa obra consegue ter algo para todas as pessoas, um “algo” diferente que não se vê com frequência no Ocidente ou Oriente, e garanto o número de obras semelhantes é pequeno. Recomendo essa obra para quem busca algo diferente e bom.

Nota: 9/10

Extras:

Amano a partir do Final Fantasy X em 2001 parou de trabalhar nos personagens e depois só trabalhou nas capas e artes promocionais.
Tenshi no Tamago é praticamente mudo porque ele tem somente 100 a 95 linhas ou frases nas legendas durante uma hora e quarenta minutos (100 minutos), sabendo que o episódio 22 de Little Witch Academia, por exemplo, de 24 minutos, tinha 517 linhas ou frases, percebemos uma carência de falas e mais utilização de cenas para contar o enredo.

Tenshi no Tamago foi remasterizado em Blu-ray.

Essa obra não tem interpretação certa ou errada.

Existe um livro chamado Stray Dog Mamoru Oshii em inglês do qual parcialmente me embasei para escrever essa review.

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